Obs.1: Texto REPLETO de **SPOILERS**
Obs.2: Boyhood é superficial? Vergonhoso seus comentários durante a transmissão do Globo de Ouro, Sr. Rubens Ewald Filho.
Obs.3: Hey, Lucian, vá se foder com esse blog e suas críticas pedantes, superficiais, esquemáticas e mongolóides.
Opa! Bem, não são todos os dias que começo uma resenha menosprezando o meu próprio trabalho. Convido-me a auto felação após entrar em estado de embasbacamento total diante do novo trabalho do diretor espanhol Alejandro González Iñárritu (Biutiful). Dentre todos os momentos de gozo cinematográfico que a obra oferece, há um que particularmente me roubou o sono na última noite, portanto começo o texto falando diretamente sobre ele, que é uma cena intermediária, para exorcizar de uma vez por todas os meus demônios criativos.
Riggan (Michael Keaton) entra em um bar após ser ovacionado pelo público na apresentação de seu espetáculo na Broadway. Sentada em um canto fazendo anotações em um bloco de papel, está uma importante crítica de teatro conhecida pelo sucesso ou infortúnio das peças estreantes. Riggan pede dois drinks para o garçom e senta-se junto a mulher visivelmente ansioso para conhecer a avaliação que ela fizera de seu trabalho. A conversa que acontece na sequência é um desastre total. Entre outras coisas, a crítica diz que o ator nunca foi uma celebridade e que ela despreza tudo aquilo que ele fez durante a carreira. Afirmando que o teatro não é para qualquer um, ela sentencia a apresentação ao fracasso e promete fazer de tudo para manter Riggan longe dos palcos.
Ainda que a personagem seja construída com doses cavalares de soberba e arrogância, senti um dolorido tapa na cara ao ver o desprezo que ela destina ao trabalho alheio. Não raramente, também destilo meu veneno contra produções que não me agradam e, mesmo que os meus textos não tenham o alcance e/ou influência daqueles produzidos pelos chamados “críticos profissionais”, é desagradável pensar que posso estar sendo injusto com os esforços de outrem tal qual acontece nessa cena. Rotulo os filmes com termos pejorativos como “clichê” e “superficial” mas tenho plena consciência de que muitas vezes meus textos também são ruins e pedantes. Todo caso, procuro me policiar para não me achar o dono da verdade e nem transformar o exercício da crítica (que sim, é necessário para a arte) em uma válvula de escape para as minhas frustrações. Não me encaixo no perfil de cara que transformou-se em crítico por não conseguir seguir carreira cinematográfica nem escrevo ataques pessoais, mesmo quando detono profissionais do setor, pelo motivo óbvio que eu não conheço nenhum deles. Mesmo levando tudo isso em consideração, enxerguei-me um pouco na personagem e achei necessário fazer essa auto crítica principalmente devido ao que Riggan responde para ela.
“Está vendo essa flor”, diz o personagem segurando uma margarida, “você consegue tocá-la e até mesmo sentir o cheiro dela. Provavelmente, você também tem um conceito para ela, mas tu nunca conseguirá SENTI-LA de verdade”. O texto, provável desabafo de Iñárritu contra os críticos, não provoca debate dentro da trama. A crítica detona a peça, leva uma ensaboada épica e o filme segue sem a tréplica. Riggan tem um ponto de vista interessante (o realizador precisa menos do crítico do que o crítico do realizador) e o fato de estarmos acompanhando-o coloca-nos instantaneamente do lado dele. A cena funciona muitíssimo bem, mas nem por isso devemos levá-la ao pé da letra e demonizar a crítica. Assim como em todos os campos, existem bons e maus profissionais escrevendo suas impressões e nivelar a prática tendo como base personagens quase caricaturais como a antagonista de Riggan e/ou equivocados como o Rubens Ewald Filho na situação citada previamente é um erro deveras infantil. Sai demônio!, e que eu não volte a perder o sono outra vez questionando a validade do que faço com tanto amor.
Dito isso, resta-me apenas a completa rendição diante do talento monstruoso do diretor espanhol. Amo o trabalho do Wes Anderson e adorei O Grande Hotel Budapeste, mas acredito que, para termos de premiação, o conjunto apresentado pelo Birdman só pode ser comparado em qualidade dentre os concorrentes ao Boyhood. Se O Linklater merece todos todos os créditos por ir contra o imediatismo da indústria e produzir um projeto pessoal cheio de carinho e detalhes ao longo de 12 anos, Iñárritu deve ser reconhecido por resgatar os planos sequência de mestres como o Hitchcock em obras como Festim Diabólico e transformá-lo em um filme ambicioso que dá a impressão de ter sido rodado em uma tomada só. Contrariando a lógica do cinema blockbuster com seus cortes constantes e edição frenética, Birdman traz longas sequências de diálogos e movimentação dos personagens através dos cenários que acontecem sem cortes. Conforme os repórteres da TNT faziam questão de lembrarem o tempo todo durante a transmissão do Globo de Ouro, a técnica impressiona pela dificuldade de sua execução, já que bastava um ator errar uma frase ou posicionar-se no local errado para que toda a cena necessitasse ser reiniciada do zero. Mais do que dificuldade, porém, vejo a beleza singular do método, visto que tudo fica mais intenso, e a inventividade do diretor para fazer as poucas transposições de cena que acontecem, como aquela belíssima em que ele focaliza o céu e acelera o tempo para transformar noite em dia antes que a câmera volte a acompanhar os personagens.
À técnica, junta-se o incrível roteiro vencedor do Globo de Ouro de Melhor Roteiro Original, um texto repleto de metalinguagem escrito pelo próprio Iñárritu. Michael Keaton, que também levou merecidamente uma estatueta como Melhor Ator pelo papel, interpreta Riggan, mas quem conhece um pouco da carreira do ator certamente conseguirá somar 1 + 1 e perceber que ele está interpretando a si mesmo. Birdman, personagem fictício que Riggan viveu em 3 longas, nada mais é do que uma referência escancarada aos dois Batman que Keaton rodou no começo da década de 90 com o diretor Tim Burton. Na trama, Riggan luta contra o ostracismo que a sua carreira entrou após os filmes do super heróis e, para tanto, ele escreve, dirige a atua em uma peça de teatro na Broadway esperançoso de produzir algo relevante que faça seu talento ser reconhecido.
O tema da crise de meia idade é muitíssimo bem construído por Iñárritu, que criou um personagem que usa peruca e possui aversão a redes sociais como forma de mostrar o distanciamento dele com o público que ele ainda pretende cativar. Também chama a atenção a caracterização do personagem do Edward Norton, que possui uma personalidade explosiva tal qual a do próprio ator na vida real, os diversos diálogos que fazem referência ao mundo do cinema (como quando cogitam o Michael Fassbender para a peça) e as passagens com toques surrealistas que compõe as conversas de Riggan com o próprio Birdman. Ver o ator transformar-se no herói no meio de uma rua que começa a ser atacada do nada por um pássaro biomecânico gigante foi uma das coisas mais insanas e legais que eu lembro de ter assistido em um longa “sério.”
Birdman está repleto de grandes cenas e grandes diálogos e eu assisti a cada uma delas com a alegria de uma criança que encontra sob a árvore de natal exatamente aquilo que ela pediu para o Papai Noel. Perdi as contas de quantos “Nossa!”, “Olha essa câmera!” e “Caralho!” que eu soltei durante a projeção, mas devo dizer que, fora a cena da conversa entre ator e crítica que citei no início do texto, fiquei especialmente impressionado com a engenhosidade da sequência que o Michael Keaton caminha pela rua só de cueca até entrar no teatro e emendar uma improvisação magnífica para a cena em curso e, claro, com o final. Este, aliás, é daqueles que convidam o espectador a tirar suas próprias conclusões e, ao meu ver, o sorriso da lindinha Emma Stone é um indicativo de que Riggan também exorcizou seus demônios e fez as pazes com o seu passado após conseguir vivenciar o sucesso de público E crítica que ele tanto ambicionara. Sem mais delongas, digo-vos que Birdman é disparado um dos melhores filmes que saíram em 2014 e declaro desde já a minha torcida para que ele vire o jogo no Oscar e conquiste todos os prêmios que disputar, inclusive o de melhor filme. Nada contra os outros concorrentes, gostei da maioria dos que vi até agora, mas acontece que o Iñárritu transcendeu alguns limites com esse trabalho e me deu uma das melhores e mais completas experiência cinematográficas que eu já tive na vida. Que ele vença tudo.