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Essa Pequena é Uma Parada (1972)

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Essa Pequena é Uma ParadaEsse é um filme do Peter Bogdanovich, diretor que eu conheci lendo o Como a Geração Sexo, Drogas e Rock’n”Roll Salvou Hollywood e que eu apresentei para os leitores do blog na resenha do Na Mira da Morte. Amante e especialista na Era de Ouro de Hollywood, Bogdanovich tem um estilo “clássico” de filmar e de dirigir os atores que muito me agrada. Acusaram-no várias vezes (assim como acusam o Tarantino) de copiar filmes antigos e emular o estilo de seus diretores, mas eu ainda prefiro entendê-lo (e é isso que eu sinto quando assisto seus trabalhos) como uma apaixonado por cinema que utiliza prazerosamente a metalinguagem seu favor. Criando em cima de outras obras, Bogdanovich atingiu resultados interessantíssimos em Lua de Papel e A Última Sessão de Cinema assim como o fez nesse Essa Pequena é Uma Parada, filme que ele chamou de “o meu Howard Hawks” pela homenagem e proximidade artística do filme com o clássico Levada da Breca dirigido por Hawks em 1938.

Terceira maior bilheteria americana de 1972 (a maior foi a do O Poderoso Chefão), Essa Pequena é Uma Parada é uma dessas comédias situacionais que eu associo imediatamente a monstros do humor como o Roberto Benigni. As confusões do barulho aqui estão todas centradas em uma mala, ou melhor, em 4 valises exatamente iguais. Uma delas contém roupas e objetos pessoais, a outra pedras de valor arqueológico, uma terceira está lotada de joias e a última guarda documentos secretos do governo. Em uma daquelas coincidências maravilhosas que só a ficção nos oferece, as 4 malas e seus donos (e também os interessados em furtá-las) vão parar todos em um mesmo hotel que está recebendo uma Convenção de Músicos. Howard Bennister (Ryan O’Neal), o dono da mala cheia de roupas, é um dos concorrentes na convenção ao prêmio de 20 mil dólares. Tímido e um tanto quanto paranóico, o músico vê suas chances ao prêmio diminuirem e aumentarem ao mesmo tempo devido a intervenção de Judy Maxwell (Barbra Streisand), uma pequena diabinha loira de olhos azuis que surge do nada e passa a atormentá-lo. Enquanto Howard tenta livrar-se de Judy, os outros personagens envolvem-se em todo o tipo de  mal entendidos, constrangimentos e confusões possíveis na tentativa de roubarem as malas uns dos outros.

Essa Pequena é Uma Parada - Cena

Conheci o trabalho do Hawks esses dias quando assisti o Os Homens Preferem as Loiras e algo que me chamou a atenção nele foi justamente a forma simples e agradável utilizada para rodar o filme. Câmeras fixas, piadas leves e closes que valorizam as expressões faciais dos atores são elementos que ajudam o trabalho do Hawks a fluir fácil e que o Bogdanovich, ao comparar seu filme ao do veterano, utilizou para criar as muitas situações cômicas de Essa Pequena é Uma Parada. A cena acima, por exemplo, é um diálogo relativamente banal onde Howard tenta explicar para seu anfitrião que Judy não é quem ele imagina ser. A mesma imagem que captura o embaraço de Howard é aquela que mostra o prazer de Judy por colocar o “amigo” em apuros. Ele gagueja e tropeça nas palavras até que ela chama-o para uma conversa debaixo da mesa, a qual juntam-se todos os outros convidados. Uma simples troca de câmera produz o efeito humorístico quando vemos, ao longe, todos os personagens sentados em suas cadeiras com a cabeça debaixo do pano.

Quando opta por utilizar seu conhecimento sobre cinema para fazer cinema, Bogdnovich revisita lugares comuns, como a perseguição envolvendo todos os personagens que atencede a última cena do filme. O resultado agrada pela familiaridade que o público possui com tais cenas mas também pelo cuidado que ele tem ao reconstruí-las e pelos elementos que ele introduz ali, como a indiferença do pessoal da escada e do vidro que trabalham alheios ao desespero dos personagens, o dragão chinês e o final improvável em que todos os carros (e a bicicleta de Howard e Judy) encontram ao saltar do píer. Os esteriótipos também funcionam muitíssimo bem quando usados na construção dos personagens, como a mulher EXTREMAMENTE irritante de Howard e o rival do mesmo no concurso, um professor de música pedante que acaba desmascarado na frente de todos. Bogdanovich nunca quis reiventar a roda, tudo que eu li sobre ele no livro citado no início dá a entender que seu grande desejo era fazer parte daquele mundo de diretores e atores que ele admirava desde pequeno quando frequentava as salas de cinema de sua cidade. Essa Pequena é Uma Parada é exatamente isso, uma comédia feita por alguém que conhecia várias comédias e, por gostar do que viu, quis fazer algo semelhante. Como a fonte onde ele bebeu é boa, o resultado agrada e garante uma boa sessão para um sábado a tarde.

O'Neal e Sreisand, a loira feia mais bonita do cinema

O’Neal e Streisand, a loira feia mais bonita do cinema

Na Mira da Morte (1968)

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O diretor Peter Bogdanovich conseguiu transformar em realidade o sonho de muitos cinéfilos: apaixonado por cinema, Bogdanovich aproximou-se de Hollywood escrevendo críticas de cinema e frequentando festas onde circulavam pessoas do meio. Tendo chamado a atenção do também diretor Roger Corman (Viagem ao Mundo da Alucinação), Bogdanovich recebeu a chance de dirigir seu primeiro filme quando Corman precisou de alguém para trabalhar em um projeto de baixo orçamento que envolve-se o ator Boris Karloff. Karloff, que nessa época já vivia o ostracismo de uma carreira estigmatizada por sua interpretação no Frankenstein, devia algumas horas de trabalho para Corman e então coube a Bogdanovich utilizá-lo em um filme que não ultrapassasse a quantia de $130.000,00, orçamento baixíssimo digno dos filmes B que fizeram a carreira de Corman. Desse projeto nasceu o excelente Na Mira da Morte.

Boris Karloff da vida a Byron Orlok, um ator decadente de filmes de terror (não, não é coincidência) que sente-se deslocado em um mundo onde as pessoas não sentem mais medo daquele terror clássico baseado principalmente em monstros e criaturas sobrenaturais. Disposto a se aposentar, Byron deve cumprir um último compromisso: comparecer em um drive in para a sessão de lançamento do último filme em que ele atuou, o qual, aliás, dentro da trama também foi dirigido por um diretor em início de carreira interpretado pelo próprio Bogdanovich. Enquanto isso, um cidadão aparentemente comum (Tim O’Kelly, que é a cara do Matt Damon) surta e, armado com um arsenal composto por rifles e espingardas, começa a matar pessoas aleatoriamente, começando por sua própria família.

Se o também estreante Dennis Hopper captou o clima de incerteza política e agitação social da década de 60 com o clássico Sem Destino, Bogdanovich fez de Na Mira da Morte um registro da mudança do medo no imaginário social dessa mesma década. Baseando-se na história do assassino Charles Whitman, que em 1966 matou 14 pessoas e feriu outras 32 em um tiroteio dentro de uma universidade americana, Bogdanovich aproveita ainda o eco dos assassinatos de John F. Kennedy (1963) e Martin Luther King (1968) para contar uma história de terror onde o medo desloca-se do eixo sobrenatural para as maldades cometidas pelo próprio homem, para o risco que representava o retorno de soldados traumatizados pela Guerra do Vietnã para a sociedade.

O fato do diretor ser estreante só pode ser percebido devido as influências e homenagens a outros diretores presentes ao longo do filme, algo deveras típico no trabalho de alguém que possui um vasto conhecimento e estava só esperando a oportunidade para usá-lo. O roteiro maduro (escrito com Polly Platt, com quem o diretor era casado na época) e a direção de Bogdanovich utilizaram o orçamento limitado da melhor forma possível e, além de produzir cenas memoráveis como aquela onde o atirador mata pessoas na auto-estrada do alto de um tanque de gasolina, arrancou uma atuação autobiográfica maravilhosa do Boris Karloff.

Na Mira da Morte, é um filme para ser celebrado. Além de ser uma obra emblemática de sua época, marca a estréia de um diretor que faria os ótimos A Última Sessão de Cinema e Lua de Papel e pode ser considerado como o último suspiro da carreira do lendário Boris Karloff.

Matt D… quer dizer, Tim O’Kelly