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Trumbo – Lista Negra (2015)

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Trumbo - Lista NegraVocê é ou já foi comunista? Faça o teste oficial respondendo a pergunta abaixo:

  • Mamãe faz o seu lanche favorito. Sanduíche de queijo e presunto. Na escola, você vê alguém sem lanche algum. O que você faz? Divide? Diz para ele arrumar um trabalho? Oferece um empréstimo a 6%? Simplesmente o ignora?

Você divide? Ah, sua pequena comunista!

E, com esta brincadeira, Dalton Trumbo (Bryan Cranston) mostra para a filha que ela também é um pouco comunista 😀 Obviamente, trata-se de uma simplificação jocosa, mas, naquela época, em 1947, o famoso roteirista ainda não tinha motivos para tratar com mais seriedade a paranoia de seus conterrâneos contra o comunismo: a 1° emenda da constituição americana garantia a liberdade de expressão e o direito de livre associação para todos. Trumbo não imaginava, porém, que a disputa ideológica entre EUA e URSS acirraria-se nos próximos anos e obrigaria-o a negar a sua própria identidade e convicções políticas para conseguir sobreviver aos terríveis anos em que o macartismo e a Lista Negra de Hollywood assombrariam a vida de quem declarava-se “comunista” nos Estados Unidos.

Trumbo – Lista Negra, longa do diretor de comédias Jay Roach (da série Entrando Numa Fria), é um desses filmes feitos para agradar em cheio os fãs mais dedicados de cinema. Roach recria os bastidores de Hollywood para homenagear a incrível história de um homem que, apesar de ter vencido o Oscar duas vezes (Melhor Roteiro por Arenas Sangrentas e A Princesa e o Plebeu), não pode receber nenhuma das estatuetas. Motivo? Trumbo, que fora condenado por ter ligações com o movimento comunista estadunidense, só conseguia vender seus roteiros através de pseudônimos, logo ele não podia comparecer nas premiações. Não é apenas por essa deliciosa metalinguagem, no entanto, que o filme merece sua atenção: temos aqui uma produção que cumpre o importantíssimo papel de reabrir uma ferida antiga da história norte americana para que as dores provocadas por ela não sejam esquecidas e nem repetidas pelas novas gerações.

Trumbo - Lista Negra - Cena 4Talvez por saber que hoje em dia é difícil falar de comunismo para o público sem despertar uma infinidade de reações boçais, o diretor abre o filme explicando o contexto que estimulou vários americanos a aderirem à ideologia soviética na década de 40. Após a Quebra da Bolsa de NY em 1929 e o período de instabilidade econômica conhecida como “Grande Depressão” que seguiu-se, o comunismo praticado em solo russo surgiu como uma possível alternativa para o capitalismo americano que acabara de dar sinais de esgotamento. Assim sendo, Trumbo e outros tantos roteiristas, atores e diretores de Hollywood filiaram-se ao Partido Comunista Americano. Inicialmente, os direitos civis deles foram respeitados, mas o orgulho nacional recuperado com a vitória na Segunda Guerra Mundial e o início da Guerra Fria levantaram suspeitas sobre suas atividades políticas. Acusados pelo senador Joseph McCarthy de usarem os filmes para “envenenarem a mente dos americanos”, Trumbo e seus companheiros foram intimados a deporem no senado e, por recusarem-se a “cooperarem” com as investigações, acabaram presos.

Trumbo - Lista Negra - Cena 3Como o verdadeiro foco de Trumbo é abordar as consequências reais da paranoia e da histeria política, tanto esta contextualização quanto a ida do roteirista para a cadeia são mostradas rapidamente. Nos primeiros minutos da trama, o diretor nos leva até festas e gravações de filmes onde é possível perceber a crescente rejeição ao comunismo pela população e pelas pessoas envolvidas com o mundo do cinema. Trumbo é ofendido na frente da própria família por um homem descontrolado e vê a colunista Hedda Hopper (Helen Mirren) e o ator John Wayne (David James Elliott) ajudarem a criar a “Aliança de Filmes pela Preservação dos Ideais Americanos”, uma entidade que lutou pela censura e exclusão dos trabalhos dos comunistas de Hollywood.

O que era e deveria ser encarado apenas como uma divergência política, algo fundamental para o bom funcionamento da democracia, é então criminalizado e Trumbo é enviado para a cadeia. Desnecessário falar dos predicados do Bryan Cranston para quem assistiu a série Breaking Bad, mas quem acha que ele nunca dissociará-se da imagem do icônico Walter White surpreenderá-se com o quão rápido ele nos faz aceitá-lo em outro papel. A última metade do filme exige muito do ator, visto que Trumbo experimenta todo o tipo de alegrias e humilhações (reparem na sensação de impotência absoluta no rosto dele na cena da revista na prisão) que levam-no desde a descrença total até o regozijo da vitória, e Cranston não decepciona, fazendo-nos alternar constantemente entre o amor e ódio pelo personagem.

Pela relevância do tema e pela qualidade do material, considero uma verdadeira bizarrice a pouca atenção dada pela Academia ao filme. Trumbo, que definitivamente não é um veículo panfletário para nenhuma ideologia (o roteiro critica, por exemplo, tanto a hipocrisia dos defensores do capitalismo quanto a falta de praticidade dos comunistas), recria momentos importantes e emocionantes da história do cinema, como as polêmicas que envolveram as filmagens e o lançamento do Spartacus do Kubrick, faz referência a uma infinidade de produções do período (gostei demais de tudo que envolveu o John Goodman e os filmes B) e mostra o poder do exemplo de um homem que, em um momento de dificuldade, apoiou-se na família, nos amigos e no próprio talento para ajudar a derrotar a Lista Negra de Hollywood, episódio vergonhoso e inaceitável da história da indústria cinematográfica (que vergonha, John Wayne!).

Pela justa homenagem que presta ao roteirista, pela defesa que faz da liberdade de expressão e pela divertida jornada através dos bastidores de Hollywood, Trumbo merecia mais do que apenas uma indicação ao Oscar (Melhor Ator pela atuação do Cranston): ao meu ver, ele poderia tranquilamente substituir o A Grande Aposta, o Brooklyn, o Ponte dos Espiões ou o Spotlight na categoria de Melhor Filme. Foram injustos com o roteirista no passado, estão sendo injustos agora com o filme sobre ele: a Academia, pelo jeito, continua receosa com material sobre os “comedores de criancinhas”. Que vergonha!

Trumbo - Lista Negra - Cena 2