Perversa Paixão (1971)

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Perversa PaixãoLivros abrem portas e minha mente curiosa tem passeado por várias delas. Já citei aqui que estou lendo o Sexta-Feira 13: Arquivos de Crystal Lake do David Grove, obra completíssima sobre o primeiro longa da vasta filmografia do serial killer Jason Voorhees. Em um capítulo que trata da construção dos personagens, Grove diz que o diretor Sean S. Cunningham pode ter baseado o visual e a personalidade da mãe de Jason, Pamela Voorhees, em Evelyn, mulher insana que persegue o astro Clint Eastwood no filme Perversa Paixão. Li, fiquei interessado, procurei o filme e cá estou, nesse belo domingo de manhã, desenterrando mais uma pérola do passado hollywoodiano pra vocês.

Dave (Eastwood) trabalha como radialista no turno da madruga da KRML, uma rádio de jazz de uma cidadezinha costeira qualquer dos Estados Unidos. Diariamente, ele atende a ligação de uma ouvinte, que lhe pede “Toque Misty para mim” (Misty, no caso, é uma canção deveras melancólica que tu pode ouvir clicando aqui).  Um dia, quando estava em um bar tomando um trago, Dave finalmente conhece sua fã: Evelyn (Jessica Walter) é uma mulher de meia idade bastante atraente graças ao seu cabelo curto e sorriso largo. Movimento natural, eles conversam, bebem juntos e terminam a noite nos braços um do outro. Todos ganham, todos ficam felizes.

Acontece que Dave é o que algumas pessoas chamam de “solteiro profissional”. Confortável em seu papel de homem solitário, no dia seguinte ao encontro ele já pode ser visto em sua casa completamente mergulhado em seus projetos profissionais. Um amigo chega no local e tenta convencer-lhe a sair à noite num encontro de casais (ele e namorada, Dave e uma nova moça que lhe seria apresentada), e é aí que Evelyn entra pela porta da cozinha e surpreende a todos. Carregando um monte de sacolas com coisas para fazer o almoço, ela não avisou que iria. Dave não estava esperando por ela. Daí em diante, a personalidade doentia e obsessiva da personagem vai tornando-se cada vez mais clara e Dave começa a ter uma série de problemas devido a isso, chegando a ter a sua própria vida colocada em risco.

Perversa Paixão - Cena 1

Perversa Paixão, além de ser um ótimo suspense estilo Hitchcock (personagem feminina forte, tensão crescente), é um filme importante porque marca a estreia do Clint Eastwood na direção. Em 1971, Eastwood já tinha uma carreira consolidada graças a sua trilogia de spaghetti western com o Sergio Leone e estava prestes a encarnar um de seus personagens mais icônicos, o justiceiro Dirty Harry da série que começa com Perseguição Implacável, mas ele ainda não havia estado atrás das câmeras, lugar que futuramente lhe renderia 4 Oscars (Melhor Diretor e Melhor Filme por Os Imperdoáveis e Menina de Ouro). Excluindo uma cena de sexo completamente desnecessária e cafona que ocorre lá pela 1h10min do filme (Dave e uma namoradinha transam no meio do mato, com cachoeira e tudo, ao som da brega The First Time Ever I Saw Your Face), dá pra dizer que, tecnicamente, o debut é bem bom, com bons jogos de câmera, tomadas aéreas incríveis (como aquela que abre o filme ) e uma direção de atores convincente. Não é sobre a parte técnica, porém, que eu quero comentar.

Não é de espantar que tenham baseado a Pamela Voorhees em Evelyn. A mulher é MUITO assustadora. No fim, inevitavelmente, a tensão entre ela e Dave desenvolve-se para a violência física, mas o que espanta mesmo não é ela pegar uma faca e tentar matar o cara que ela jurou amar: Evelyn é o tipo de ex que ninguém merece ter na vida, uma obra ambulante do capiroto capaz de tirar o sono de qualquer um. Tão logo o personagem deixa claro que, apesar de terem tido uma boa noite juntos, ele não pretende ter nada mais sério com ela, Evelyn torna-se inconveniente e passa a atormentá-lo de todas as formas possíveis, fazendo coisas que vão desde roubar a chave de seu carro até invadir uma reunião de serviço e ofender uma mulher com quem Dave negociava.

Perversa Paixão - Cena 2

Clint Eastwood, que é conhecido por seus personagens estilo macho man, homens solitários que falam pouco e agem friamente, leva o pobre Dave até o limite. Antes dele decidir dar um basta definitivo na relação, há várias tentativas de contornar os aparentes problemas psicológicos de Evelyn (vocês precisam ver como a personagem, graças ao talento da Jessica Walter, consegue transitar facilmente entre a gritos histéricos e a voz doce e apaixonada), mas a situação torna-se insustentável depois que um assassinato eleva o clima de absurdo da trama. É aí que entra em ação o Eastwood clássico, o “homem que faz o que um homem precisa fazer”, e o resultado é uma cena polêmica que traz alívio e tristeza ao mesmo tempo.

Perversa Paixão é indicação óbvia para quem gosta do Eastwood e para quem divertiu-se assistindo o mais conhecido Louca Obsessão, aquele clássico em que a Kathy Bates usa um martelo para remodelar os pés de um escritor. Ele também é bom para percebermos que, apesar dos pesares, estamos melhor do que muita gente por aí quando o assunto é “término de relacionamento”, visto que conseguimos manter nossa dignidade e não atormentarmos ninguém com perseguições e/ou joguinhos mentais dispensáveis.

Perversa Paixão - Cena 3

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