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Crepúsculo dos Deuses (1950)

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Crepúsculo dos DeusesPor mais que eu tenha demorado para admitir, confesso-vos que esse blog transformou-se em um fardo. Não que eu tenha cansado de assistir filmes ou esgotado a minha necessidade de falar sobre eles. O problema, que, aliás, já data de um bom tempo, reside no momento de transformar minha opinião em texto. O que começou despretensiosamente, com comentários rápidos, simples e diretos, evoluiu para resenhas longas e pessoais onde, cada vez mais, o filme foi ficando em segundo plano, transformando-se muitas vezes em mero coadjuvante para minhas experiências pessoais.

Sinceramente? Por mais repetitivos, chatos ou “viajados” que os meus textos sejam atualmente, prefiro-os àqueles trabalhos rápidos e acessíveis que podem ser encontrados no início desse projeto. O amadurecimento e as várias leituras realizadas nesse período, direcionadas ou não para a área cinematográfica, me ajudaram a escrever melhor (acredito) e me trouxeram uma preocupação com a forma de que eu me orgulho. O fato é que essa preocupação, excelente por um lado, converteu-se em em um processo desgastante de composição, no qual anteriormente eu gastava cerca de 30-40 minutos e que hoje dificilmente consigo investir menos de 3-4 horas.

O último texto postado, por exemplo, foi parido após longos cinco dias durante os quais, em mais de uma oportunidade, eu sentei para escrever e abandonei a tarefa simplesmente por não conseguir pensar em NADA para digitar. Adorei O Grande Lebowski, mas detestei escrever sobre ele, o que, aliás, pode ser facilmente percebido na maneira ríspida que o texto termina. Algo precisava ser feito, afinal de contas o que nasceu com o propósito de ser uma forma de lazer não poderia transformar-se em uma obrigação. Após pensar bastante, reler textos antigos e conversar a respeito com pessoas próximas, concluí que o principal problema é a falta de foco e de preparo. Na maioria das vezes, eu assistia o filme, lia sobre ele, sentava na frente do notebook e, enquanto ouvia música e conversava com amigos na internet, começava a escrever agarrando-me na primeira idéia que aparecesse e ia desenvolvendo o texto até chegar o fim mas sem saber onde seria esse fim. Essa espécie de fluxo de consciência de araque funcionou muitíssimo bem algumas vezes e até conferiu um certo despojamento interessante para vários textos, mas não há dúvidas de que esse processo também contribuiu para o aumento da dor do parto. Não é todo o dia que a gente sente-se bem para simplesmente sentar e escrever sobre qualquer coisa e as várias vezes que tentei e não consegui me chatearam bastante. Resultado dessa autocrítica, organizei em tópicos os pontos que eu desejava abordar nesse texto e apresento-lhes a resenha do clássico Crepúsculo dos Deuses como o primeiro passo para retomar o prazer da escrita que me incentivou a criar esse blog.

Crepúsculo dos Deuses - Cena 2

Dirigido e escrito pelo vencedor do Oscar Billy Wilder (A Montanha dos Sete Abutres, O Pecado Mora ao Lado), o longa conta a história de um jovem escritor que tenta a sorte como roteirista em Hollywood. Sem conseguir vender nenhum de seus roteiros e cheio de dívidas, Joe Gillis (William Holden) é perseguido pela polícia e foge para salvar da apreensão seu único bem, um carro conversível. Durante a fuga, o escritor esconde-se em uma velha mansão e descobre que a mesma, ao contrário do que ele imaginava, não estava abandonada: naquele decrépito e assustador casarão vivia Norma Desmond (Gloria Swanson), estrela cinematográfica cultuada durante a era dos filmes mudos. Norma, que deseja mais do que tudo voltar ao estrelato, contrata Gillis para dar forma a um roteiro que ela mesma havia escrito visando o tão esperando retorno. Pouco a pouco, a necessidade de dinheiro de um e o desejo de reconhecimento e veneração do outro transforma-se em um romance de final anunciado: Gillis, logo na primeira cena, é visto boiando, alvejado por três tiros, na piscina da mansão. Crepúsculo dos Deuses, todo ele, é o flashback que nos mostra como isso aconteceu.

Crepúsculo dos Deuses - Cena 6

Assim como fiz nos três primeiros parágrafos, Billy Wilder construiu o argumento desse filme utilizando majoritariamente a metalinguagem, o discurso que fala sobre si mesmo, no caso, o cinematográfico. Crepúsculo dos Deuses é um desses filmes sobre filmes, um longa que tem na encenação dos bastidores de Hollywood um de seus principais atrativos. Tal qual o Robert Altman faria anos mais tarde no ótimo O Jogador, Wilder mostra uma autocrítica destruidora  ao construir um cenário cínico e decadente onde produtores, chefes de estúdio, roteiristas e até mesmo diretores parecem preocupar-se mais com o retorno de seus investimentos financeiros do que com a qualidade de seus trabalhos. Ao usar o cinema para discutir o cinema, tal qual procurei fazer usando esse texto para discutir minhas próprias resenhas, o diretor contribuiu para as discussões e críticas que na década seguinte transformariam profundamente a forma de se fazer cinema nos Estados Unidos.

Crepúsculo dos Deuses - Cena 4

Norma Desmond e Joe Gillis representam duas idéias ultrapassadas. Ela, a nostalgia, o apego ao passado de glórias e de glamour e, de certa forma, a prepotência dos atores do cinema mudo frente a geração que os sucedeu. Em uma dos melhores diálogos do filme, Norma diz: “Eu sou grande, os filmes é que ficaram menores”. Ele, a superficialidade consciente, a arte que submete-se ao mercado, o talento que é domado pela força do capital. Não é a toa que, durante a trama, Gillis converta-se em um típico gigolô, vendendo seu corpo e seu talento para Norma, transformando-se, no entanto, em uma pessoa cínica e triste devido a consciência de sua situação medíocre. Gillis e Norma, a superficialidade e a nostalgia, segundo Wilder, não são a resposta para o futuro do cinema. Eles destroem-se mutuamente.

Crepúsculo dos Deuses - Cena 5

Começar o filme pelo final (ou pelo menos por uma cena próxima a ele), recurso que ainda hoje é bastante utilizado (sem pensar muito, Missão Impossível III e Beleza Americana), é uma ótima ferramenta narrativa, pois instiga o espectador a querer saber o que levou os personagens até aquele ponto. Crepúsculo dos Deuses faz uso exemplar de tal técnica e ainda traz vários atrativos, como a atuação excelente e assustadoramente triste, autopiedosa e, por isso mesmo, deplorável da Gloria Swanson, a trilha sonora acidental que lembra trabalhos de filmes de terror (venceu o Oscar) e, principalmente, a narrativa em off, feita pelo próprio Gillis, que leva o espectador até o momento de sua morte inevitável. O final, é claro, uma quebra da regra de que a ilusão ficcional não pode ser desfeita, aquela fala ensandecida de Norma feita para a câmera de Wilder, não pode ser esquecido.

Crepúsculo dos Deuses - Cena

Comecei a escrever esse texto as 20hrs58min. Agora, são exatamente 23hrs16min. Continha básica, gastei até aqui 2hrs18min para fazer uma resenha que, até o momento, possui 1100 palavras. Considerando que a reflexão dos três primeiros parágrafos não existiria em uma situação corriqueira, acredito que eu teria levado, no máximo, 1hr30min – 2hrs para concluir o trabalho, corte significativo de 50% do tempo que vinha sendo gasto. Tudo isso graças a essa organização aqui:

  • Falar dos problemas do blog e da necessidade de estruturar a construção das idéias
  • Apresentar o filme
  • Comentar a metalinguagem e associá-la com o assunto tratado no primeiro parágrafo
  • Falar sobre o que Desmond/Gillis representam dentro da trama (nostalgia, superficialidade)
  • Elogiar pontos positivos (trilha sonora, atuação Gloria Swanson, narrativa em off)
  • Apresentar os resultados do processo de auto crítica

Adorei escrever o texto e estou satisfeito com o resultado. Ao contrário do que anteriormente eu pensava, organizar o que eu desejo falar sobre o filme não matou a naturalidade do processo, muito pelo contrário. Feliz, encerro esta resenha e inicio uma nova fase do Já viu Esse?. 🙂

Crepúsculo dos Deuses - Cena 7

Asas (1927)

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AsasO Oscar, prêmio máximo do cinema norte americano concedido anualmente pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, foi entregue pela primeira vez no ano de 1929 em uma cerimônia que considerou para a premiação os filmes realizados nos dois anos anteriores. A Lei dos Fortes, de 1928, e Sétimo Céu e Asas, de 1927, concorreram a estatueta de Melhor Filme, com a vitória desse último. Eu, que há um bom tempo planejo assistir todos os vencedores da categoria e não sou lá uma pessoa muito criativa, optei por “começar do começo” e assisti Asas, filme que me me surpreendeu bastante.

Considero natural o fato de resenhas sobre filmes clássicos costumeiramente apresentarem opiniões exageradas. Eu mesmo faço isso regularmente. A afinidade e a curiosidade para com material velho e, principalmente, a decepção com grande parte do que é produzido atualmente, tendem a nos fazer valorizar mais do que o necessário certos filmes antigos que, colocados dentro do contexto no qual eles foram produzidos (do qual poucos podem gabar-se de conhecer muitos títulos), poderiam tranquilamente serem classificados como medianos.  Consciente disso, comecei a ver Asas ciente de que ele era um vencedor do Oscar e que por isso deveria ter suas qualidades, mas confesso que esperava um filme “difícil” devido a distância temporal e tudo aquilo que pode ser relacionado a ela, como fotografia, câmeras e atuações diferentes do que estamos acostumados, fatores que geralmente afastam o público mais impaciente.  O que posso dizer, tomando o cuidado de não exagerar, é que Asas envelheceu muitíssimo bem e que sua sessão, mais do que formar repertório, é bastante divertida.

Asas - Cena 2

No ano de 1917, Jack Powell (Charles Rogers) e David Armstrong (Richard Arlen) são obrigados a deixarem a disputa pelo coração de uma garota de lado quando são convocados pela Força Aérea Americana para defender o país na Primeira Guerra Mundial. Após receberem o treinamento de voô, os dois embarcam para a França e lentamente a rivalidade entre eles dá lugar a uma bela amizade. Jack, que fica conhecido como Shooting Star devido as suas habilidades em combate, forma então uma parceria letal com David contra os alemães. Paralelamente, acompanhamos a história de Mary Preston (Clara Bow), mulher que Jack sempre considerara como amiga mas que, nutrindo uma paixão secreta por ele, alista-se para a guerra para ficar próxima de seu amado.

Como esperado, Asas é um filme mudo e em preto e branco. Aqui não há muito segredo, os diálogos (que são muitos comparados a outros filmes mudos que vi) aparecem entre as cenas em caixas de texto e a fotografia valoriza o contrastre entre claro e escuro para criar certos efeitos, como é o caso do pânico que a sombra de um bombardeiro alemão provoca nos soldados americanos e, em menor escala, no espectador. O que me surpreendeu positivamente foram as câmeras e a edição. Como dito, não conheço muitos títulos do período, mas os que vi me levaram a imaginá-los como produções majoritariamente estáticas, com câmeras fixas e poucos cortes. O diretor William A. Wellman não apenas nos joga para dentro das cenas, com câmeras que passeiam entre os atores, como nos fornece vários ângulos das incríveis lutas aéres que podem ser vistas ao longo das quase 2h30min do filme.

Charles Rogers e Clara Bow

Charles Rogers e Clara Bow

Estas batalhas, aliás, são o grande destaque do filme, mas o roteiro não fica muito atrás. Por mais que estejamos diante de uma simplificação do tipo mocinhos contra bandidos que visa a valorização do patriotismo, Asas agrada pelas reviravoltas de sua história (o final é deveras agoniante), pelas ótimas cenas de humor (borbulhas!) e por conter elementos que podem ser considerados transgressores para a época, como cenas de violência contendo sangue e um beijo entre dois homens, o primeiro da história do cinema segundo o IMDB.

O primeiro vencedor do Oscar de Melhor Filme também venceu o teste do tempo e hoje, 84 anos após ser premiado com a estatueta, ainda é capaz de entreter e emocionar quem se propuser a assistí-lo, o que já é bastante se considerarmos, por exemplo, que não podemos dizer o mesmo de um filmeco aí que também venceu a categoria há 16 anos. Pode clicar aqui e procurar no Google 😛

Asas - Cena 3

The Magic of Méliès (1898-1909)

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The Magic of MélièsFinda a temporada do Oscar, retorno com prazer ao ritmo normal do blog, alternando entre filmes atuais e antigos. Como passei praticamente 2 meses assistindo apenas lançamentos, fui logo ao extremo oposto da linha temporal para apreciar alguns dos primeiros filmes rodados e aproveitei para cumprir uma promessa. Ano passado, no dia 22 de fevereiro, eu postei aqui a resenha do A Invenção de Hugo Cabret e me comprometi a assistir e divulgar o trabalho do francês George Méliès, o “pai dos efeitos especiais” que o Scorsese homenageou em seu longa. Procurei e encontrei um arquivo chamado “The Magic of Méliès” e, apesar de não saber se ele é oficial (nem se o poster correto é esse aí do lado, já que algumas informações não batem), assisti e o julguei adequado para os meus propósitos.

No total, são 21 curtas (e não 15, como pode ser lido no poster) que variam bastante no tema e na duração, o menor tendo apenas 53 segundos e o maior 20 minutos cravados. No geral, não é um material fácil de assistir. Mesmo fazendo todas as considerações relacionadas a diferença temporal e dedicando aos curtas o olhar carinhoso que o filme do Scorsese estimula, a sessão não foi exatamente prazerosa. Desnecessário dizer que o diretor é um gênio e que o trabalho dele, acima de qualquer  coisa, merece respeito pelo pioneirismo, mas não posso me esconder atrás disso para relatar algo que não senti. Quero fazer mais algumas considerações sobre a questão do pioneirismo, mas antes segue a lista dos curtas,com os nomes originais em inglês, o ano, duração e breves comentários sobre eles:

The Four Troublesome Heads

The Four Troublesome Heads

  1. The Four Troublesome Heads – 1898 (53 seg): Um homem “retira” sua cabeça e a deposita sobre a mesa para, em seguida, outra cabeça surgir sobre seu pescoço. Divertido, é um ótimo exemplo da inteligente técnica de edição desenvolvida pelo diretor.
  2. An Up-to-Date Conjuror – 1899 (59 seg): Um homem e uma mulher trocam continuamente de lugar enquanto realizam algumas acrobacias.
  3. One Man Band – 1900 (1min16seg): 7 cadeiras e 7 músicos que surgem, desaparecem e movimentam-se conforme a vontade do diretor.
  4. Bluebeard – 1901 (09min07seg): história um tanto quanto confusa de um aristocrata que acaba sendo morto. Gostei muito do efeito que faz com que um pequeno demônio saia de dentro de um livro.
  5. The Man With The Rubber Head – 1901 (02min23seg): Méliès está em uma cozinha e, com uma bomba de ar, infla a própria cabeça até que ela exploda. As caretas da tal cabeça são sensacionais.
  6. A Trip To The Moon – 1902 (11min48seg): Trabalho mais conhecido do diretor, cientistas realizam uma viagem para a lua em uma nave que é disparada até lá por um canhão. O terreno lunar, que tem o formato de um rosto, esconde uma raça chamada Selenita, seres monstruosos que explodem quando tocados pelos cientistas (rs). Não é a toa que é o curta pelo qual o Méliès é lembrado: os cenários e o colorido manual dos filmes são muito bonitos e a historinha é divertida.
  7. The Infernal Boiling Pot – 1903 (01min02seg): Praticamente um curta de terror. Um demônio é visto jogando pessoas dentro de um caldeirão, onde os corpos são instantâneamente consumidos pelas chamas.
  8. The Melomaniac – 1903 (01min52seg): As linhas de uma partitura suspensa no ar são preenchidas por notas formadas por várias cabeças do Méliès (o cara gostava mesmo desse efeito rs) enquanto algumas moças, no melhor estilo Fantasia (o programa trash, não a animação da Disney) seguram placas com o nome dessas notas.
  9. The Monster – 1903 (02min06seg): Minha risada mais sincera saiu daqui. Ambientado no Egito, o curta mostra dois homens que utilizam poderes sobrenaturais para ressuscitar uma caveira. A movimentação da mesma, principalmente quando coberta pelos panos, é hilária.
  10. Untameable Whiskers – 1904 (02min18seg): Um dos mais criativos. Méliès usa um quadro negro para desenhar a si mesmo e os elementos que ele introduz na figura (barba, cabelo grande e roupas) aparecem em seguida nele graças a caprichada edição.
  11. The Impossible Voyage – 1904 (20min): A “grande” produção do pacote. Meio que repetindo o tema de A Trip To The Moon, o diretor mostra cientistas que saem para uma viagem pela terra em um trem. Eles sofrem acidentes, são hospitalizados e, em um momento mágico, sobem com o trem até as estrelas ondem são engolidos pelo sol. Os apuros dos viajantes terminam com uma grande festa no regresso.
  12. The Living Playing Cards – 1904 (02min20seg): No papel de mago, o diretor da vida para cartas de baralho, das quais ele retira uma rainha e um rei.
  13. The Cook in Trouble – 1904 (04min34seg): Um cozinheiro é sabotado de todas as formas possíveis por seus ajudantes e por alguns demônios. O humor e a ação lembram muito o que é visto em desenhos como Tom & Jerry e Pica-Pau.
  14. The Black Imp – 1905 (03min52seg): Um demônio atormenta um homem até que ele decide abandonar o quarto onde planejara dormir.
  15. The Scheming Gambler’s Paradise – 1905 (01min50seg): Jogadores reúnem-se ao redor de uma banca e transformam-na em uma espécie de loja sempre que a polícia aparece por perto. Quando eles finalmente são descobertos, os policiais começam a jogar após prender os envolvidos no truque. Gostei da ironia.
  16. Hilarious Posters – 1905 (02min44seg): Um poster ganha vida e prega peças nos transeuntes.
  17. The Mysterious Retort – 1905 (03min21seg): Um mago está em sua sala admirando os resultados de suas feitiçarias até que uma delas o derrota. Destaque para uma cobra engraçadíssima que sai de um caldeirão.
  18. Good Glue Sticks – 1907 (05min01seg): Após ser zombado pelo produto que vendia, um homem utiliza uma cola poderosa para grudar dois dos zombadores. O público revolta-se e busca vingança, prendendo o vendedor na parede com seu próprio produto. Basicamente, o sujeito só se ferra.
  19. The Eclipse – 1907 (09min08seg): Um professor enfrenta uma sala de alunos desobedientes em uma aula sobre o eclipse solar. Astros com rostos são vistos através de um telescópio, assim como os deuses gregos que estão sentados em seus planetas. Gostei muito da idéia.
  20. The Devilish Tenant – 1909 (06min13seg): Um homem leva uma mala mágica para dentro de um quarto e retira dela todos os móveis para decorar o local. Os móveis ganham vida, ele os guarda e vai embora. É o curta que melhor utiliza as cores, que eram feitas manualmente sobre o filme.
  21. Mobilier Fidele – 1909 (03min37seg): Móveis movimentam-se sozinhos dentro de uma casa. A imagem está muito ruim, bem abaixo da “qualidade” dos outros, mas é impressionante a sincronização e os efeitos usados na cena.
The Eclipse

The Eclipse

Enquanto escrevia esses breves comentários, fui lembrando de uma conversa que tive com um amigo sobre filmes antigos, durante a qual ele disse que, independente da imagem ou do som serem ruins e de qualquer problema técnico, ele gostava principalmente de observar como aqueles diretores venceram as barreiras técnicas de seu tempo para dar vida as suas idéias. Como dito, não cheguei exatamente a gostar dos curtas, mas é deveras divertido assistí-los (principalmente após as cenas de bastidores criadas pelo Scorsese) imaginando o que o diretor teve que fazer para produzí-las. O Mobilier Fidele é realmente sensacional nesse sentido, a única forma que eu consegui pensar para explicar a sua execução, algo próximo ao que é utilizado atualmente nas animações stop-motion, já seria o suficiente para que o nome do diretor tivesse seu nome eternamente reconhecido.

A Trip To The Moon

A Trip To The Moon

Com câmeras estáticas e roteiros que baseiam-se principalmente em truques ilusionistas, Méliès desbravou com muito carinho e alegria (ele está sorrindo em todos os curtas e realizou cerca de 555 deles, acho que posso afirmar que ele gostava do que fazia) um terreno desconhecido e certamente divertiu muitas pessoas durante os anos em que esteve ativo. O tempo passou, a narrativa cinematográfica transformou-se e formou toda uma nova geração de espectadores e gostos, é verdade, mas nunca chegará o dia em que o olhar para o passado negligenciará o nome do diretor. Tens o meu respeito e admiração, Méliès.

The Impossible Voyage

The Impossible Voyage

Em Busca do Ouro (1925)

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Ultimamente eu não tenho tido muito tempo para ver filmes (tenho conseguido ver em média 2/3 por semana, antigamente eu via isso em um dia =/), então estou procurando escolher bem o que ver para não desperdiçar minhas poucas horas de lazer. Nisso, lembrei que há muito tempo eu não assistia um filme do Chaplin e, com a certeza de que eu espantaria o stress da semana caso visse algo do ator, pesquisei sua filmografia, escolhi o Em Busca do Ouro e relaxei.

Com seu chapéu, bengala e bigode característicos, Chaplin vive o Vagabundo (ou Carlitos), um explorador solitário que junta-se a tantos outros homens que vão para o Alaska procurando ouro. No meio da neve, ele perde-se, conhece outros exploradores, passa fome, apaixona-se e nos faz rir.

Nos outros textos que dediquei a filmes do ator/diretor (O Grande Ditador, Luzes da Cidade e Luzes da Ribalta), eu procurei incentivar o leitor a dar uma chance para eles argumentando principalmente que o fato de eles serem antigos não representava um problema, mas sim um atrativo pelo fato de eles apresentarem um tipo de humor que eu não hesitei em classificar como “melhor” do que aquele que é visto hoje em dia. Dessa vez eu não vou fazer isso. O Chaplin não “merece” uma chance e ele não precisa ser melhor do que nada nem do que ninguém para ser visto. Inquestionavelmente um dos atores mais conhecidos e celebrados da história do cinema, resta nos hoje apenas comentar o que cada um de seus muitos trabalhos nos transmitiu emocionalmente. Eis o que eu senti vendo Em Busca do Ouro (para todos os efeitos, estou falando da versão original de 1925, não a sonorisada de 1942).

Cena antológica

O Chaplin me faz rir. Nada escandaloso como acontece em filmes de caras como o Seth Rogen ou “intelectualizado” como ocorre com o Monty Python, mas uma risada inocente, boa, daquela de criança mesmo. Depois de vagar praticamente perdido na nevasca, Carlitos encontra um homem que mora sozinho em uma cabana. Ele entra, o tempo passa, chega outro personagem na cabana, o tempo piora, um deles sai para buscar comida e não volta e então a fome surge. O que no começo apenas incomoda, no final provoca alucinações nos dois personagens e risadas para quem assiste. Chaplin é visto por seu companheiro como um grande e suculento frango (em um ótimo “truque” de edição) e, no cúmulo do desespero, cozinha seu próprio sapato para comer. Os cordões viram macarrão e a bota transforma-se em uma apetitosa refeição para os personagens. Além de engraçada, a cena dá aquele prazer de estar vendo algo único, algo que definitivamente tem seu lugar na história do cinema.

O Chaplin me emociona. Quando consegue livrar-se da nevasca e vai para cidade, o Vagabundo conhece Georgia (Georgia Hale). A moça está interessada em outro homem, mas nem por isso ele desiste dela. Eles dançam, ela acaba indo até a casa onde ele está hospedado (a forma como ele consegue hospedar-se nessa casa também é hilária) e promete voltar para a festa de ano novo. Sem grana para bancar uma festa para sua amada, o Vagabundo arruma um emprego de limpador de calçadas. Mais risadas. Dinheiro no bolso, casa arrumada, tudo pronto para a festa e… Georgia não aparece. É tocante, lindo e engraçado, tudo ao mesmo tempo, a forma como o Vagabundo, sozinho, imagina como seria se Georgia estivesse lá com ele. A dança dos pãezinhos não perde em genialidade para a cena da bota.

Os pãezinhos!

Além de rir e ficar emocionado, também não pude deixar de prestar atenção na “trilha sonora” do filme… mudo! Os diálogos de Em Busca do Ouro aparecem nas tradicionais caixas de texto, mas as ações dos personagens são acompanhadas por um piano inspiradíssimo que mistura temas clássicos como In The Hall of The Mountain King e passagens que refletem o que está acontecendo na tela. Afirmo com convicção que é uma das melhores “trilhas sonoras” que eu já ouvi em um filme, linda mesmo.

Há pouco tempo, eu quase desisti desse blog, estou estudando muito e, como eu disse, tenho tido pouco tempo para ver filmes e para escrever. Filmes como Em Busca do Ouro me dão certeza de que eu não abandonarei esse projeto tão cedo: em 1h35min, eu desliguei de todos os meus problemas e me diverti muito, valeu a pena assistir e valeu a pena escrever esse texto. Me considero uma pessoa feliz quando descubro esse tipo de filme e me sinto realizado por poder compartilhar o que senti assistindo. Para citar Sêneca, de quem eu estou lendo o Sobre a Brevidade da Vida, “Quem escreve a outrem acaba reatualizando para si próprio as palavras enviadas”. É isso aí 🙂

Georgia e Carlitos

O Artista (2011)

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Entre o público leigo ou entre aquelas pessoas que vêem cinema apenas como entretenimento, causa-se uma antipatia compreensível quando comenta-se sobre filmes antigos. Há poucos momentos onde pode-se falar de obras como M – O Vampiro de Dusseldorf  ou Luzes da Ribalta e encontrar alguém que de fato “converse” contigo, alguém que conheça tais filmes e faça algo além de balançar a cabeça com infinitos “ahams” enquanto você “palestra”. Gostar daquilo que lhe é contemporâneo é uma relação normal entre o público e a arte, o interesse por material antigo costuma aparecer naturalmente fruto do interesse acima da média e dedicação. Foi dessa forma que nomes como Alfred Hitchcock, Billy Wilder, Elia Kazan, Sam Peckinpah, Gregory Peck, Dennis Hooper e Peter Fonda, entre outros, começaram a fazer sentido pra mim, naturalmente, não por imposição, não para demonstrar “inteligência” (sic), não para querer ser diferente.

Por esse motivo, considero um erro exaltar as qualidades de O Artista dizendo que ele é um filme para quem “entende” de cinema (sic²), argumento infeliz que eu encontrei  em um ou outro review por aí. Esse filme merece ser celebrado, e talvez até imortalizado pelo Oscar de Melhor Filme, mais por aquilo que ele representa para o momento atual de Hollywood do que por satisfazer os anseios cinematográficos de um público restrito.

George Valentin e Peppy Miller

Dirigido e escrito por Michel Hazanavicius, O Artista é um filme relativamente curto (1h36min) filmado buscando emular as produções da época do cinema mudo, ou seja, ele é fotografado em preto e branco e os diálogos são poucos e aparecem em caixas de texto introduzidas entre uma cena e outra. Tal qual o clássico Cantando na Chuva, fala sobre a transição do cinema mudo para os filmes falados, mas aqui sai a comédia das estrelas desafinadas e entra o drama de um homem que de uma hora para outra perde seu lugar no mundo e sua razão de existir. George Valentin (Jean Dujardin) é um consagrado ator de cinema mudo, um homem charmoso e talentoso que ganha o coração do público com seu sorriso largo e seus habilidosos passos de dança. Ele conhece e apaixona-se pela desconhecida Peppy Miller (Bérénice Bejo), uma fã cuja carreira no cinema ele ajuda a lançar. O tempo passa, Perry alcança o status de estrela dos novos filmes falados enquanto George, que agora é considerado ultrapassado tal o qual o cinema mudo, declina profissional e pessoalmente.

Pois então, como levar o público acostumado com o cinema blockbuster para as salas de exibição para assistir um filme diferente de tudo aquilo que ele está acostumado? Cobrir o mesmo de elogios e prêmios é uma opção, visto que, principalmente tratando-se do Oscar, a visibilidade desperta a curiosidade do público menos informado. Quem teria assistido, por exemplo, filmes como O Discurso do Rei não fossem os prêmios por ele conquistados? É uma opção, mas não é exatamente um caminho que eu endosso considerando experiências que eu tive com filmes como A Árvore da Vida. Atraídos pelo “artifício” Brad Pitt, várias pessoas saíram da sessão antes do filme acabar decepcionadas com as divagações filosóficas do Terrence Mallick. Ao indicar O Artista, opto pela sinceridade: se você não tem o hábito de assistir filmes antigos, essa talvez é uma das melhores oportunidades que tu encontrará para começar a fazê-lo.

Bérénice Bejo e a lenda Malcolm McDowell

Sem procurar “chifre na cabeça de cavalo”, qualquer um divertirá-se e aplaudirá a atuação apaixonada do francês Jean Dujardin, apreciará a história simples e eficaz e reconhecerá o belo trabalho de reconstituição de época e de estilo (detalhes como os créditos iniciais feitos tais quais aqueles de antigamente não passam despercebidos). Com um pouco mais de “bagagem”, percebe-se a presença de lendas vivas como James Cromwell, John Goodman e Malcolm McDowell e, indo mais fundo, há a possibilidade de analisar as relações complexas entre fã e ídolos e de identificar a competente e divertida condensação de estereótipos do período.

O cuidado e o carinho (sim, aqui podemos falar que há sentimento envolvido) do diretor para com o cinema resultaram em um filme capaz de agradar a todos, intelectualiza-se o simplório e simplifica-se o complexo ao mesmo tempo. Ao unir duas correntes tão distintas em termos de proposta e de público alvo, O Artista transformou-se em um marco instantâneo do cinema contemporâneo, um filme que, caso confirme as tendências apontadas até agora levando o Oscar, ajudará a abrir muitas portas para um tipo de cinema que, mais do que cultuado por uma meia dúzia, merece ser multiplicado.

Luzes da Cidade (1931)

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Cerca de 6 meses depois, consegui tempo para dar sequência ao que me propus aqui: conhecer a filmografia do Charles Chaplin.

Tendo sido lançado já na época do “cinema falado”, Luzes da Cidade representa um marco na carreira de Chaplin por ser seu último filme “mudo”. Apesar de possuir uma trilha sonora sincronizada com as cenas e um breve “discurso” inicial composto de sons incompreensíveis, os diálogos do filme ainda são apresentados através de frases escritas que são introduzidas entre uma cena e outra. Ainda estou engatinhando dentro do chamado “cinema mudo”, então qualquer afirmação que eu fizer sobre o mesmo não passará de falácia. Deixemos a falácia de lado e passemos à sinceridade: mesmo sendo apaixonado por bons diálogos, eles não fazem a MÍNIMA falta em Luzes da Cidade. Chaplin, que escreveu, dirigiu e interpretou o personagem principal, preenche a tela de tal forma com sua piadas e sentimentos que é difícil imaginar que o que vemos pudesse ser feito de outra forma.

A história é simples e agradável: o Vagabundo (Chaplin) conhece uma florista cega (Virginia Cherrill). Encantado com a moça, o Vagabundo descobre que ela está para ser despejada do local onde mora com a avó devido a falta de pagamento do aluguel. Disposto a ajudar, ele aceita todo tipo de trabalho e ainda conta com a ajuda de um homem rico que ele salva de uma tentativa de suicídio.

Vejam bem: quando falamos do Luzes da Cidade, não é a fotografia preto e o branco ou a ausência de diálogos que causam estranhamento. Estamos diante de uma comédia romântica, gênero que nos últimos anos tem nos bombardeado com o que há de pior no cinema (sim, há honrosas exceções). Há exatamente 80 anos, misturar comédia e romance significava, por exemplo, colocar um personagem franzino em um ringue lutando contra um brutamontes para ajudar sua amada. Atualmente, piadas sobre sexo, vibradores e situações constrangedoras são imperativas nos filmes do gênero. Longe de mim querer ser anacrônico ou, pior ainda, “defensor da moral e dos bons costumes”, mas em um nível muito pessoal eu devo dizer que sinto mais afinidade com a proposta do Chaplin do que com as Sarah Jessica Parker, Jennifer Aniston e Asthon Kutcher’s da vida.

Luzes da Cidade é repleto de bons sentimentos e de piadas que, mesmo perdendo um pouco da graça devido ao tempo que nos separa do contexto onde elas foram pensadas, nos divertem devido à interpretação ao mesmo tempo inocente e precisa desse gênio chamado Charles Chaplin. Outro clássico, outro filme excelente. Não levarei outros 6 meses para ver outro filme do ator/diretor.

Olha só quem compareceu na estréia do Luzes na Cidade

Olha só quem compareceu na estréia do Luzes da Cidade