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O Homem do Prego (1964)

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O Homem do PregoInteressei-me por esse filme após ler o Como a Geração Sexo, Drogas e Rock’n Roll Salvou Hollywood, do autor Peter Biskind. Se não me falha a memória, o longa é citado pelo escritor por ser uma das primeiras produções norte americanas a romper com o sistema de censura que vigorou no país até a década de 60. Hoje em dia pode até ser normal vermos garotas mostrando suas periquitas na tela mas, em 64, o diretor Sidney Lumet precisou comprar uma briga enorme para exibir os peitinhos de uma atriz.

Seria uma injustiça, porém, lembrar do filme apenas por esse episódio que ele protagonizou na história de Hollywood. O Homem do Prego é de partir o coração, amigos. Sol Nazerman (Rod Steiger) talvez seja um dos personagem mais amargos e miseráveis que eu já encontrei em um filme e a forma como a existência desesperadora dele vai sendo desenvolvida ao longo da trama é o tipo de coisa que a gente dificilmente esquece.

O filme tem esse título deveras engraçado porque Sol é um judeu dono de um “prego”, um estabelecimento onde as pessoas vão para penhorar seus bens em troca de dinheiro. Convenciona-se, por estereótipo, que os judeus sejam comerciantes hábeis e gananciosos, mas o que se vê aqui é um homem verdadeiramente demoníaco realizando negócios. Objetos que as pessoas levam para a loja esperando obter 10-15 dólares são comprados por Sol por 2 dólares. Não trata-se de indiferença para com as histórias de desespero financeiro que os clientes lhe contam. Na verdade, o que o homem do prego sente por todos aqueles que o cercam é uma espécie de desprezo cujas raízes o desenrolar da história tenta dar conta.

O Homem do Prego - CenaChegará, nessa resenha, o momento de nos compadecermos por Sol, mas, por hora, eu quero destacar o quão filho de uma rapariga o sujeito é capaz de ser. Em uma das primeiras cenas do longa, o personagem chega em sua loja e começa a atender o pessoal. Ele dá 2 dólares por uma estátua folheada a ouro que um cara ganhou em um concurso e uma mixaria por um castiçal que uma mulher tenta, em vão, convencê-lo de que vale pelo menos o quíntuplo do que ele está disposto a pagar. É então que entra no lugar um senhor meio decrépito que, visivelmente, não está ali para negociar. Ele até carrega um item qualquer nas mãos, mas não é difícil perceber que o velhinho só quer conversar sobre algo que ele andara lendo. Sol convence-o rapidamente a vender a mercadoria e, diante da insistência do homem em conversar, ele simplesmente vira as costas e deixa o cara falando sozinho. Poucas vezes vi alguém ser TÃO desprezado e humilhado.

Óbvio que, após uma grosseria dessas, passamos a desejar que o sujeito arda no inferno, mas é aí que um outro Sol nos é apresentado. Bem mais jovem, o personagem é mostrado em uma cena paralela enquanto diverte-se com a família. Sorridente, ele corre através de uma paisagem bucólica e abraça os filhos, mas a alegria some do rosto dele devido a chegada de algo ou alguém que nós, espectadores, não vemos. O que teria sido suficientemente traumático para transformar aquele homem feliz e jovial no amargurado e bruto dono da loja de penhores? Nazistas, caras, nazistas.

O Homem do Prego - Cena 4O Homem do Prego, que é baseado em um romance do escritor Edward Lewis Wallant, não foca nas milhares de mortes judias ocorridas nos campos de concentração alemães durante a Segunda Guerra Mundial, mas sim nas vidas daqueles que sobreviveram e tiveram que lidar, até o fim de seus dias, com as dores e perturbações psicológicas provocadas pelo holocausto. Após perder todos aqueles que lhe eram caros, Sol Nazerman opta por desligar-se emocionalmente do mundo para evitar mais sofrimentos. Uma mulher grávida e abandonada precisa vender um anel para conseguir dinheiro para comer? Isso não é problema dele. Um senhor solitário quer conversar sobre filosofia? Ele não está interessado. Tudo o que importa, ele diz, é o dinheiro.

Quando eu disse que o personagem é um dos mais miseráveis que eu já vi, não me referi a sua trajetória inquestionavelmente sofrida. Não que eu seja insensível para com o drama dele, mas acredito que já derramei lágrimas suficientes pelos judeus assistindo outros filmes. O que me deixou chocado várias vezes enquanto eu assistia O Homem do Prego foram os discursos de desprezo pelo próximo, frutos de anos e anos de raiva e frustrações incubadas, que o sujeito profere quando tentam tirá-lo de seu isolamento emocional. Pensar em outras pessoas que existem por aí, gente que está sempre com sete pedras na mão, e tentar entender as mazelas que elas enfrentaram para serem tal qual elas são, é algo que definitivamente me deixa chateado. Eu, que também carrego o meu estoque de pedregulhos, olho para Sol, me enxergo nele e não gosto NADA do que vejo.

O Homem do Prego - Cena 2Inevitavelmente, em um determinado momento acontece algo para forçá-lo a sair desse estado catatônico, porém nem isso faz com que o filme termine com aquela mensagem edificadora e esperançosa tipicamente hollywoodiana. O final, aliás, é desolador. O Homem do Prego pode até não nos estimular a cantar uma canção, mas vê-lo me fez perceber 2 coisas, digamos, boas:

  • Preciso ver mais filmes do Rod Steiger. Eu lembrava dele mandando bem no No Calor da Noite e, novamente, o cara me surpreendeu.
  • Nem sempre, quando as pessoas nos ignoram, é porque nossos assuntos são chatos. Às vezes, elas podem ser vítimas traumatizadas do holocausto. Hey, espera aí, eu não conheço nenhum judeu…. rs

O Homem do Prego - Cena 3

Essa Pequena é Uma Parada (1972)

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Essa Pequena é Uma ParadaEsse é um filme do Peter Bogdanovich, diretor que eu conheci lendo o Como a Geração Sexo, Drogas e Rock’n”Roll Salvou Hollywood e que eu apresentei para os leitores do blog na resenha do Na Mira da Morte. Amante e especialista na Era de Ouro de Hollywood, Bogdanovich tem um estilo “clássico” de filmar e de dirigir os atores que muito me agrada. Acusaram-no várias vezes (assim como acusam o Tarantino) de copiar filmes antigos e emular o estilo de seus diretores, mas eu ainda prefiro entendê-lo (e é isso que eu sinto quando assisto seus trabalhos) como uma apaixonado por cinema que utiliza prazerosamente a metalinguagem seu favor. Criando em cima de outras obras, Bogdanovich atingiu resultados interessantíssimos em Lua de Papel e A Última Sessão de Cinema assim como o fez nesse Essa Pequena é Uma Parada, filme que ele chamou de “o meu Howard Hawks” pela homenagem e proximidade artística do filme com o clássico Levada da Breca dirigido por Hawks em 1938.

Terceira maior bilheteria americana de 1972 (a maior foi a do O Poderoso Chefão), Essa Pequena é Uma Parada é uma dessas comédias situacionais que eu associo imediatamente a monstros do humor como o Roberto Benigni. As confusões do barulho aqui estão todas centradas em uma mala, ou melhor, em 4 valises exatamente iguais. Uma delas contém roupas e objetos pessoais, a outra pedras de valor arqueológico, uma terceira está lotada de joias e a última guarda documentos secretos do governo. Em uma daquelas coincidências maravilhosas que só a ficção nos oferece, as 4 malas e seus donos (e também os interessados em furtá-las) vão parar todos em um mesmo hotel que está recebendo uma Convenção de Músicos. Howard Bennister (Ryan O’Neal), o dono da mala cheia de roupas, é um dos concorrentes na convenção ao prêmio de 20 mil dólares. Tímido e um tanto quanto paranóico, o músico vê suas chances ao prêmio diminuirem e aumentarem ao mesmo tempo devido a intervenção de Judy Maxwell (Barbra Streisand), uma pequena diabinha loira de olhos azuis que surge do nada e passa a atormentá-lo. Enquanto Howard tenta livrar-se de Judy, os outros personagens envolvem-se em todo o tipo de  mal entendidos, constrangimentos e confusões possíveis na tentativa de roubarem as malas uns dos outros.

Essa Pequena é Uma Parada - Cena

Conheci o trabalho do Hawks esses dias quando assisti o Os Homens Preferem as Loiras e algo que me chamou a atenção nele foi justamente a forma simples e agradável utilizada para rodar o filme. Câmeras fixas, piadas leves e closes que valorizam as expressões faciais dos atores são elementos que ajudam o trabalho do Hawks a fluir fácil e que o Bogdanovich, ao comparar seu filme ao do veterano, utilizou para criar as muitas situações cômicas de Essa Pequena é Uma Parada. A cena acima, por exemplo, é um diálogo relativamente banal onde Howard tenta explicar para seu anfitrião que Judy não é quem ele imagina ser. A mesma imagem que captura o embaraço de Howard é aquela que mostra o prazer de Judy por colocar o “amigo” em apuros. Ele gagueja e tropeça nas palavras até que ela chama-o para uma conversa debaixo da mesa, a qual juntam-se todos os outros convidados. Uma simples troca de câmera produz o efeito humorístico quando vemos, ao longe, todos os personagens sentados em suas cadeiras com a cabeça debaixo do pano.

Quando opta por utilizar seu conhecimento sobre cinema para fazer cinema, Bogdnovich revisita lugares comuns, como a perseguição envolvendo todos os personagens que atencede a última cena do filme. O resultado agrada pela familiaridade que o público possui com tais cenas mas também pelo cuidado que ele tem ao reconstruí-las e pelos elementos que ele introduz ali, como a indiferença do pessoal da escada e do vidro que trabalham alheios ao desespero dos personagens, o dragão chinês e o final improvável em que todos os carros (e a bicicleta de Howard e Judy) encontram ao saltar do píer. Os esteriótipos também funcionam muitíssimo bem quando usados na construção dos personagens, como a mulher EXTREMAMENTE irritante de Howard e o rival do mesmo no concurso, um professor de música pedante que acaba desmascarado na frente de todos. Bogdanovich nunca quis reiventar a roda, tudo que eu li sobre ele no livro citado no início dá a entender que seu grande desejo era fazer parte daquele mundo de diretores e atores que ele admirava desde pequeno quando frequentava as salas de cinema de sua cidade. Essa Pequena é Uma Parada é exatamente isso, uma comédia feita por alguém que conhecia várias comédias e, por gostar do que viu, quis fazer algo semelhante. Como a fonte onde ele bebeu é boa, o resultado agrada e garante uma boa sessão para um sábado a tarde.

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