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Yojimbo – O Guarda-Costas (1961)

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Yojimbo - o Guarda CostasFalar sobre o método da escrita e comentar quais ideias me motivaram a escrever e o que foi mais ou menos importante para escolher o filme criticado, atualmente, é uma das minhas abordagens favoritas na hora de produzir textos para o blog. A metalinguística, o escrever sobre o ato de escrever, permite-me avaliar e criticar minhas resenhas, como se eu estivesse escrevendo-as e lendo-as ao mesmo tempo, escolhendo, simultaneamente,  o que gosto e o que preciso eliminar nas minhas abordagens.

No caso de Yojimbo, a minha intenção inicial era fazer a ligação entre o filme e seu “remake” hollywoodiano, o Por um Punhado de Dólares do Leone/Eastwood, comentando a grandeza do trabalho do Kurosawa tendo em vista tudo aquilo que ele influenciou. É um caminho que eu costumeiramente trilho por aqui quando vou falar sobre algum clássico, mas pensar sobre ele me fez querer ir em outra direção dessa vez. Ok, influenciar um filme que é considerado um dos pilares do western norte americano é um fato digno de nota, mas não foi por isso que eu decidi assistir Yojimbo: o que, verdadeiramente, me trouxe até aqui e o que eu gostaria de comentar com vocês é o processo pessoal que hoje me permite sentar para ver um filme antigo da mesma forma que eu sento para ver um lançamento repleto de efeitos especiais. Considerando os benefícios que tiro disso, acho que vale a pena compartilhar a experiência.

 Quando escrevi sobre o Os Sete Samurais, que também é do Kurosawa, gastei algumas linhas do texto para falar sobre como conheci e reagi inicialmente ao trabalho do diretor. Estranhei, ri e critiquei o Rashomon, que é um filme preto e branco japonês de 1950. Os meus argumentos eram justamente esses: filme preto e branco japonês de 1950. Até onde a minha mente adolescente conseguia ir, a simples combinação dessas palavras/características já era suficiente para condenar uma obra. É bom lembrar disso porque, mais do que sentir vergonha de mim mesmo, consigo ver que os anos livraram-me de alguns preconceitos e ajudaram-me a encarar o cinema de forma mais madura, menos óbvia, e isso tem me ajudado a apreciar alguns clássicos não somente por tudo aquilo que eles representam historicamente, mas sim porque eles, de fato, são bons e divertidos.

Yojimbo - O Guarda-Costas - CenaQuando dei o play no Yojimbo, fiz questão de perguntar à minha esposa o que ela esperava dele que, jocosamente, eu defini como um “filme preto e branco japonês de 1961”. A resposta dela, com a qual eu tive de concordar imediatamente, foi a de que esses filmes apresentam relações e sentimentos que, muitas vezes, não nos são contemporâneos. Esse olhar para o passado, juntamente com as diferenças culturais típicas da cultura japonesa, por si só, já seriam motivos suficientes para ela dedicar um pedaço do dia para assistir um filme. Bingo, casei com a mulher certa! O filme antigo, portanto, atrai por ser um produto de um período em que as pessoas tinham preocupações e sonhos diferentes daqueles que temos atualmente. Reconheço que, quando tu começa a assistí-los frequentemente, é possível perceber que eles também encaixam-se dentro de algumas padronizações e, depois de um tempo, tornam-se tão previsíveis quanto as produções atuais, mas balancear a apreciação deles com a de filmes novos, até o momento, foi uma das formas que encontrei para continuar descobrindo coisas novas dentro do mundo por vezes formulaico do cinema.

Yojimbo - O Guarda-Costas - Cena 2Yojimbo influenciou Por um Punhado de Dólares (experimentem ler o texto e compará-lo com a sinopse abaixo) mas, como não posso (ou quero) rastrear a origem da idéia, vamos deixar esses enigmas do tipo “ovo-galinha” de lado e concentrarmo-nos naquilo que ele traz de melhor, que é diversão que os elementos que nos parecem exóticos e o roteiro engenhoso são capazes de oferecer. No século XIX, os samurais, outrora defensores da realeza, viram seu estilo de vida cair em desuso e passaram a vagar procurando por alguém que estivesse disposto a pagar por seus serviços. Sanjuro (Toshirô Mifune), um desses guerreiros, chega com sua espada em uma cidade que vive ameaçada por duas gangues. Após matar rapidamente 3 sujeitos que o provocam e desrespeitam, o samurai recebe e recusa propostas para servir dos dois lados. Mais do que associar-se a uma das famílias que oprimem os trabalhadores da cidade, ele deseja acabar com todos os degenerados do local e, claro, lucrar em cima disso.

Yojimbo - O Guarda-Costas - Cena 3Temos aqui, deste modo, o roteiro tradicional do filme de western em que um estrangeiro desconhecido chega em uma cidade corrompida para resolver seus problemas. Vê-se também o confronto entre o conservadorismo e o progresso, em que os novos tempos (o liberalismo, o capitalismo, as gangues) são apresentadas como uma forma de vida degenerada quando comparados com o modelo anterior, o tempo dos samurais, tempo da honra e do respeito. Logo no começo da trama, por exemplo, Sanjuro presencia uma briga entre pai e filho em que o garoto diz que prefere morrer vivendo uma vida de aventuras do que sobreviver através dos anos comendo mingau de arroz. No final, após espalhar sangue por toda a cidade, Sanjuro deixa claro para o garoto o quão errado ele estava. Tradicionalista, a mensagem de Kurosawa caiu como uma luva para aquele é o mais americano dos gêneros cinematográficos.

Yojimbo, até mesmo pela proposta de seu personagem principal de não entrar em conflito direto com seus inimigos, é um filme mais cadenciado, que privilegia mais os diálogos do que as cenas de ação. É engraçado ver como Sanjuro utiliza sua inteligência para colocar as gangues para lutar entre si, poupando-lhe o trabalho de matar um por um. No entanto, quando a estratégia é descoberta e o combate torna-se inevitável, Kurosawa não decepciona e nos dá uma boa dose de pancadaria samurai. Eu, que assisti esse filme com o ótimo Os Sete Samurais em mente (talvez o maior de todos os longas do estilo já feitos), fiquei satisfeitíssimo com o que vi, principalmente quando ele enfrenta os “6 da cabana”, cena brutal e sanguinolenta que, filmada por Kurosawa, consegue expressar uma forma estranha e sutil de beleza.

Yojimbo - O Guarda-Costas - Cena 4Tudo o que vi e gostei certamente não teria o mesmo efeito se eu o fizesse através do prisma “filme japonês preto e branco de 1961”. Yojimbo, mais do que um clássico que qualquer fã, estudioso ou interessado por cinema deve conhecer e respeitar, é um filme divertido, com piadas atemporais (a covardia das duas gangues, que fazem de tudo para não brigarem, é impagável), humor negro (reparem naquele cachorro que anda tranquilo carregando uma mão no início), cenas muitíssimo bem coreografadas (observem a qualidade da movimentação dos atores antes dos duelos e as escolhas pontuais de ângulos que o Kurosawa faz), ótimas sequências de ação e uma atuação memorável do monstro Toshirô Mifune, ou seja, tudo que um filme precisa ter, seja ele novo ou antigo. Sinto-me feliz por, hoje, poder assistir uma obra dessas tal qual deve ser, sem preconceitos com a imagem e o som e tirando proveito do distanciamento temporal que, mais do que deixar os filmes “estranhos”, os tornam interessantes e prazerosos justamente por suas linguagens e valores que são diferentes daquilo que temos nas produções atuais.

Yojimbo - O Guarda-Costas - Cena 5

Por um Punhado de Dólares (1964)

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Dessa vez eu assisti o filme certo! rs No começo do ano eu quis terminar de assistir a Trilogia dos Dólares e tudo que eu consegui foi assistir o Por Uns Dólares a Mais outra vez. Meses depois, um amigo me lembrou do Por Um Punhado de Dólares ao comentar aqui no blog que o considera o melhor da dupla Leone/Eastwood. Não que eu precisasse de algum estímulo para assistí-lo, mas a possibilidade de ver algo melhor do que o Três Homens em Conflito (o meu favorito) me fez passá-lo na frente de todos os outros filmes que eu havia programado para assistir.

O roteito que foi considerado pelo Charles Bronson como “o pior que ele viu na vida” (o ator recusou o convite para estrelar o filme) é um bocado simples mas cresce devido ao esmero com os detalhes. Basicamente, o pistoleiro Sem Nome (Eastwood) chega em uma cidade que é controlada por duas famílias de bandidos, os Rojos e os Baxters, e começa a despachá-los para o além. Sem Nome é rápido no gatilho e briga bem mas, para enfrentar o também habilidoso Rámon Rojo (Gian Maria Volonté), ele vale-se mais de sua inteligência do que de qualquer outra coisa: oferecendo seus serviços para as duas famílias, o pistoleiro joga os Rojos contra os Baxter, economiza algumas balas e vai enchendo os bolsos de ouro e dólares.

A cidade mexicana onde passa-se a história de Por Uns Dólares a Mais não é muito diferente de outras tantas currutelas exploradas em westerns. Pobre, sujo e sob o castigo de um sol infernal, o local no entanto torna-se inesquecível pela lógica como as coisas acontecem ali. Fora o fato do xerife ser um medroso que nada faz para acabar com o domínio dos Rojos e dos Baxter, há um sujeito que fica responsável única e exclusivamente por tocar um sino que anuncia a morte de algum morador da cidade e um outro que passa o dia todo trabalhando no único negócio rentável por ali: construir caixões. É legal notar que, quando o Sem Nome chega no local (no IMDB dizem que, em um determinado momento do filme, chamam-no de Joe, o que eu sinceramente não ouvi), o sino começa a tocar apenas por ele começar a conversar com algum fora-da-lei e o ritmo da produção de caixões aumenta significativamente.

A cena que precisa ser comentada dessa vez é a da festa da casa dos Rojos. Sem Nome está bêbado e começa a praticar tiros em uma espécie de armadura medieval. 3 disparos e ele arranca uma das pesadas peças do conjunto. Rámon então desce a escada com seu rifle Winchester e simplesmente desenha um coração no peito da armadura com buracos de bala. Assim como a “cena do chapéu” no Por uns Dólares a Mais, este momento é significativo para percebermos o toque que o Leone acrescentou no mais americano de todos os gêneros do cinema. A grandeza do ato e a tensão dos personagens que parecem saber que duelarão entre si mais cedo ou mais tarde (Quando um homem com um rifle enfrenta um homem com uma .45, o homem com o rifle ganha, diz Rámon) constrasta com o humor involuntário da cena, humor que vem tanto da técnica absurda, humanamente improvável, do atirador, quanto dos closes característicos do diretor que mostram expressões faciais exageradas de personagens extremamente caricatos.

Eu não diria que Por um Punhado de Dólares é melhor do que o Três Homens em Conflito, mas isso deve-se mais ao excesso de qualidade e amor que eu tenho pelo segundo do que por algum defeito do primeiro. Com uma bela donzela para ser salva, várias frases de efeito, bandidos lendários e um sino anunciando a morte da escória, Por um Punhado de Dólares ainda oferece uma chance rara de ver o Eastwood levando uma surra épica e uma cena absurdamente engraçada onde uma criança samba devido as balas que são atiradas nos seus pés. Senso de humor, cada um tem o seu 🙂

O sino toca e mais dois caixões são vendidos

Por uns Dólares a Mais (1965)

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Analisando os meus últimos post, percebi que há muito tempo eu não vejo um filme de faroeste, de longe um dos meus gêneros favoritos. Para tirar o atraso com estilo, resolvi terminar de assistir a Trilogia dos Dólares do Sergio Leone da qual eu já conhecia o Por uns Dólares a Mais e o Três Homens em Conflito, faltando apenas o Por um Punhado de Dólares. “Hey, ali em cima está escrito Por uns Dólares a Mais!”, vocifera o leitor ao perceber a contradição. O problema é que, na pressa, eu baixei peguei o filme errado, então eu ri da minha própria desgraça, relaxei e revi esse que certamente é um dos melhores filmes do gênero já feitos.

“Onde a vida não tem preço, a morte, algumas vezes, tem o seu preço. É por isso que os caçadores de recompensa aparecem”.

Um assovio, um homem montando seu cavalo em um local deserto e … POW! Um tiro disparado de um local desconhecido ceifa aquela vida sem valor e dá inicio a epopéia dos caçadores de recompensa de Por uns Dólares a Mais. Coronel Douglas Mortimer (Lee Van Cleef) é o primeiro a aparecer na tela matando bandidos: por uma recompensa de $1000 dólares, ele elimina facilmente um fora da lei com um tiro preciso disparado de uma distância considerável. Em seguida, o Homem Sem Nome (Clint Eastwood), aqui apelidado de Manco, entra em um saloon, tira sarro de seu alvo e mata-o junto com seus companheiros sem maiores dificuldades. Com $2000 dólares no bolso, Manco segue para a cidade de El Paso à procura de seu novo alvo, Indio (Gian Maria Voltonté, de Investigação Sobre Um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita), homem pelo qual foi oferecida uma recompensa de $10.000 dólares e que também está sendo procurado por Mortimer. Inevitavelmente, os dois caçadores acabam esbarrando um no outro em El Paso (em uma cena que realmente merece ser chamada de genial) e decidem unir-se para para capturar Índio e seu bando, os quais, ao que tudo indica, irão assaltar o banco da cidade. Ao falarem sobre como a recompensa será dividida, começa a ficar claro que Mortimer não está tão interessado assim no dinheiro, ele tem assuntos pessoais para resolver com Índio. Manco, que não tem nada a ver com isso, infiltra-se no bando do criminoso para conhecer detalhes do assalto e começa a contar quantos dólares cada cabeça ali lhe renderá.

Eastwood e Van Cleef

O que eu gosto nos filmes de faroeste, principalmente nos do Leone, é aquele excesso de “macheza” que fica sempre na linha tênue entre a seriedade e a comédia. No Três Homens em Conflito, por exemplo, há a cena onde o Angel Eyes (Van Cleef ) almoça com um homem que ele está prestes a matar. Há uma tensão absurda ali mas, o tempo todo, depois de cada frase de efeito cuidadosamente pronunciada pelo ator com aquela voz diabólica característica, eu fico imaginando que eles vão cair na gargalhada. Aqui a cena em que ocorre esse tipo de diversão é a do encontro dos caçadores, a qual eu classifiquei como “genial” no parágrafo anterior. Os personagens encontram-se, ficam encarando um ao outro e, após levar um soco na cara, Mortimer vê seu chapéu ser usado como alvo por Manco, o qual acerta-o toda vez que o personagem do Van Cleef tenta pegá-lo. Com um sorriso no canto da boca e um bocado de paciência, Mortimer segue tentando pegar o chapéu até que Manco, devido a distância, erra o tiro e então acontece AQUILO. Esse “aquilo” é um daqueles momentos tão absurdamente legais em sua singularidade e canastrice ao ponto de tu assistir uma vez e nunca mais esquecer, é o tipo de cena pela qual vale a pena assistir um filme.

Não é justo falar de um filme da Trilogia dos Dólares sem dedicar um espaço para dois nomes: Ennio Morricone e Clint Eastwood. Morricone é indiscutivelmente um dos maiores compositores da história do cinema e em Por uns Dólares a Mais ele fornece argumentos para isso com músicas que conferem às cenas um tom irreverente e misterioso. Eastwood, a lenda viva do cinema norte americano, construía aqui a sua reputação: sério, sarcástico e irônico, o pistoleiro sem nome (ao lado do Dirty Harry) é a imagem da competência e da incorruptibilidade, o pesadelo vivo dos bandidos. Duvida? Espere até vê-lo assoviando tranquilamente enquanto conduz uma carroça repleta de cadáveres.

Aqui o conselho é muito simples: assista. Revi Por uns Dólares a Mais, gostei mais ainda do que da primeira vez e não tenho dúvidas de que, se daqui algum tempo eu assistí-lo novamente (por engano ou não), ainda haverá algo para descobrir e apreciar.

Sem Nome pronto para faturar alguns dólares a mais