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Logan (2017)

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“Eu já havia enfrentado muitas situações terríveis antes, e a escrita me ajudara a superá-las – me ajudara a esquecer de mim por pelo menos alguns momentos. Talvez ela me ajudasse outra vez. Parecia ridículo pensar que funcionaria, dado o nível de dor e incapacidade física que eu sentia, mas uma voz no fundo da minha cabeça, ao mesmo tempo paciente e implacável, me dizia (…) que a hora era aquela.”

Em junho de 1999, o Stephen King quase abotoou o paletó de madeira após ser atropelado por um furgão. O escritor estava realizando sua caminhada diária próximo a uma estrada do Maine (provavelmente pensando em novas formas de matar personagens tagarelas) quando foi atingido em cheio por um veículo desgovernado. Dentre outras coisas, o cara teve lesões sérias no joelho, na coluna, nas costelas e no couro cabeludo e precisou operar o quadril, que foi completamente deslocado pelo impacto. Coincidência bizarra, King relatou o ocorrido no Sobre a Escrita, último livro que li antes do meu próprio acidente e do qual retirei o trecho acima.

De fato, após vivenciar um grande trauma e ver tarefas corriqueiras como escovar os dentes transformarem-se em experiências dolorosas, a gente meio que fica uns dias no limbo. Te levam para o hospital para trocar curativos, te levam pra casa. Te levam para almoçar, colocam comida na sua boca (olha o aviãozinho!), te dão banho e parabéns quando você demonstra alguma evolução (coisas complexas como usar um cotonete sozinho). O pior de tudo é que, por mais horroroso que seja abrir mão da própria independência, não há muito o que fazer e a gente vai deixando-se levar. Daí para acostumar-se com a situação é um passo. Felizmente, a tal voz a qual o King refere-se também habita a minha cachola e, no último fim de semana, eu decidi que chegara a hora de reconquistar parte do meu espaço: chamei um Uber e fui ao cinema. Ousado, não?

Não foi fácil. Acostumado que estou a fazer as coisas de forma rápida e objetiva, vi-me na entediante situação de precisar andar bem devagar, tanto para acompanhar minha esposa, que ainda está com o joelho dolorido, quanto para evitar que alguém esbarrasse nos meus braços. Tarefas simples, como inserir o cartão de crédito na maquininha e digitar a senha, transformaram-se em verdadeiras aventuras. A felicidade por ter saído de casa após quase 3 semanas de relacionamento com o Netflix foi acompanhada pela sensação constante de impotência, como se os meus melhores dias houvessem passado e dado lugar a decadência de alguém que viverá o resto da vida na sombra daquilo que um dia foi. Exagero? Talvez, mas, noutra coincidência incrível, Logan, o primeiro filme que vi após o acidente, evoca justamente esses sentimentos de alguém que, consciente de suas limitações, prepara-se para sair de cena após uma última dança.

No ano de 2029, o Logan (Hugh Jackman) ganha a vida trabalhando como chofer. Velho e decadente, ele divide o tempo entre encher a cara e cuidar, com a ajuda do esquisitão Caliban (Stephen Merchant), de um decrépito Professor Xavier (Patrick Stewart). Aparentemente, após os eventos mostrados em Apocalipse, o Xavier foi diretamente responsável por um acidente que não só vitimou vários mutantes como desencadeou uma reação implacável do governo contra os chamados homo superior: os X-Men chegaram ao fim e o nascimento de novos mutantes foi coibido através da manipulação de drogas inibidoras nos alimentos.

Logan sente que o fim está próximo. Não que ele importe-se com isso, visto que praticamente todas as pessoas que ele amou já partiram deste mundo, mas seu fator de cura regenerativo nunca mais foi o mesmo desde que ele recebeu os implantes de Adamantium no Programa Arma X. O metal, ainda que útil, está apodrecendo Logan de dentro pra fora, e sempre que ele envolve-se em uma briga e fica ferido (o que não é lá uma raridade) a morte fica mais e mais próxima.

O Wolverine que o diretor e roteirista James Mangold nos mostra em Logan, portanto, é um personagem bem diferente daquela máquina da fazer sashimi que foi vista no Imortal e nos outros longas da franquia X-Men feitos até agora. Já na abertura do filme, Logan demonstra uma dificuldade incomum para despachar um grupo de bandidos que tentam roubar as rodas da limousine que ele usa para trabalhar. Num aperitivo da violência gráfica galopante que será vista ao longo de toda a projeção, os delinquentes acabam estraçalhados, mas antes de terem seus membros e cabeças arrancados eles conseguem dar uma coça considerável no personagem. Para um cara que já saiu no braço com o Dentes-de-Sabre e com o Magneto, apanhar de ladrões de carro não é um bom sinal.

Essa abordagem de “humanizar” o herói nem sempre dá certo, mas aqui funciona muitíssimo bem. Logan tem muitas e boas cenas de ação (aquela luta noturna na fazenda é um espetáculo), mas o forte do filme é mesmo o conteúdo emocional extraído das fraquezas e defeitos do mutante. Vivendo nas sombras procurando juntar uma grana para comprar um barco e dar no pé com Xavier, Logan não dá a mínima quando uma mulher procura-o pedindo ajuda para levar ela e uma garotinha até a fronteira dos EUA com o Canadá. Nada de heroísmo gratuito para um cara que bebe dia e noite para esquecer as dores do corpo e da alma. Quando agentes do governo demonstram interesse na tal garotinha, porém, Logan aceita os conselhos de Xavier (e uma quantia generosa de dinheiro), e inicia uma longa viagem rumo ao norte do país. Assumindo, pois, o formato de um road movie na maior parte da trama, o roteiro é balizado por diálogos e situações do cotidiano que revelam um Logan cético, estressado e pessimista precisando encontrar forças tanto para realizar uma última missão quanto para cuidar de uma criança e de um velho. Após vários filmes focados na brutalidade do personagem, vê-lo esforçando-se para ter paciência com uma garota brincando com o pino da porta do carro foi algo bem diferente e divertido.

A tal garota, Laura/X-23 (Dafne Keen), revela-se uma máquina de matar tão ou mais implacável que o Wolverine de outrora. Mangold explora bem o contraste entre a inocência esperada das crianças e a capacidade destrutiva da personagem, fazendo-a decapitar seus perseguidores e fatiá-los freneticamente em cenas brutais. Felizmente, Logan redime toda a falta de violência de filmes horrorosos como X-Men Origens Wolverine, mas insisto que o grande trunfo do filme é o conteúdo emocional. Fora o fator “Hugh Jackman” (particularmente, eu nunca morri de amores pelo ator, mas é inegável que a ciência de que esta é a última vez que ele aparecerá como o mutante acrescenta uma certa melancolia ao material), há o humor inocente da X-23 roubando um óculos na loja de conveniência, as piadas e as palavras de sabedoria do Xavier esclerosado e, claro, a conclusão carregada de sacrifício e redenção.

Logan, pela classificação indicativa (para maiores de 16 anos) e pelos temas que aborda, foi feito buscando um público mais adulto, fato que devemos comemorar e agradecer a títulos como Batman – O Cavaleiro das Trevas e Deadpool por mostrarem que é possível fazer filmes de super heróis focando menos nos efeitos especiais e mais no roteiro (que bela sacada aquela metalinguagem com os gibis e as action figures). Foi bom abandonar um pouco o limbo e ir ao cinema ver um filme sobre um cara que, mesmo visivelmente decadente, encontrou forças (ainda que sintéticas rs) para fazer o que precisava ser feito. Tem sido bom usar a escrita para esquecer um pouco da dor e tirar alguns sentimentos ruins aqui de dentro. É bom ver que, aos poucos, as coisas vão voltando ao normal.

Trumbo – Lista Negra (2015)

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Trumbo - Lista NegraVocê é ou já foi comunista? Faça o teste oficial respondendo a pergunta abaixo:

  • Mamãe faz o seu lanche favorito. Sanduíche de queijo e presunto. Na escola, você vê alguém sem lanche algum. O que você faz? Divide? Diz para ele arrumar um trabalho? Oferece um empréstimo a 6%? Simplesmente o ignora?

Você divide? Ah, sua pequena comunista!

E, com esta brincadeira, Dalton Trumbo (Bryan Cranston) mostra para a filha que ela também é um pouco comunista 😀 Obviamente, trata-se de uma simplificação jocosa, mas, naquela época, em 1947, o famoso roteirista ainda não tinha motivos para tratar com mais seriedade a paranoia de seus conterrâneos contra o comunismo: a 1° emenda da constituição americana garantia a liberdade de expressão e o direito de livre associação para todos. Trumbo não imaginava, porém, que a disputa ideológica entre EUA e URSS acirraria-se nos próximos anos e obrigaria-o a negar a sua própria identidade e convicções políticas para conseguir sobreviver aos terríveis anos em que o macartismo e a Lista Negra de Hollywood assombrariam a vida de quem declarava-se “comunista” nos Estados Unidos.

Trumbo – Lista Negra, longa do diretor de comédias Jay Roach (da série Entrando Numa Fria), é um desses filmes feitos para agradar em cheio os fãs mais dedicados de cinema. Roach recria os bastidores de Hollywood para homenagear a incrível história de um homem que, apesar de ter vencido o Oscar duas vezes (Melhor Roteiro por Arenas Sangrentas e A Princesa e o Plebeu), não pode receber nenhuma das estatuetas. Motivo? Trumbo, que fora condenado por ter ligações com o movimento comunista estadunidense, só conseguia vender seus roteiros através de pseudônimos, logo ele não podia comparecer nas premiações. Não é apenas por essa deliciosa metalinguagem, no entanto, que o filme merece sua atenção: temos aqui uma produção que cumpre o importantíssimo papel de reabrir uma ferida antiga da história norte americana para que as dores provocadas por ela não sejam esquecidas e nem repetidas pelas novas gerações.

Trumbo - Lista Negra - Cena 4Talvez por saber que hoje em dia é difícil falar de comunismo para o público sem despertar uma infinidade de reações boçais, o diretor abre o filme explicando o contexto que estimulou vários americanos a aderirem à ideologia soviética na década de 40. Após a Quebra da Bolsa de NY em 1929 e o período de instabilidade econômica conhecida como “Grande Depressão” que seguiu-se, o comunismo praticado em solo russo surgiu como uma possível alternativa para o capitalismo americano que acabara de dar sinais de esgotamento. Assim sendo, Trumbo e outros tantos roteiristas, atores e diretores de Hollywood filiaram-se ao Partido Comunista Americano. Inicialmente, os direitos civis deles foram respeitados, mas o orgulho nacional recuperado com a vitória na Segunda Guerra Mundial e o início da Guerra Fria levantaram suspeitas sobre suas atividades políticas. Acusados pelo senador Joseph McCarthy de usarem os filmes para “envenenarem a mente dos americanos”, Trumbo e seus companheiros foram intimados a deporem no senado e, por recusarem-se a “cooperarem” com as investigações, acabaram presos.

Trumbo - Lista Negra - Cena 3Como o verdadeiro foco de Trumbo é abordar as consequências reais da paranoia e da histeria política, tanto esta contextualização quanto a ida do roteirista para a cadeia são mostradas rapidamente. Nos primeiros minutos da trama, o diretor nos leva até festas e gravações de filmes onde é possível perceber a crescente rejeição ao comunismo pela população e pelas pessoas envolvidas com o mundo do cinema. Trumbo é ofendido na frente da própria família por um homem descontrolado e vê a colunista Hedda Hopper (Helen Mirren) e o ator John Wayne (David James Elliott) ajudarem a criar a “Aliança de Filmes pela Preservação dos Ideais Americanos”, uma entidade que lutou pela censura e exclusão dos trabalhos dos comunistas de Hollywood.

O que era e deveria ser encarado apenas como uma divergência política, algo fundamental para o bom funcionamento da democracia, é então criminalizado e Trumbo é enviado para a cadeia. Desnecessário falar dos predicados do Bryan Cranston para quem assistiu a série Breaking Bad, mas quem acha que ele nunca dissociará-se da imagem do icônico Walter White surpreenderá-se com o quão rápido ele nos faz aceitá-lo em outro papel. A última metade do filme exige muito do ator, visto que Trumbo experimenta todo o tipo de alegrias e humilhações (reparem na sensação de impotência absoluta no rosto dele na cena da revista na prisão) que levam-no desde a descrença total até o regozijo da vitória, e Cranston não decepciona, fazendo-nos alternar constantemente entre o amor e ódio pelo personagem.

Pela relevância do tema e pela qualidade do material, considero uma verdadeira bizarrice a pouca atenção dada pela Academia ao filme. Trumbo, que definitivamente não é um veículo panfletário para nenhuma ideologia (o roteiro critica, por exemplo, tanto a hipocrisia dos defensores do capitalismo quanto a falta de praticidade dos comunistas), recria momentos importantes e emocionantes da história do cinema, como as polêmicas que envolveram as filmagens e o lançamento do Spartacus do Kubrick, faz referência a uma infinidade de produções do período (gostei demais de tudo que envolveu o John Goodman e os filmes B) e mostra o poder do exemplo de um homem que, em um momento de dificuldade, apoiou-se na família, nos amigos e no próprio talento para ajudar a derrotar a Lista Negra de Hollywood, episódio vergonhoso e inaceitável da história da indústria cinematográfica (que vergonha, John Wayne!).

Pela justa homenagem que presta ao roteirista, pela defesa que faz da liberdade de expressão e pela divertida jornada através dos bastidores de Hollywood, Trumbo merecia mais do que apenas uma indicação ao Oscar (Melhor Ator pela atuação do Cranston): ao meu ver, ele poderia tranquilamente substituir o A Grande Aposta, o Brooklyn, o Ponte dos Espiões ou o Spotlight na categoria de Melhor Filme. Foram injustos com o roteirista no passado, estão sendo injustos agora com o filme sobre ele: a Academia, pelo jeito, continua receosa com material sobre os “comedores de criancinhas”. Que vergonha!

Trumbo - Lista Negra - Cena 2

Los Angeles – Cidade Proibida (1997)

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Los Angeles - Cidade ProibidaO feio e o belo, o vil e o honesto e a mentira e a verdade confundem-se constantemente nesse Los Angeles – Cidade Proibida. A trama, uma mistura de ficção e realidade protagonizada por personagens cheios de contradições, trata de desconstruir a imagem glamourosa e onírica de uma das mais famosas cidades americanas. Baseado em um romance do escritor James Ellroy, o diretor Curtis Hanson nos dá uma boa visão de parte da podridão envolvendo corrupção, violência policial, tráfico de drogas e prostituição que residem debaixo do tapete de Los Angeles e, durante o processo, nos entretém com elementos de metalinguagem e uma clássica história de detetive.

É natal. As casas estão enfeitadas e os corações estão cheios de boas intenções, mas quem olhar um pouco mais atenciosamente perceberá a tensão que há por trás daqueles sorrisos regados a champagne. A prisão do gângster Mickey Cohen deixou vago o posto de rei do crime de Los Angeles e agora todos estão ansiosos para saber quem o sucederá e como isso será feito. Nesse cenário pré-conflito, três policiais vivem seus dilemas pessoais na noite natalina.

  • Jack Vincennes (Kevin Spacey), um homem egocêntrico e corrupto, faz um acordo com o dono de uma revista de fofocas (Danny DeVito) para que ele acompanhe-o num flagrante de uso de drogas de um famoso ator de Hollywood, de modo que ele possa estampar as manchetes policiais do dia seguinte.
  • Bud White (Russell Crowe), um sujeito conhecido tanto por sua truculência quanto por sua sensibilidade com as mulheres, realiza uma prisão por violência domiciliar e depois para em um bar para comprar bebidas para a festa que o aguarda no fim do expediente. Enquanto aguarda o atendimento, Bud presencia uma situação suspeita envolvendo um homem e uma garota com o nariz enfaixado e o episódio torna-se o início de uma longa investigação.
  • Ed Exley (Guy Pearce) é um jovem determinado que está ingressando na polícia. Para superar a sombra do pai, que foi uma referência dentro da corporação, ele está disposto a fazer o que for necessário para conquistar a confiança de seus superiores, inclusive denunciar os corriqueiros abusos e desvios de conduta de seus colegas de profissão. Quando Jack Vinceness e Bud White envolvem-se em uma briga generalizada com um bando de detentos, Exley recebe a chance de subir alguns degraus rumo ao topo da hierarquia da instituição.

Los Angeles - Cidade Proibida - CenaEm suas poucas mais de 2 horas, Los Angeles – Cidade Proibida entrelaça a história dos 3 policiais e mostra como seus destinos foram moldados por suas fraquezas de caráter e pelas forças superiores que estavam em jogo naquele período. A queda de Mickey Cohen provoca uma guerra na cidade e somente no final é possível descobrir quem de fato estava manipulando todos para chegar ao poder (o que acontece em uma daquelas reviravoltas clássicas de roteiro), mas fica bem claro que, independente de qualquer armação que fazem contra os personagens, são eles os grandes responsáveis por todas as desgraças que caem sobre suas cabeças.

Los Angeles - Cidade Proibida - Cena 3Trabalhando então com o que convencionou-se chamar de “personagens cinzas”, sujeitos que não são nem bons nem ruins, o diretor faz-lhes trilhar um longo caminho através dos cantos mais obscuros de Los Angeles antes que eles possam encontrar a redenção. A história de Vinceness é um pouco mais “rápida” e menos interessante do que a dos outros (o passado dele é pouco explorado), mas é acompanhando-o pelos bastidores dos estúdios que encontramos algumas das melhores referências ao período que ficou conhecido com a Era de Ouro de Hollywood. A prisão que o personagem efetua logo no começo, por exemplo, é uma bem elaborada recriação de um escândalo envolvendo o ator Robert Mitchum (de O Mensageiro do Diabo), que foi detido na vida real por posse de drogas.

Los Angeles - Cidade Proibida - Cena 4Bud e Exley, que no início parecem entender a lei de formas completamente distintas, acabam revelando afinidades e, ainda que não seja exatamente uma surpresa o fato de eles acabarem unindo forças, é bem legal ver caras com interesses tão diferentes trabalhando juntos. Exley é detestável, mas é inegável que ele protagoniza a melhor cena do filme (a engenhosa sequência do interrogatório) e que, quando necessário, ele sabe deixar os melindres da burocracia de lado para explodir alguns bandidos com uma poderosa espingarda. Já Bud, que nos é apresentado como um barril de dinamite ambulante, mostra um lado mais emotivo ao revelar o porque de seu protecionismo para com a as mulheres e então engata um romance com a bela Lynn Bracken (Kim Basinger), mas isso não o impede de despejar toda a sua raiva no tiroteio mortal que encerra o filme.

Los Angeles - Cidade Proibida - Cena 5Los Angeles – Cidade Proibida tem todos esses bons personagens cujas incoerências refletem aqueles problemas que os cartões postais das cidades ignoram e é bem gostoso de ser assistido pela presença constante de elementos da história de Hollywood (há um bordel na cidade cujas ‘funcionárias’ são todas sósias de atrizes famosas como a Rita Hayworth) e pela pegada de investigação policial que rende boas cenas de tiroteios e interrogação. Achei o desfecho dado ao Bud White meio improvável e fiquei um pouco impressionado com a aparente facilidade com que alguns bandidos fogem da prisão em um determinado momento, mas o saldo é positivo e, no término da sessão, é possível entender porque o filme concorreu a impressionantes 9 Oscars na cerimônia de 1998 (levou 2: Melhor Atriz Coadjuvante e Melhor Roteiro Adaptado) e porque ele aparece na respeitável 100º posição do Top 250 do IMDB.

Los Angeles - Cidade Proibida - Cena 2

A Centopéia Humana 3 (2015)

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A Centopéia Humana 3Tom Six nos deu um cientista maluco clássico que costurou três pessoas no esquema ass to mouth para criar uma aberração saída diretamente de um pesadelo lovercraftiano no A Centopéia Humana. Não satisfeito com toda a polêmica provocada, o diretor aumentou consideravelmente o tamanho de sua criatura monstruosa, fê-la ter diarréia e colocou-a sob o comando de um gordo pervertido no A Centopéia Humana 2, filme rodado com uma tenebrosa fotografia preto e branco cuja metalinguagem do roteiro e cenas de violência envolvendo crianças provaram que não haviam limites para a mente perturbada do cineasta.

Six anunciou então que transformaria sua série em uma trilogia e que o próximo filme seria o mais doentio de todos. Se, considerando o que ele fizera anteriormente, não havia nenhum motivo para duvidarmos da promessa, a divulgação da sinopse promissora envolvendo uma prisão foi o suficiente para acreditarmos que o diretor escancaria de vez as portas do inferno e produziria uma divisor de águas cinematográfico. Após A Centopéia Humana 3, pensei, falaremos de filmes polêmicos feitos “antes e depois de Tom Six”. Ainda que, de fato, o diretor esforce-se para tanto, nota-se que a criatividade dele para cenas envolvendo podridão e tortura estagnou e que o roteiro apenas repete com menos brilho o que foi feito no filme anterior.

Assim, o ator Laurence R. Harvey, que no A Centopéia Humana 2 era um cara que havia assistido o A Centopéia Humana e resolvera utilizar alguns de seus desafetos para fazer sua própria centopéia, agora é Dwight Butler, assistente do inescrupuloso diretor de prisão Bill Boss (Dieter Laser, o Dr. Heiter do primeiro filme). Eles TAMBÉM assistiram os filmes do Tom Six e, pressionados pelo governador do estado (Eric Roberts), que cobra-lhes um método para disciplinar os detentos, resolvem subjugar TODOS os prisioneiros do lugar transformando-os em… uma gigantesca centopéia humana.

A Centopéia Humana 3 - CenaTom Six, portanto, aposta novamente na metalinguagem para concluir a série. Gostei muito quando ele utilizou o primeiro filme como ponto de partida para o segundo, mas fazer isso outra vez  e justificar a opção através de uma auto crítica cínica fica enfadonho depois de um tempo. Bill Boss diz no início que os filmes do diretor “são uma merda” e acusa-o de ter fetiche por cocô, o que é divertido e bem sacado porque reflete alguns dos reviews negativos que a série recebeu, mas depois disso a repetição das auto referências vão ficando cada vez mais forçadas e sem graça. Os filmes B (gênero que engloba produções como A Centopéia Humana 3) têm, por excelência, personagens extremamente estereotipados e histórias clichês, então seria errado criticar essa sequência com base nas soluções absurdas de roteiro, mas, mesmo levando isso em consideração, não consegui engolir a ideia de transformarem todos os detentos de uma prisão em uma centopéia. Mais do que insana e/ou engraçada, dessa vez a proposta do diretor pendeu para o absurdo simplório e bobo e a falta de uma conexão mínima com a realidade sacrifica consideravelmente o “fator terror” que fez com que o A Centopéia Humana 2 transformasse-se em um clássico instantâneo do gênero.

A Centopéia Humana 3 - Cena 3A tal centopéia humana, aliás, transformou-se em coadjuvante dentro de sua própria série e só aparece mesmo nos minutos finais. O processo de “construção” do monstro, destaque absoluto dos longas anteriores, cede espaço para blasfêmias, discursos racistas e cenas de tortura física e psicológica. Bill Boss, interpretado de forma completamente caricata e exagerada pelo ator Dieter Laser, humilha todos os seus subordinados com gritos coléricos, come uma “iguaria” feita de clitóris secos extraídos de mulheres africanas, abusa sexualmente de sua secretária (a atriz pornô Bree Olson), joga água fervendo no rosto de um homem e, naquela que talvez seja a cena mais agoniante do filme, castra e come os testículos de um detento. O material, sem dúvidas, continua contra indicado para quem tem o estômago fraco, mas nem de longe isso é “mais doentio”, por exemplo, do que um personagem masturbando-se com uma lixa ou do que um sujeito introduzindo um inseto no ânus do outro. Em todos os sentidos, A Centopéia Humana 3 é menos visual do que seus antecessores e, se considerarmos que há uma atriz pornô no elenco, isso é deveras decepcionante.

A Centopéia Humana 3 - Cena 4Após o próprio Tom Six aparecer na prisão para fiscalizar o projeto de Bill Boss (e vomitar enquanto o faz, em uma boa alusão de que nem o diretor suporta o tipo de material que ele produz), a centopéia finalmente é revelada. No pátio da prisão, todos os detentos aparecem grudados uns nos outros e, mesmo que o monstro dessa vez seja gigantesco, a cena é a própria definição de anti clímax. Toda aquela nojeira anterior envolvendo pessoas nuas com a boca costurada na bunda umas das outras, defecando, vomitando e sangrando deu lugar a uma criatura limpa, inofensiva e (pasmem) uniformizada! Six apresenta-nos ainda uma interessante variação do monstro, uma “lagarta humana”, mas a ideia, apesar de boa, não é suficientemente explorada.

A Centopéia Humana 3 - Cena 2É significativo que a última cena de A Centopéia Humana 3 seja uma reprodução (acredito que intencional) do final do O Massacre da Serra Elétrica Parte 2. Tal qual o filme do Tobe Hooper, essa sequência do Tom Six não está à altura dos filmes originais e o foco no humor negro não supre a ausência das cenas polêmicas e grotescas que fizeram a fama da série. A impressão que tive é que o diretor esgotou todas as possibilidades envolvendo sua criatura no A Centopéia Humana 2 e fez esse terceiro filme apenas para aproveitar o sucesso da franquia. Espero que, conforme anunciado, a história acabe aqui e que o Six possa dedicar sua mente doentia para outros projetos.

A Centopéia Humana 3 - Cena 5

Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) (2014)

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Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)Obs.1: Texto REPLETO de **SPOILERS**

Obs.2: Boyhood é superficial? Vergonhoso seus comentários durante a transmissão do Globo de Ouro, Sr. Rubens Ewald Filho.

Obs.3: Hey, Lucian, vá se foder com esse blog e suas críticas pedantes, superficiais, esquemáticas e mongolóides.

Opa! Bem, não são todos os dias que começo uma resenha menosprezando o meu próprio trabalho. Convido-me a auto felação após entrar em estado de embasbacamento total diante do novo trabalho do diretor espanhol Alejandro González Iñárritu (Biutiful). Dentre todos os momentos de gozo cinematográfico que a obra oferece, há um que particularmente me roubou o sono na última noite, portanto começo o texto falando diretamente sobre ele, que é uma cena intermediária, para exorcizar de uma vez por todas os meus demônios criativos.

Riggan (Michael Keaton) entra em um bar após ser ovacionado pelo público na apresentação de seu espetáculo na Broadway. Sentada em um canto fazendo anotações em um bloco de papel, está uma importante crítica de teatro conhecida pelo sucesso ou infortúnio das peças estreantes. Riggan pede dois drinks para o garçom e senta-se junto a mulher visivelmente ansioso para conhecer a avaliação que ela fizera de seu trabalho. A conversa que acontece na sequência é um desastre total. Entre outras coisas, a crítica diz que o ator nunca foi uma celebridade e que ela despreza tudo aquilo que ele fez durante a carreira. Afirmando que o teatro não é para qualquer um, ela sentencia a apresentação ao fracasso e promete fazer de tudo para manter Riggan longe dos palcos.

Birdman - Cena 4Ainda que a personagem seja construída com doses cavalares de soberba e arrogância, senti um dolorido tapa na cara ao ver o desprezo que ela destina ao trabalho alheio. Não raramente, também destilo meu veneno contra produções que não me agradam e, mesmo que os meus textos não tenham o alcance e/ou influência daqueles produzidos pelos chamados “críticos profissionais”, é desagradável pensar que posso estar sendo injusto com os esforços de outrem tal qual acontece nessa cena. Rotulo os filmes com termos pejorativos como “clichê” e “superficial” mas tenho plena consciência de que muitas vezes meus textos também são ruins e pedantes. Todo caso, procuro me policiar para não me achar o dono da verdade e nem transformar o exercício da crítica (que sim, é necessário para a arte) em uma válvula de escape para as minhas frustrações. Não me encaixo no perfil de cara que transformou-se em crítico por não conseguir seguir carreira cinematográfica nem escrevo ataques pessoais, mesmo quando detono profissionais do setor, pelo motivo óbvio que eu não conheço nenhum deles. Mesmo levando tudo isso em consideração, enxerguei-me um pouco na personagem e achei necessário fazer essa auto crítica principalmente devido ao que Riggan responde para ela.

_AF_6405.CR2“Está vendo essa flor”, diz o personagem segurando uma margarida, “você consegue tocá-la e até mesmo sentir o cheiro dela. Provavelmente, você também tem um conceito para ela, mas tu nunca conseguirá SENTI-LA  de verdade”. O texto, provável desabafo de Iñárritu contra os críticos, não provoca debate dentro da trama. A crítica detona a peça, leva uma ensaboada épica e o filme segue sem a tréplica. Riggan tem um ponto de vista interessante (o realizador precisa menos do crítico do que o crítico do realizador) e o fato de estarmos acompanhando-o coloca-nos instantaneamente do lado dele. A cena funciona muitíssimo bem, mas nem por isso devemos levá-la ao pé da letra e demonizar a crítica. Assim como em todos os campos, existem bons e maus profissionais escrevendo suas impressões e nivelar a prática tendo como base personagens quase caricaturais como a antagonista de Riggan e/ou equivocados como o Rubens Ewald Filho na situação citada previamente é um erro deveras infantil. Sai demônio!, e que eu não volte a perder o sono outra vez questionando a validade do que faço com tanto amor.

Birdman - Cena 6Dito isso, resta-me apenas a completa rendição diante do talento monstruoso do diretor espanhol. Amo o trabalho do Wes Anderson e adorei O Grande Hotel Budapeste, mas acredito que, para termos de premiação, o conjunto apresentado pelo Birdman só pode ser comparado em qualidade dentre os concorrentes ao Boyhood. Se O Linklater merece todos todos os créditos por ir contra o imediatismo da indústria e produzir um projeto pessoal cheio de carinho e detalhes ao longo de 12 anos, Iñárritu deve ser reconhecido por resgatar os planos sequência de mestres como o Hitchcock em obras como Festim Diabólico e transformá-lo em um filme ambicioso que dá a impressão de ter sido rodado em uma tomada só. Contrariando a lógica do cinema blockbuster com seus cortes constantes e edição frenética, Birdman traz longas sequências de diálogos e movimentação dos personagens através dos cenários que acontecem sem cortes. Conforme os repórteres da TNT faziam questão de lembrarem o tempo todo durante a transmissão do Globo de Ouro, a técnica impressiona pela dificuldade de sua execução, já que bastava um ator errar uma frase ou posicionar-se no local errado para que toda a cena necessitasse ser reiniciada do zero. Mais do que dificuldade, porém, vejo a beleza singular do método, visto que tudo fica mais intenso, e a inventividade do diretor para fazer as poucas transposições de cena que acontecem, como aquela belíssima em que ele focaliza o céu e acelera o tempo para transformar noite em dia antes que a câmera volte a acompanhar os personagens.

Birdman - Cena 2À técnica, junta-se o incrível roteiro vencedor do Globo de Ouro de Melhor Roteiro Original, um texto repleto de metalinguagem escrito pelo próprio Iñárritu. Michael Keaton, que também levou merecidamente uma estatueta como Melhor Ator pelo papel, interpreta Riggan, mas quem conhece um pouco da carreira do ator certamente conseguirá somar 1 + 1 e perceber que ele está interpretando a si mesmo. Birdman, personagem fictício que Riggan viveu em 3 longas, nada mais é do que uma referência escancarada aos dois Batman que Keaton rodou no começo da década de 90 com o diretor Tim Burton. Na trama, Riggan luta contra o ostracismo que a sua carreira entrou após os filmes do super heróis e, para tanto, ele escreve, dirige a atua em uma peça de teatro na Broadway esperançoso de produzir algo relevante que faça seu talento ser reconhecido.

O tema da crise de meia idade é muitíssimo bem construído por Iñárritu, que criou um personagem que usa peruca e possui aversão a redes sociais como forma de mostrar o distanciamento dele com o público que ele ainda pretende cativar. Também chama a atenção a caracterização do personagem do Edward Norton, que possui uma personalidade explosiva tal qual a do próprio ator na vida real, os diversos diálogos que fazem referência ao mundo do cinema (como quando cogitam o Michael Fassbender para a peça) e as passagens com toques surrealistas que compõe as conversas de Riggan com o próprio Birdman. Ver o ator transformar-se no herói no meio de uma rua que começa a ser atacada do nada por um pássaro biomecânico gigante foi uma das coisas mais insanas e legais que eu lembro de ter assistido em um longa “sério.”

Birdman - Cena 5Birdman está repleto de grandes cenas e grandes diálogos e eu assisti a cada uma delas com a alegria de uma criança que encontra sob a árvore de natal exatamente aquilo que ela pediu para o Papai Noel. Perdi as contas de quantos “Nossa!”, “Olha essa câmera!” e “Caralho!” que eu soltei durante a projeção, mas devo dizer que, fora a cena da conversa entre ator e crítica que citei no início do texto, fiquei especialmente impressionado com a engenhosidade da sequência que o Michael Keaton caminha pela rua só de cueca até entrar no teatro e emendar uma improvisação magnífica para a cena em curso e, claro, com o final. Este, aliás, é daqueles que convidam o espectador a tirar suas próprias conclusões e, ao meu ver, o sorriso da lindinha Emma Stone é um indicativo de que Riggan também exorcizou seus demônios e fez as pazes com o seu passado após conseguir vivenciar o sucesso de público E crítica que ele tanto ambicionara. Sem mais delongas, digo-vos que Birdman é disparado um dos melhores filmes que saíram em 2014 e declaro desde já a minha torcida para que ele vire o jogo no Oscar e conquiste todos os prêmios que disputar, inclusive o de melhor filme. Nada contra os outros concorrentes, gostei da maioria dos que vi até agora, mas acontece que o Iñárritu transcendeu alguns limites com esse trabalho e me deu uma das melhores e mais completas experiência cinematográficas que eu já tive na vida. Que ele vença tudo.

Birdman - Cena

Yojimbo – O Guarda-Costas (1961)

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Yojimbo - o Guarda CostasFalar sobre o método da escrita e comentar quais ideias me motivaram a escrever e o que foi mais ou menos importante para escolher o filme criticado, atualmente, é uma das minhas abordagens favoritas na hora de produzir textos para o blog. A metalinguística, o escrever sobre o ato de escrever, permite-me avaliar e criticar minhas resenhas, como se eu estivesse escrevendo-as e lendo-as ao mesmo tempo, escolhendo, simultaneamente,  o que gosto e o que preciso eliminar nas minhas abordagens.

No caso de Yojimbo, a minha intenção inicial era fazer a ligação entre o filme e seu “remake” hollywoodiano, o Por um Punhado de Dólares do Leone/Eastwood, comentando a grandeza do trabalho do Kurosawa tendo em vista tudo aquilo que ele influenciou. É um caminho que eu costumeiramente trilho por aqui quando vou falar sobre algum clássico, mas pensar sobre ele me fez querer ir em outra direção dessa vez. Ok, influenciar um filme que é considerado um dos pilares do western norte americano é um fato digno de nota, mas não foi por isso que eu decidi assistir Yojimbo: o que, verdadeiramente, me trouxe até aqui e o que eu gostaria de comentar com vocês é o processo pessoal que hoje me permite sentar para ver um filme antigo da mesma forma que eu sento para ver um lançamento repleto de efeitos especiais. Considerando os benefícios que tiro disso, acho que vale a pena compartilhar a experiência.

 Quando escrevi sobre o Os Sete Samurais, que também é do Kurosawa, gastei algumas linhas do texto para falar sobre como conheci e reagi inicialmente ao trabalho do diretor. Estranhei, ri e critiquei o Rashomon, que é um filme preto e branco japonês de 1950. Os meus argumentos eram justamente esses: filme preto e branco japonês de 1950. Até onde a minha mente adolescente conseguia ir, a simples combinação dessas palavras/características já era suficiente para condenar uma obra. É bom lembrar disso porque, mais do que sentir vergonha de mim mesmo, consigo ver que os anos livraram-me de alguns preconceitos e ajudaram-me a encarar o cinema de forma mais madura, menos óbvia, e isso tem me ajudado a apreciar alguns clássicos não somente por tudo aquilo que eles representam historicamente, mas sim porque eles, de fato, são bons e divertidos.

Yojimbo - O Guarda-Costas - CenaQuando dei o play no Yojimbo, fiz questão de perguntar à minha esposa o que ela esperava dele que, jocosamente, eu defini como um “filme preto e branco japonês de 1961”. A resposta dela, com a qual eu tive de concordar imediatamente, foi a de que esses filmes apresentam relações e sentimentos que, muitas vezes, não nos são contemporâneos. Esse olhar para o passado, juntamente com as diferenças culturais típicas da cultura japonesa, por si só, já seriam motivos suficientes para ela dedicar um pedaço do dia para assistir um filme. Bingo, casei com a mulher certa! O filme antigo, portanto, atrai por ser um produto de um período em que as pessoas tinham preocupações e sonhos diferentes daqueles que temos atualmente. Reconheço que, quando tu começa a assistí-los frequentemente, é possível perceber que eles também encaixam-se dentro de algumas padronizações e, depois de um tempo, tornam-se tão previsíveis quanto as produções atuais, mas balancear a apreciação deles com a de filmes novos, até o momento, foi uma das formas que encontrei para continuar descobrindo coisas novas dentro do mundo por vezes formulaico do cinema.

Yojimbo - O Guarda-Costas - Cena 2Yojimbo influenciou Por um Punhado de Dólares (experimentem ler o texto e compará-lo com a sinopse abaixo) mas, como não posso (ou quero) rastrear a origem da idéia, vamos deixar esses enigmas do tipo “ovo-galinha” de lado e concentrarmo-nos naquilo que ele traz de melhor, que é diversão que os elementos que nos parecem exóticos e o roteiro engenhoso são capazes de oferecer. No século XIX, os samurais, outrora defensores da realeza, viram seu estilo de vida cair em desuso e passaram a vagar procurando por alguém que estivesse disposto a pagar por seus serviços. Sanjuro (Toshirô Mifune), um desses guerreiros, chega com sua espada em uma cidade que vive ameaçada por duas gangues. Após matar rapidamente 3 sujeitos que o provocam e desrespeitam, o samurai recebe e recusa propostas para servir dos dois lados. Mais do que associar-se a uma das famílias que oprimem os trabalhadores da cidade, ele deseja acabar com todos os degenerados do local e, claro, lucrar em cima disso.

Yojimbo - O Guarda-Costas - Cena 3Temos aqui, deste modo, o roteiro tradicional do filme de western em que um estrangeiro desconhecido chega em uma cidade corrompida para resolver seus problemas. Vê-se também o confronto entre o conservadorismo e o progresso, em que os novos tempos (o liberalismo, o capitalismo, as gangues) são apresentadas como uma forma de vida degenerada quando comparados com o modelo anterior, o tempo dos samurais, tempo da honra e do respeito. Logo no começo da trama, por exemplo, Sanjuro presencia uma briga entre pai e filho em que o garoto diz que prefere morrer vivendo uma vida de aventuras do que sobreviver através dos anos comendo mingau de arroz. No final, após espalhar sangue por toda a cidade, Sanjuro deixa claro para o garoto o quão errado ele estava. Tradicionalista, a mensagem de Kurosawa caiu como uma luva para aquele é o mais americano dos gêneros cinematográficos.

Yojimbo, até mesmo pela proposta de seu personagem principal de não entrar em conflito direto com seus inimigos, é um filme mais cadenciado, que privilegia mais os diálogos do que as cenas de ação. É engraçado ver como Sanjuro utiliza sua inteligência para colocar as gangues para lutar entre si, poupando-lhe o trabalho de matar um por um. No entanto, quando a estratégia é descoberta e o combate torna-se inevitável, Kurosawa não decepciona e nos dá uma boa dose de pancadaria samurai. Eu, que assisti esse filme com o ótimo Os Sete Samurais em mente (talvez o maior de todos os longas do estilo já feitos), fiquei satisfeitíssimo com o que vi, principalmente quando ele enfrenta os “6 da cabana”, cena brutal e sanguinolenta que, filmada por Kurosawa, consegue expressar uma forma estranha e sutil de beleza.

Yojimbo - O Guarda-Costas - Cena 4Tudo o que vi e gostei certamente não teria o mesmo efeito se eu o fizesse através do prisma “filme japonês preto e branco de 1961”. Yojimbo, mais do que um clássico que qualquer fã, estudioso ou interessado por cinema deve conhecer e respeitar, é um filme divertido, com piadas atemporais (a covardia das duas gangues, que fazem de tudo para não brigarem, é impagável), humor negro (reparem naquele cachorro que anda tranquilo carregando uma mão no início), cenas muitíssimo bem coreografadas (observem a qualidade da movimentação dos atores antes dos duelos e as escolhas pontuais de ângulos que o Kurosawa faz), ótimas sequências de ação e uma atuação memorável do monstro Toshirô Mifune, ou seja, tudo que um filme precisa ter, seja ele novo ou antigo. Sinto-me feliz por, hoje, poder assistir uma obra dessas tal qual deve ser, sem preconceitos com a imagem e o som e tirando proveito do distanciamento temporal que, mais do que deixar os filmes “estranhos”, os tornam interessantes e prazerosos justamente por suas linguagens e valores que são diferentes daquilo que temos nas produções atuais.

Yojimbo - O Guarda-Costas - Cena 5

Crepúsculo dos Deuses (1950)

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Crepúsculo dos DeusesPor mais que eu tenha demorado para admitir, confesso-vos que esse blog transformou-se em um fardo. Não que eu tenha cansado de assistir filmes ou esgotado a minha necessidade de falar sobre eles. O problema, que, aliás, já data de um bom tempo, reside no momento de transformar minha opinião em texto. O que começou despretensiosamente, com comentários rápidos, simples e diretos, evoluiu para resenhas longas e pessoais onde, cada vez mais, o filme foi ficando em segundo plano, transformando-se muitas vezes em mero coadjuvante para minhas experiências pessoais.

Sinceramente? Por mais repetitivos, chatos ou “viajados” que os meus textos sejam atualmente, prefiro-os àqueles trabalhos rápidos e acessíveis que podem ser encontrados no início desse projeto. O amadurecimento e as várias leituras realizadas nesse período, direcionadas ou não para a área cinematográfica, me ajudaram a escrever melhor (acredito) e me trouxeram uma preocupação com a forma de que eu me orgulho. O fato é que essa preocupação, excelente por um lado, converteu-se em em um processo desgastante de composição, no qual anteriormente eu gastava cerca de 30-40 minutos e que hoje dificilmente consigo investir menos de 3-4 horas.

O último texto postado, por exemplo, foi parido após longos cinco dias durante os quais, em mais de uma oportunidade, eu sentei para escrever e abandonei a tarefa simplesmente por não conseguir pensar em NADA para digitar. Adorei O Grande Lebowski, mas detestei escrever sobre ele, o que, aliás, pode ser facilmente percebido na maneira ríspida que o texto termina. Algo precisava ser feito, afinal de contas o que nasceu com o propósito de ser uma forma de lazer não poderia transformar-se em uma obrigação. Após pensar bastante, reler textos antigos e conversar a respeito com pessoas próximas, concluí que o principal problema é a falta de foco e de preparo. Na maioria das vezes, eu assistia o filme, lia sobre ele, sentava na frente do notebook e, enquanto ouvia música e conversava com amigos na internet, começava a escrever agarrando-me na primeira idéia que aparecesse e ia desenvolvendo o texto até chegar o fim mas sem saber onde seria esse fim. Essa espécie de fluxo de consciência de araque funcionou muitíssimo bem algumas vezes e até conferiu um certo despojamento interessante para vários textos, mas não há dúvidas de que esse processo também contribuiu para o aumento da dor do parto. Não é todo o dia que a gente sente-se bem para simplesmente sentar e escrever sobre qualquer coisa e as várias vezes que tentei e não consegui me chatearam bastante. Resultado dessa autocrítica, organizei em tópicos os pontos que eu desejava abordar nesse texto e apresento-lhes a resenha do clássico Crepúsculo dos Deuses como o primeiro passo para retomar o prazer da escrita que me incentivou a criar esse blog.

Crepúsculo dos Deuses - Cena 2

Dirigido e escrito pelo vencedor do Oscar Billy Wilder (A Montanha dos Sete Abutres, O Pecado Mora ao Lado), o longa conta a história de um jovem escritor que tenta a sorte como roteirista em Hollywood. Sem conseguir vender nenhum de seus roteiros e cheio de dívidas, Joe Gillis (William Holden) é perseguido pela polícia e foge para salvar da apreensão seu único bem, um carro conversível. Durante a fuga, o escritor esconde-se em uma velha mansão e descobre que a mesma, ao contrário do que ele imaginava, não estava abandonada: naquele decrépito e assustador casarão vivia Norma Desmond (Gloria Swanson), estrela cinematográfica cultuada durante a era dos filmes mudos. Norma, que deseja mais do que tudo voltar ao estrelato, contrata Gillis para dar forma a um roteiro que ela mesma havia escrito visando o tão esperando retorno. Pouco a pouco, a necessidade de dinheiro de um e o desejo de reconhecimento e veneração do outro transforma-se em um romance de final anunciado: Gillis, logo na primeira cena, é visto boiando, alvejado por três tiros, na piscina da mansão. Crepúsculo dos Deuses, todo ele, é o flashback que nos mostra como isso aconteceu.

Crepúsculo dos Deuses - Cena 6

Assim como fiz nos três primeiros parágrafos, Billy Wilder construiu o argumento desse filme utilizando majoritariamente a metalinguagem, o discurso que fala sobre si mesmo, no caso, o cinematográfico. Crepúsculo dos Deuses é um desses filmes sobre filmes, um longa que tem na encenação dos bastidores de Hollywood um de seus principais atrativos. Tal qual o Robert Altman faria anos mais tarde no ótimo O Jogador, Wilder mostra uma autocrítica destruidora  ao construir um cenário cínico e decadente onde produtores, chefes de estúdio, roteiristas e até mesmo diretores parecem preocupar-se mais com o retorno de seus investimentos financeiros do que com a qualidade de seus trabalhos. Ao usar o cinema para discutir o cinema, tal qual procurei fazer usando esse texto para discutir minhas próprias resenhas, o diretor contribuiu para as discussões e críticas que na década seguinte transformariam profundamente a forma de se fazer cinema nos Estados Unidos.

Crepúsculo dos Deuses - Cena 4

Norma Desmond e Joe Gillis representam duas idéias ultrapassadas. Ela, a nostalgia, o apego ao passado de glórias e de glamour e, de certa forma, a prepotência dos atores do cinema mudo frente a geração que os sucedeu. Em uma dos melhores diálogos do filme, Norma diz: “Eu sou grande, os filmes é que ficaram menores”. Ele, a superficialidade consciente, a arte que submete-se ao mercado, o talento que é domado pela força do capital. Não é a toa que, durante a trama, Gillis converta-se em um típico gigolô, vendendo seu corpo e seu talento para Norma, transformando-se, no entanto, em uma pessoa cínica e triste devido a consciência de sua situação medíocre. Gillis e Norma, a superficialidade e a nostalgia, segundo Wilder, não são a resposta para o futuro do cinema. Eles destroem-se mutuamente.

Crepúsculo dos Deuses - Cena 5

Começar o filme pelo final (ou pelo menos por uma cena próxima a ele), recurso que ainda hoje é bastante utilizado (sem pensar muito, Missão Impossível III e Beleza Americana), é uma ótima ferramenta narrativa, pois instiga o espectador a querer saber o que levou os personagens até aquele ponto. Crepúsculo dos Deuses faz uso exemplar de tal técnica e ainda traz vários atrativos, como a atuação excelente e assustadoramente triste, autopiedosa e, por isso mesmo, deplorável da Gloria Swanson, a trilha sonora acidental que lembra trabalhos de filmes de terror (venceu o Oscar) e, principalmente, a narrativa em off, feita pelo próprio Gillis, que leva o espectador até o momento de sua morte inevitável. O final, é claro, uma quebra da regra de que a ilusão ficcional não pode ser desfeita, aquela fala ensandecida de Norma feita para a câmera de Wilder, não pode ser esquecido.

Crepúsculo dos Deuses - Cena

Comecei a escrever esse texto as 20hrs58min. Agora, são exatamente 23hrs16min. Continha básica, gastei até aqui 2hrs18min para fazer uma resenha que, até o momento, possui 1100 palavras. Considerando que a reflexão dos três primeiros parágrafos não existiria em uma situação corriqueira, acredito que eu teria levado, no máximo, 1hr30min – 2hrs para concluir o trabalho, corte significativo de 50% do tempo que vinha sendo gasto. Tudo isso graças a essa organização aqui:

  • Falar dos problemas do blog e da necessidade de estruturar a construção das idéias
  • Apresentar o filme
  • Comentar a metalinguagem e associá-la com o assunto tratado no primeiro parágrafo
  • Falar sobre o que Desmond/Gillis representam dentro da trama (nostalgia, superficialidade)
  • Elogiar pontos positivos (trilha sonora, atuação Gloria Swanson, narrativa em off)
  • Apresentar os resultados do processo de auto crítica

Adorei escrever o texto e estou satisfeito com o resultado. Ao contrário do que anteriormente eu pensava, organizar o que eu desejo falar sobre o filme não matou a naturalidade do processo, muito pelo contrário. Feliz, encerro esta resenha e inicio uma nova fase do Já viu Esse?. 🙂

Crepúsculo dos Deuses - Cena 7

O Grande Gatsby (2013)

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O Grande GatsbyO Grande Gatsby, o livro do escritor americano F. Scott Fitzgerald, é considerado (segundo o Wikipédia, em uma citação que carece de fontes – HA!) o segundo melhor romance escrito no século XX. Não li o livro, mas pesquisei e vi que adaptações para a tela o IMDB contabiliza cinco, número que, juntamente com esse status que a obra carrega e o trailer multi-colorido que pode ser visto nos últimos meses, me fizeram entrar na sala do cinema com uma pergunta na cabeça: Quem é Gatsby? O que, afinal de contas, ele fez para ser considerado “grande” por Fitzgerald e para despertar o interesse dos cineastas e críticos literários que ajudaram a imortalizar o livro?

Gatsby (Leonardo DiCaprio) é o milionário herdeiro de um Kaiser alemão, Gatsby é um assassino, Gatsby é um herói de guerra, um gangster e um louco. Gatsby é uma sombra, um homem que ninguém nunca viu mas do qual todos já ouviram falar, uma lenda viva que possuía endereço fixo e rosto desconhecido na cidade de Manhattan no período de prosperidade econômica que marcou os primeiros anos após a Primeira Guerra Mundial. Muitos foram aqueles que frequentaram as festas pomposas por ele oferecidas, verdadeiras orgias urbanas regadas a drogas, champagne e charleston, mas poucos foram os que, de fato, conheceram o homem que escondia-se atrás da lenda. Nick Carraway (Tobey Maguire) mudou-se para uma modesta casa ao lado da mansão do milionário e, sem entender o porque, foi formalmente convidado para uma dessas festas. Anos depois, em uma conversa com um psicólogo, ele conta como conheceu Gatsby e, ao escrever as experiências que viveu a seu lado, revela que aquele homem misterioso era, sobretudo, uma pessoa insegura e apaixonada.

O Grande Gatsby - Cena

Não comento o livro, porque não o li, mas assistindo o filme do diretor Baz Luhrmann fiquei com a impressão de que, ao contrário do que o trailer vende, o que realmente importa em O Grande Gatsby não é quem o personagem é, mas sim os motivos que o levaram a sê-lo. Contando do início, não passam-se muitos minutos até que os boatos sobre Gatsby convertam-se na imagem de um sorridente e seguro Leonardo DiCaprio no meio da multidão convidando Carraway para conversar e conhecer sua mansão. Conversa vai, conversa vem, o desejo é revelado, o pedido é feito e as névoas do mistério que circulavam o personagem dissipam-se, revelando então um homem comum que compreensivelmente anseia o amor e admiração da mulher amada (Carey Mulligan). Na sequência, vemos também o exagero, o medo e a preocupação excessiva em agradar que Gatsby demonstra na cena onde, após uma preparação meticulosa, finalmente encontra Daisy para conversar. Ela, além de estar casada com um homem infiel, também parece gostar dele. O que, então, justificaria todo o receio e desconfiança do personagem com relação ao futuro daquela tão sonhada relação?

O Grande Gatsby - Cena 2

Em alguns textos que li sobre os escritos do Fitzgerald, comentam que a trama é uma elaborada metáfora para a formação dos EUA enquanto nação, uma crítica a busca inglória pelo “sonho americano” que norteou a vida de muitos dos cidadãos daquele país. É uma leitura possível, assim como também consigo ver um paralelo entre o dilema de Gatsby e a jornada fantasiosa do D. Quixote na obra máxima do Cervantes (ambos perseguem alvos que, de certa forma, existem somente dentro de suas próprias mentes), mas essa intelectualidade e a análise literária acabam ficando em segundo plano diante do conteúdo extremamente emocional composto pelas imagens e músicas capturadas e escolhidas por Luhrmann.

O Grande Gatsby - Cena 3

Todo o poder de compra de Gatsby exibido em suas festas luxuosas, cujos detalhes, beleza e exageros são explorados com maestria pelo diretor, transforma-se em desespero quando percebemos que não há dinheiro no mundo capaz de garantir ao personagem a paz e a segurança que ele tanto batalhou para conquistar. Optando por filmar em 3D para maximizar o impacto visual e completando as cenas grandiosas com músicas densas de letras que falam de amor de uma forma desesperada e triste (essa aqui é de morrer), Luhrmann fornece ao espectador parte da experiência vivenciada interna e externamente por Gatsby, cuja personalidade insegura vai sendo trabalhada aos poucos até culminar em uma explosão emocional, resultado de um diálogo significativo e revelador na metade final da trama, que me chocou pela frustração transmitida.

Exemplo das limitações do chamado self-made man e vítima de uma obsessão, Gatsby acaba pagando um preço alto demais pelo reconhecimento e poder que ele tanto almejou, tendo a sua grandeza transformado-se no motivo de sua própria queda. Adorei o visual arrebatador, a edição caprichada que valoriza a metalinguagem da narrativa, a atuação do DiCaprio e a trilha sonora de excelentíssimo bom gosto e recomendo que, caso ainda seja possível (a resenha está deveras atrasada), vocês assistam O Grande Gatsby no cinema. Acreditem, a história é relevante e bacana e o visual é espetacular.

O Grande Gatsby - Cena 4

Argo (2012)

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Argo“Ben Affleck é melhor como diretor do que como ator”. Livro-me logo do clichê (verdadeiro, diga-se de passagem) para concentrar-me nesse excelente filme que venceu ontem (13/01) o Globo de Ouro na categoria Melhor Filme – Drama.

Com uma animação construída através do uso de story boards, Ben Affleck começa Argo recapitulando parte da história recente do Irã. Resumidamente, em 1979 o Aiatolá Khomeini tomou o poder apoiado por uma revolução popular e obrigou o xá Mohammad Pahlavi, o ditador que governava o país até então, a buscar exílio nos EUA. Desejosos de enforcarem julgarem Pahlavi por seus crimes políticos, os revolucionários cercam a embaixada americana no Irã e exigem que o criminoso lhes seja devolvido. Como os norte-americanos recusam-se a expatriar o xá, os membros da embaixada são feitos reféns. No meio do caos da invasão, 6 americanos conseguem escapar e esconderem-se na embaixada canadense. E agora, quem poderá protegê-los?

Calma, não criemos pânico, o Ben Affleck está aqui tanto para simplificar ao máximo essa crise diplomática para o espectador quanto para, interpretando o ex-agente da CIA Tony Mendez, encontrar uma forma segura de tirar esses 6 infelizes do solo iraniano. Didático, o diretor liga nomes a rostos e não enche a trama com detalhes políticos desnecessários para a sua compreensão (aprendeu, Sra. Bigelow?). Pragmático, Mendez argumenta contra propostas absurdas de operações de resgate sugeridas por membros do governo (entre elas, retirar os reféns do país usando bicicletas rs) para, em seguida, sugerir algo mais absurdo ainda: ele viajaria até o Irã como um produtor de cinema para rodar um filme de ficção científica e os 6 reféns passariam-se por membros de sua equipe, retornando com ele para os EUA assim que as filmagens terminassem.

O ensaio de uma mentira: Mendez combina com os reféns os detalhes de um filme que não será rodado

O ensaio de uma mentira: Mendez combina com os reféns os detalhes de um filme que não será rodado

Argo (que também é o nome do filme de ficção científica falso proposto por Mendez) por mais incrível que pareça, é baseado em fatos reais. Diante da crise diplomática aparentemente sem solução entre EUA e Irã no final da década de 70, um agente da CIA buscou ajuda junto a um profissional de Hollywood (no caso, o maquiador John Chambers, a mente por trás do trabalho fantástico realizado no O Planeta dos Macacos) e, manipulando a mídia a seu favor, divulgou que estava viajando para o Oriente Médio para procurar locações para rodar seu longa.

Apoiando-se na metalinguagem e em uma boa seleção de músicas do período (Dire Straits, Aerosmith e Led Zeppelin podem ser ouvidos durante a projeção), Ben Affleck criou um filme tenso e divertido de assistir. O plano de fuga não é considerado absurdo somente por quem está assistindo, praticamente todos os personagens do filme temem pelo destino da operação e isso cria ótimas cenas de perigo como o primeiro dia de filmagem no mercado e toda a sequência final com os apuros no aeroporto. Particularmente, gostei de ver o trabalho dos controladores de vôo iranianos e, com algum conhecimento de causa, afirmo que a reconstituição ali beirou a perfeição.

Goodman, Arkin e Affleck

Goodman, Arkin e Affleck

Quando mostram os bastidores hollywoodianos, diretor e roteiristas demonstram conhecimento e carinho pela indústria cinemaográfica e dão ao espectador a chance de sentir-se recompensado por conhecer os temas tratados. A piada com o Rock Hudson não fará sentido para quem não souber sobre os escândalos envolvendo a homossexulidade do ator. A leitura do roteiro fictício de Argo esconde uma divertida crítica ao gênero e a mídia do período (reparem nos jornalistas caricatos). A discussão entre Lester Siegel (Alan Arkin, indicado ao Oscar pela interpretação) e o dono de uma produtora também é empolgante, um daqueles duelos de arrogância e egos inflados corriqueiros no ramo que aqui é coroado por uma referência ao lendário Warren Beatty.

Simplifica o aspecto político do roteiro em nome de uma narrativa fluída e preenche a tela com cultura pop e detalhes para os fãs de cinema mais exigentes, eis o trabalho que rendeu ao Ben Affleck o Globo de Ouro de Melhor Diretor e corou o filme com a premiação mais importante da noite, deixando para trás filmes como Django Livre, Lincoln (ainda não vi esses), As Aventuras de Pi e A Hora Mais Escura. No final das contas, não importa se ele é melhor ou pior do que os concorrentes, mas sim que trata-se de um excelente trabalho que mostra mais uma vez que o Ben Affleck é melhor diretor do que ator. Ops, não deu para evitar.

Argo - Cena 3

Continua aí 🙂

Essa Pequena é Uma Parada (1972)

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Essa Pequena é Uma ParadaEsse é um filme do Peter Bogdanovich, diretor que eu conheci lendo o Como a Geração Sexo, Drogas e Rock’n”Roll Salvou Hollywood e que eu apresentei para os leitores do blog na resenha do Na Mira da Morte. Amante e especialista na Era de Ouro de Hollywood, Bogdanovich tem um estilo “clássico” de filmar e de dirigir os atores que muito me agrada. Acusaram-no várias vezes (assim como acusam o Tarantino) de copiar filmes antigos e emular o estilo de seus diretores, mas eu ainda prefiro entendê-lo (e é isso que eu sinto quando assisto seus trabalhos) como uma apaixonado por cinema que utiliza prazerosamente a metalinguagem seu favor. Criando em cima de outras obras, Bogdanovich atingiu resultados interessantíssimos em Lua de Papel e A Última Sessão de Cinema assim como o fez nesse Essa Pequena é Uma Parada, filme que ele chamou de “o meu Howard Hawks” pela homenagem e proximidade artística do filme com o clássico Levada da Breca dirigido por Hawks em 1938.

Terceira maior bilheteria americana de 1972 (a maior foi a do O Poderoso Chefão), Essa Pequena é Uma Parada é uma dessas comédias situacionais que eu associo imediatamente a monstros do humor como o Roberto Benigni. As confusões do barulho aqui estão todas centradas em uma mala, ou melhor, em 4 valises exatamente iguais. Uma delas contém roupas e objetos pessoais, a outra pedras de valor arqueológico, uma terceira está lotada de joias e a última guarda documentos secretos do governo. Em uma daquelas coincidências maravilhosas que só a ficção nos oferece, as 4 malas e seus donos (e também os interessados em furtá-las) vão parar todos em um mesmo hotel que está recebendo uma Convenção de Músicos. Howard Bennister (Ryan O’Neal), o dono da mala cheia de roupas, é um dos concorrentes na convenção ao prêmio de 20 mil dólares. Tímido e um tanto quanto paranóico, o músico vê suas chances ao prêmio diminuirem e aumentarem ao mesmo tempo devido a intervenção de Judy Maxwell (Barbra Streisand), uma pequena diabinha loira de olhos azuis que surge do nada e passa a atormentá-lo. Enquanto Howard tenta livrar-se de Judy, os outros personagens envolvem-se em todo o tipo de  mal entendidos, constrangimentos e confusões possíveis na tentativa de roubarem as malas uns dos outros.

Essa Pequena é Uma Parada - Cena

Conheci o trabalho do Hawks esses dias quando assisti o Os Homens Preferem as Loiras e algo que me chamou a atenção nele foi justamente a forma simples e agradável utilizada para rodar o filme. Câmeras fixas, piadas leves e closes que valorizam as expressões faciais dos atores são elementos que ajudam o trabalho do Hawks a fluir fácil e que o Bogdanovich, ao comparar seu filme ao do veterano, utilizou para criar as muitas situações cômicas de Essa Pequena é Uma Parada. A cena acima, por exemplo, é um diálogo relativamente banal onde Howard tenta explicar para seu anfitrião que Judy não é quem ele imagina ser. A mesma imagem que captura o embaraço de Howard é aquela que mostra o prazer de Judy por colocar o “amigo” em apuros. Ele gagueja e tropeça nas palavras até que ela chama-o para uma conversa debaixo da mesa, a qual juntam-se todos os outros convidados. Uma simples troca de câmera produz o efeito humorístico quando vemos, ao longe, todos os personagens sentados em suas cadeiras com a cabeça debaixo do pano.

Quando opta por utilizar seu conhecimento sobre cinema para fazer cinema, Bogdnovich revisita lugares comuns, como a perseguição envolvendo todos os personagens que atencede a última cena do filme. O resultado agrada pela familiaridade que o público possui com tais cenas mas também pelo cuidado que ele tem ao reconstruí-las e pelos elementos que ele introduz ali, como a indiferença do pessoal da escada e do vidro que trabalham alheios ao desespero dos personagens, o dragão chinês e o final improvável em que todos os carros (e a bicicleta de Howard e Judy) encontram ao saltar do píer. Os esteriótipos também funcionam muitíssimo bem quando usados na construção dos personagens, como a mulher EXTREMAMENTE irritante de Howard e o rival do mesmo no concurso, um professor de música pedante que acaba desmascarado na frente de todos. Bogdanovich nunca quis reiventar a roda, tudo que eu li sobre ele no livro citado no início dá a entender que seu grande desejo era fazer parte daquele mundo de diretores e atores que ele admirava desde pequeno quando frequentava as salas de cinema de sua cidade. Essa Pequena é Uma Parada é exatamente isso, uma comédia feita por alguém que conhecia várias comédias e, por gostar do que viu, quis fazer algo semelhante. Como a fonte onde ele bebeu é boa, o resultado agrada e garante uma boa sessão para um sábado a tarde.

O'Neal e Sreisand, a loira feia mais bonita do cinema

O’Neal e Streisand, a loira feia mais bonita do cinema