Tom Six nos deu um cientista maluco clássico que costurou três pessoas no esquema ass to mouth para criar uma aberração saída diretamente de um pesadelo lovercraftiano no A Centopéia Humana. Não satisfeito com toda a polêmica provocada, o diretor aumentou consideravelmente o tamanho de sua criatura monstruosa, fê-la ter diarréia e colocou-a sob o comando de um gordo pervertido no A Centopéia Humana 2, filme rodado com uma tenebrosa fotografia preto e branco cuja metalinguagem do roteiro e cenas de violência envolvendo crianças provaram que não haviam limites para a mente perturbada do cineasta.
Six anunciou então que transformaria sua série em uma trilogia e que o próximo filme seria o mais doentio de todos. Se, considerando o que ele fizera anteriormente, não havia nenhum motivo para duvidarmos da promessa, a divulgação da sinopse promissora envolvendo uma prisão foi o suficiente para acreditarmos que o diretor escancaria de vez as portas do inferno e produziria uma divisor de águas cinematográfico. Após A Centopéia Humana 3, pensei, falaremos de filmes polêmicos feitos “antes e depois de Tom Six”. Ainda que, de fato, o diretor esforce-se para tanto, nota-se que a criatividade dele para cenas envolvendo podridão e tortura estagnou e que o roteiro apenas repete com menos brilho o que foi feito no filme anterior.
Assim, o ator Laurence R. Harvey, que no A Centopéia Humana 2 era um cara que havia assistido o A Centopéia Humana e resolvera utilizar alguns de seus desafetos para fazer sua própria centopéia, agora é Dwight Butler, assistente do inescrupuloso diretor de prisão Bill Boss (Dieter Laser, o Dr. Heiter do primeiro filme). Eles TAMBÉM assistiram os filmes do Tom Six e, pressionados pelo governador do estado (Eric Roberts), que cobra-lhes um método para disciplinar os detentos, resolvem subjugar TODOS os prisioneiros do lugar transformando-os em… uma gigantesca centopéia humana.
Tom Six, portanto, aposta novamente na metalinguagem para concluir a série. Gostei muito quando ele utilizou o primeiro filme como ponto de partida para o segundo, mas fazer isso outra vez e justificar a opção através de uma auto crítica cínica fica enfadonho depois de um tempo. Bill Boss diz no início que os filmes do diretor “são uma merda” e acusa-o de ter fetiche por cocô, o que é divertido e bem sacado porque reflete alguns dos reviews negativos que a série recebeu, mas depois disso a repetição das auto referências vão ficando cada vez mais forçadas e sem graça. Os filmes B (gênero que engloba produções como A Centopéia Humana 3) têm, por excelência, personagens extremamente estereotipados e histórias clichês, então seria errado criticar essa sequência com base nas soluções absurdas de roteiro, mas, mesmo levando isso em consideração, não consegui engolir a ideia de transformarem todos os detentos de uma prisão em uma centopéia. Mais do que insana e/ou engraçada, dessa vez a proposta do diretor pendeu para o absurdo simplório e bobo e a falta de uma conexão mínima com a realidade sacrifica consideravelmente o “fator terror” que fez com que o A Centopéia Humana 2 transformasse-se em um clássico instantâneo do gênero.
A tal centopéia humana, aliás, transformou-se em coadjuvante dentro de sua própria série e só aparece mesmo nos minutos finais. O processo de “construção” do monstro, destaque absoluto dos longas anteriores, cede espaço para blasfêmias, discursos racistas e cenas de tortura física e psicológica. Bill Boss, interpretado de forma completamente caricata e exagerada pelo ator Dieter Laser, humilha todos os seus subordinados com gritos coléricos, come uma “iguaria” feita de clitóris secos extraídos de mulheres africanas, abusa sexualmente de sua secretária (a atriz pornô Bree Olson), joga água fervendo no rosto de um homem e, naquela que talvez seja a cena mais agoniante do filme, castra e come os testículos de um detento. O material, sem dúvidas, continua contra indicado para quem tem o estômago fraco, mas nem de longe isso é “mais doentio”, por exemplo, do que um personagem masturbando-se com uma lixa ou do que um sujeito introduzindo um inseto no ânus do outro. Em todos os sentidos, A Centopéia Humana 3 é menos visual do que seus antecessores e, se considerarmos que há uma atriz pornô no elenco, isso é deveras decepcionante.
Após o próprio Tom Six aparecer na prisão para fiscalizar o projeto de Bill Boss (e vomitar enquanto o faz, em uma boa alusão de que nem o diretor suporta o tipo de material que ele produz), a centopéia finalmente é revelada. No pátio da prisão, todos os detentos aparecem grudados uns nos outros e, mesmo que o monstro dessa vez seja gigantesco, a cena é a própria definição de anti clímax. Toda aquela nojeira anterior envolvendo pessoas nuas com a boca costurada na bunda umas das outras, defecando, vomitando e sangrando deu lugar a uma criatura limpa, inofensiva e (pasmem) uniformizada! Six apresenta-nos ainda uma interessante variação do monstro, uma “lagarta humana”, mas a ideia, apesar de boa, não é suficientemente explorada.
É significativo que a última cena de A Centopéia Humana 3 seja uma reprodução (acredito que intencional) do final do O Massacre da Serra Elétrica Parte 2. Tal qual o filme do Tobe Hooper, essa sequência do Tom Six não está à altura dos filmes originais e o foco no humor negro não supre a ausência das cenas polêmicas e grotescas que fizeram a fama da série. A impressão que tive é que o diretor esgotou todas as possibilidades envolvendo sua criatura no A Centopéia Humana 2 e fez esse terceiro filme apenas para aproveitar o sucesso da franquia. Espero que, conforme anunciado, a história acabe aqui e que o Six possa dedicar sua mente doentia para outros projetos.