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O Mestre dos Gênios (2016)

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o-mestre-dos-geniosO WordPress, plataforma que hospeda o Já viu esse?, me enviou hoje uma notificação genérica de parabéns pelos 6 anos do blog. É muito tempo. É tanto tempo, aliás, que não posso mais negar que me tornei um escritor.

Sei que isso pode soar forçado, mas não é fácil reivindicar tal título. Na cabeça de muita gente, inclusive na minha até há pouco tempo, escritores “de verdade” são aqueles que já publicaram livros que podem ser encontrados nas livrarias. Assim sendo, como um sujeito me disse um dia desses com uma dose cavalar de arrogância, eu não poderia ser considerado um escritor, mas apenas um “blogueiro”, certo?

Sim, eu sou um blogueiro e não há nada de depreciativo nisso. Possuo um blog e procuro mantê-lo atualizado com muito carinho e dedicação. O fato de eu registrar meus pensamentos em uma plataforma virtual e não em um formato físico para comercialização, porém, não diminui o brilho ou a importância do que faço. O ato de escrever, acredito, depende muito mais da habilidade de conseguir comunicar algo a outrem, de ser apaixonado por transformar sentimentos em palavras, do que simplesmente ser publicado por alguma editora. É óbvio que eu gostaria que meus textos tivessem um alcance maior, mas por ora contento-me que eles contenham um pouco do que há dentro do meu coração. Há verdade no que escrevo, e isso e os 6 anos de dedicação são mais do que suficientes para que eu possa me reconhecer como escritor  😀

Não comecei esta resenha com o tema da escrita por acaso. O Mestre dos Gênios, filme que assisti no Cine Cultura de Brasília e que revi ontem com minha esposa, é baseado em fatos reais e conta a história do editor Max Perkins (Colin Firth), um homem que ajudou a dar forma a diversos clássicos da literatura norte americana. Entre outros, Max editou livros como O Grande Gatsby, do F. Scott Fitzgerald (Guy Pearce) e O Sol Também se Levanta, do Ernest Hemingway (Dominic West). A trama conduzida pelo diretor Michael Grandage dá conta do encontro de Max com Thomas Wolfe (Jude Law), um jovem escritor que procurava uma editora que acreditasse no poder de sua prosa musical e poética.

Não sei se vocês repararam, mas eu escrevi ali atrás que assisti O Mestre dos Gênios duas vezes nos últimos dias. Gostei MUITO do filme, daí resolvi vê-lo novamente tanto para compartilha-lo com minha esposa quanto para que eu pudesse escrever um texto mais completo e digno de todas as emoções que senti. Mesmo sem nunca ter lido nada do Thomas Wolfe, identifiquei-me muito com as qualidades e defeitos que o filme atribui ao escritor, de modo que assisti o filme todo como se eu estivesse olhando para um espelho. Encontrei muita coisa boa, mas também tive muitas oportunidades de repensar alguns atos e posturas.

Encantado com o estilo original de Wolfe, Max decide transformar o gigantesco manuscrito que ele recebeu em um livro publicável. O trabalho do editor consiste em lapidar as ideias do escritor de modo que elas tornem-se mais atrativas para o público, e isso as vezes inclui cortar trechos e tornar sucintos parágrafos que estenderam-se além do necessário. O problema é que Wolfe não é nenhum pouco sucinto. A beleza da escrita dele, aliás, está justamente nos muitos floreios descritivos e nas longas digressões de seus personagens. As discussões entre editor e escritor pela versão final do livro, bem como as consequências que o trabalho exaustivo da dupla tem em seus relacionamentos com suas respectivas esposas (Laura Linney e Nicole Kidman), ditam o ritmo do filme, que ainda traz valiosas citações à outras obras, como o Guerra e Paz do Tolstói (fiquei feliz por conhecer o livro e entender as referências rs), e uma boa parte dedicada ao F. Scott Fitzgerald. Resumindo, é um filme que deve agradar em cheio quem gosta de ler e escrever.

o-mestre-dos-genios-cena-2O Mestre dos Gênios é protagonizado pelo Max Perkins, mas fiquei encantado mesmo foi pela paixão e pela força criativa do Thomas Wolfe. Mesmo que alguns trechos dos livros dele que são lidos durante o filme não sejam o tipo de material que eu gosto (a escrita descritiva e minuciosa me lembrou o José de Alencar, cujo Til, de 234 páginas, eu tento terminar sem sucesso há incríveis 5 meses), não pude deixar de admirar o amor do personagem pela escrita e a determinação quase doentia que ele dedica a ela. Tudo que Thomas faz, incluindo seu relacionamento com o pai, as brigas com a mulher e suas noitadas ouvindo jazz e bebendo whiskey, tudo mesmo pode ser sentido na cadência de suas frases e na paixão de suas palavras. Ele escreve textos longos porque há dentro dele todo um universo de percepções gritando para serem colocadas pra fora. A cena em que ele discute com Max para dar forma a um capítulo onde um personagem apaixona-se é verdadeiramente fascinante.

o-mestre-dos-genios-cena-4Por outro lado, Thomas Wolfe também não deixa de ser um exemplo do que não fazer. Ele é divertido e talentoso, mas também mostra-se bastante egoísta e vaidoso quando as críticas positivas de seu livro começam a aparecer. Ao longo do filme, Wolfe acusa Max de deformar sua obra e é extremamente cruel com o Fitzgerald, que ele humilha durante um jantar tenebroso. O que mais chama atenção negativamente, porém, é o relacionamento dele com Aline, personagem da Nicole Kidman. Aline ajudou Wolfe a sair do anonimato, dando-lhe dinheiro e apoiando-lhe emocionalmente, apenas para ser ignorada por ele após o sucesso de seu primeiro livro. A indiferença dele para com o trabalho e os sentimentos dela, reflexo do egoísmo de seu caráter, é algo que faz Max repensar o jeito que ele também estava tratando sua esposa e suas filhas. Eis uma bela oportunidade para fazermos o mesmo: avaliar se não estamos deixando nossa dedicação ao trabalho e/ou projetos pessoais atrapalharem nossas relações familiares e nossas amizades.

Eu ficaria bastante satisfeito se o Jude Law fosse indicado ao Oscar ou ao Globo de Ouro pelo que ele fez aqui, o que tanto coroaria a ótima atuação dele quanto daria mais visibilidade para o filme. Se isso não acontecer, já considero-me realizado por ter assistido O Mestre dos Gênios no Cine Cultura, um local para o qual todos os elogios são insuficientes, e por me identificar tanto com os temas tratados pelo filme, sinal de que o amor pelo cinema e pela literatura continuam vivos dentro da minha alma de cinéfilo e de escritor.

Genius (2016) Jude Law and Colin Firth

Anna Karenina (2012)

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Anna KareninaPrecisei de quase 7 meses para concluir a leitura do monumental Ana Karênina do Tolstói. Tal qual a outra obra prima do escritor russo, Guerra e Paz (que rendeu uma adaptação sofrível para o cinema), este romance é considerado um dos pilares da literatura mundial e lê-lo, apesar de prazeroso, exige tempo e paciência. O exemplar que eu tenho, uma edição em capa dura da editora Nova Cultural, tem 654 páginas com uma média de 400-500 palavras cada uma. É MUITA informação e, para quem não está familiarizado com o trabalho do cara, vale dizer também que ele não costuma ir, por assim dizer, “direto ao ponto”. Vários capítulos do livro em questão são extensas e detalhadas descrições psicológicas e visuais dos personagens e dos cenários em que eles vivem seus dramas. Dono de um dos maiores dons narrativos que esse mundo já viu, Tolstói nos fornece visões belas e precisas daquilo que ele está falando, mas não foram poucas as vezes que me peguei entediado, por exemplo, lendo sobre pormenores da constituição arbórea de uma floresta localizada nas proximidades da casa de um dos personagens.

Todo caso, concluída a leitura, não tive dúvidas de que eu acabara de apreciar uma dessas obras geniais sobre as muitas inquietações que afligem o espírito humano. Karênina, a aristocrata que dá título ao livro, tem todas as suas dúvidas, desejos e inseguranças esmiuçadas por Tolstói, mas a atenção que o escritor também dedica a outros personagens e temas, como o fazendeiro Liêvin e seus questionamentos religiosos e existenciais, fazem  do romance um verdadeiro estudo psicológico e social da sociedade russa daquele período cujas conclusões soam incrivelmente atuais. Essa atemporalidade, aliás, pode ser comprovada através das várias adaptações que o texto recebeu ao longo dos anos para TV e cinema (o IMDB lista pelo menos 10 títulos). É da mais recente dessas adaptações que falo a partir de agora e, para o poder fazer com todos os detalhes que desejo, não evitarei o uso de SPOILERS, ok?

Anna Karenina - CenaOblonski (Matthew Macfadyen) traiu a esposa, Dolly (Kelly Macdonald), e, para evitar o divórcio, solicitou que sua irmã, Ana Karênina (Keira Knightley), viesse até sua casa acalmar a mulher. Ana viaja, resolve o problema e então é convidada para o baile de Kitty (Alicia Vikander), irmã de Dolly. Durante a festa, ela, que é casada com o funcionário público Alieksiei Alieksándrovitch (Jude Law), desperta os sentimentos do Conde Vronski (Aaron Taylor-Johnson), pretendente de Kitty que, por sua vez, acabara de dar um fora no sincero e rústico Liêvin (Domhnall Glesson)….

… entendeu? Não?!? Calma lá, o roteiro não é tão complicado assim, o difícil é resumi-lo em tão poucas linhas. Basicamente, Anna Karenina (aqui utilizo o título oficial do IMDB, mas manterei os nomes dos personagens tal qual eles estão no livro) gira em torno da traição de Ana, que abandona o marido, Alieksiei, para viver com o bonitão Conde Vronski. Paralelamente, acompanhamos o personagem Liêvin e suas divagações enquanto ele tenta casar-se com Kitty.

Anna Karenina - Cena 3Responsável pela tarefa inglória de transformar o longo e detalhado texto do Tolstói em um filme de 2 horas, o diretor Joe Wright (Hanna) optou por simplificar ao máximo os eventos chaves da história e dar-lhes vida através de uma experiência visual criativa e arrebatadora. Assim sendo, as várias paisagens rurais e urbanas descritas por Tolstói são substituídas por cenários de estúdio que vão sendo montados a medida que os personagens movimentam-se através deles. Ainda que, inicialmente, eu tenha torcido o nariz para esse artifício (que é aliado a temas musicais majoritariamente felizes, descaracterizando o clima ‘sério’ da trama), acabei me rendendo a beleza que a técnica imprime a história. O visual como um todo, aliás, é impecável, tanto que Anna Karenina levou o Oscar de Melhor Figurino de 2013 e concorreu nas categorias de Melhor Design de Produção e Melhor Fotografia.

Anna Karenina - Cena 5Wright enche nossos olhos com bailes grandiosos e, suponho, consegue entreter quem não conhece o livro, mas, como fiz a leitura do mesmo, não posso evitar comparar os dois produtos e relatar o abismo que há entre eles no quesito roteiro. Sim, eu sei que adaptações, necessariamente, sacrificam passagens, personagens e a profundidade de certos sentimentos. Se o Tolstói gasta diversos capítulos de sua obra construindo a personalidade complexa e contraditória de Ana Karênina, uma mulher que vai do auto controle/discurso moralista para a completa paranoia ao longo da trama, não poderíamos esperar que o diretor conseguisse, em pouco mais de 2 horas, reproduzir todas aquelas digressões e mudanças paulatinas de comportamento tal qual acontece no livro. Isso é compreensível, mas, considerando que esse definhamento psicológico e as contradições do discurso (o que Ana fala sobre traição para Dolly no início soando extremamente hipócrita frente aos ataques de ciúmes dela no fim), mais do que os eventos contidos na história, são o que REALMENTE importam aqui, a opção do diretor e dos roteiristas por mostrar as grandes cenas da história, como a rejeição pública que Ana sofre na ópera e o fim trágico que ela encontra na estação de trem, é infeliz e insuficiente.

Anna Karenina - Cena 4Outro erro, esse talvez fruto de preciosismo decorrente das imagens mentais que o livro me forneceu, é a escolha dos 3 atores principais. Ana é descrita por Tolstói como um furacão, uma mulher extremamente sedutora que em nada lembra a frágil Keira Knightley. A atriz, aliás, está completamente equivocada no papel, dando ao descontrole emocional de Ana os mesmos traços de histeria que ela deu para sua personagem no Um Método Perigoso. Aaron Taylor-Johnson, o Kick Ass do filme de mesmo nome, também não é o galante e viril Vronski, o homem cujo charme foi capaz de fazer com que Ana abandonasse o marido, o filho e enfrentasse toda a conservadora sociedade russa para viver um romance. Por fim, Domhnall Glesson também não convence como Liêvin. O meu personagem favorito do livro, um sujeito indeciso que é atormentado por uma infinidade de questões existenciais, aqui é mostrado apenas como um bobão.

Mesmo ciente de que as expectativas e impressões construídas ao longo de 7 meses não poderiam serem saciadas em uma sessão de 2horas, devo condenar essa adaptação devido a superficialidade que ela toca nos temas ligados a alma humana que o Tolstói explora tão bem em sua obra. A Ana Karenina, personagem do escritor, é uma mulher transgressora que arrisca tudo para resgatar a emoção de viver. Ela surta ao longo do processo e comete alguns atos reprováveis, mas ainda assim somos capazes de simpatizar com ela. Já a Ana Karenina mostrada no filme do Wright é apenas uma aristocratazinha mimada e detestável da qual só conseguimos sentir repulsa. Por mais trabalhosa que seja a leitura, os sabores do livro, quando comparados aos desse filme, provam-se infinitamente superiores.

Anna Karenina - Cena 2

O Grande Hotel Budapeste (2014)

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O Grande Hotel BudapesteDesde a criação desse blog, realizei a cobertura de 4 Oscars, e TODO ano é exatamente a mesma coisa: no final de dezembro/começo de janeiro saem os indicados ao Globo de Ouro (conhecidamente uma prévia da festa realizada pela Academia) e o desespero para ver e resenhar todos os títulos antes da premiação começa. Esse ano, aliás, foi um dos mais sofridos nesse sentido pois, além de ter acabado de casar, eu estava completamente sem tempo conduzindo algumas obras em casa. No final, tudo deu certo e eu acabei realizando um dos meus melhores trabalhos até então (consegui ver até um documentário), mas definitivamente não quero passar por essa canseira de novo. Pensando nisso, decidi começar a procurar por concorrentes em potencial desde já, o que me levou até esta página. A maioria dos títulos aí listados ainda não está disponível e, claro, até o momento, tudo não passa de especulações, porém, mesmo assim, decidi confiar e explorar a lista desejando profundamente que o esforço me ajude a evitar a habitual fadiga do começo do ano. Dito isso, declaro aberta a cobertura do Oscar 2015 (UHULLL!!!! rs) e lhes apresento o O Grande Hotel Budapeste.

O Wes Anderson é conhecido por criar personagens caricaturais e por apoiar sua narrativa em recursos visuais, tais como caixas de texto, cores fortes e edição marcante, que dão a seus filmes um divertido tom de fábula. Mais do que isso, Anderson também costuma apresentar pontos de vista incomuns sobre os temas que ele escolhe para trabalhar, e um bom exemplo disso é a inversão de maturidade entre adultos e crianças que ele promove no Moonrise Kingdom. O ponto aqui é que, indiscutivelmente, estamos falando de um diretor criativo, daqueles de quem sempre podemos esperar algo no mínimo “diferente” quando vamos assistir um de seus filmes, e é exatamente isso que O Grande Hotel Budapeste oferece desde a sua primeira cena.

O Grande Hotel Budapeste - Cena 3Sentado em uma biblioteca, um escritor divaga sobre o processo de criação literária. Segundo ele, ao contrário do que a maioria das pessoas acredita, os escritores não são fontes inesgotáveis de criatividade, sendo que grande parte do material que eles produzem é apenas o relato de alguma história que eles ouviram algures. Tendo acabado de publicar um livro chamado O Grande Hotel Budapeste, ele passa então a contar como tomou ciência daquilo que escreveu.

Quando esse escritor fala sobre o ato de escrever, temos um daqueles momentos que agradam imediatamente quem gosta de metalinguagem. Nota-se depois, no entanto, que não é exatamente isso que está acontecendo ali. O homem, que fala com propriedade para uma câmera como se estivesse gravando um documentário ou algo que o valha, tem o seu discurso interrompido o tempo todo por um de seus netos que está brincando no local. A inocência e a alegria do menino contrastam significativamente com o tom quase enfadonho do velho. Na hora que isso acontece, achei engraçado e só, mas depois (principalmente após um diálogo sobre motivações que acontece próximo ao final da trama) fui ficando cada vez mais convencido de que, por trás de todos aqueles gracejos, está um posicionamento do diretor contra a pomposidade metafórica e a retidão narrativa.

O Grande Hotel Budapeste - Cena 4Essa reflexão sobre o longa nasceu principalmente da vontade de compreender os motivos que levaram “especialistas” a colocarem-no entre os prováveis indicados ao Oscar. Digo isso porque, verdade seja dita, o fato de O Grande Hotel Budapeste criticar indiretamente um padrão de narrativa e/ou tentar reformulá-la é o menor de seus “atrativos”. O que é bom aqui, bom mesmo, são os tais personagens caricatos típicos do diretor e as situações absurdas em que ele coloca-os. A tal história que o escritor conta no início diz respeito aos dias gloriosos do Grande Budapeste Hotel, uma construção luxuosa comandada pelo excêntrico M. Gustave (Ralph Fiennes) localizada na fictícia República de Zubrowka. Gustave é um amante da literatura e das mulheres idosas que vê-se envolvido em uma conspiração após uma uma de suas muitas “namoradas” falecer e deixar-lhe uma fortuna. Auxiliado pelo garoto de recados do hotel, Zero (Tony Revolori), ele passa por um bocado de situações absurdas e perigosas enquanto tenta provar sua inocência e salvar a própria vida.

O Grande Hotel Budapeste - Cena 2Um amigo até havia me indicado esse filme no começo do ano mas, como eu estava um tanto quanto atarefado na época, acabei ignorando a dica, ainda mais por ele ter fundamentado-a em cima de elogios ao Ralph Fiennes, de quem nunca fui fã. Não que eu não goste dele, mas até hoje eu não havia visto nada de excepcional nele ao ponto de assistir um filme apenas porque ele está no elenco. De agora em diante, consigo me ver tranquilamente pesquisando a filmografia do cara e escolhendo algo para ver ou, no mínimo, ficando empolgado por ver o nome dele relacionado a alguma produção que eu for assistir. O Grande Hotel Budapeste também é um daqueles longas que contam com a participação de vários atores conhecidos (para citar apenas alguns, dão as caras por aqui F. Murray Abraham, Adrien Brody, Edward Norton, Willem Dafoe, Jude Law, Bill Murray, Saoirse Ronan, Harvey Keitel e Tilda Swinton), mas vê-lo é, sobretudo, ver o show que o Fiennes dá com suas caretas, gritos e citações literárias que ele dispara nos ouvidos do pobre Zero. Li que o personagem foi escrito para o Johnny Depp, e não há dúvidas que o ator faria um ótimo trabalho com sua conhecida excentricidade, porém é notório que o Fiennes aproveitou a chance para entregar uma das melhores interpretações de sua carreira. Obviamente, preciso ver o trabalho dos outros concorrentes ao Oscar de Melhor Ator antes de falar qualquer coisa mas, com base no que vi aqui, é possível dizer que ele concorreria com chances reais de vencer.

O Grande Hotel Budapeste - Cena 5À direção e roteiro inovadores do Wes Anderson e à interpretação genial do Fiennes, somam-se como atrativos ao filme as já comentadas participações de vários atores (é sempre prazeroso ver o F. Murray Abraham falando com aquele jeito cavalheiresco e o Bill Murray com sua eterna cara de tédio) e as piadas de humor nonsense que o diretor produz das situações mais inesperadas. Em um determinado momento, por exemplo, o personagem do Willem Dafoe (quase uma reedição do que ele fez no A Sombra do Vampiro) foge de Gustave e Zero em uma pista de esquiar. A movimentação dos personagens nessa cena é feita de uma forma tosca, meio lenta e anti natural, de modo que eles ficam parecendo brinquedinhos. Quando tu pega-se rindo da forma como as coisas/personagens movimentam-se em um filme, tu precisa reconhecer que algo deu certo. Levando isso tudo em consideração, torço para que O Grande Hotel Budapeste figure entre os indicados ao Oscar e ganhe o devido reconhecimento mas, caso isso não aconteça, já fico feliz por ter assistido um filme tão completo e divertido.

O Grande Hotel Budapeste - Cena

A Invenção de Hugo Cabret (2011)

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“Scorsese dirigirá um filme em 3D sobre um garoto que vive em uma estação de trem”, eis a primeira descrição que eu li do filme A Invenção de Hugo Cabret, produção que no próximo domingo (25/02) concorrerá em 11 categorias do Oscar de 2012 com chances reais de vencer como Melhor Filme e Melhor Diretor. A fé no Scorsese é grande, mas a minha primeira reação não foi das melhores possíveis visto o supra sumo do trabalho dele estar concentrado em temas mais “adultos”, coisas sutis como taxistas surtando, boxeadores viciados em cocaína e homens sendo baleados no rosto após saírem de um elevador. Se você também estava desconfiado, regozije-se: A Invenção de Hugo Cabret, de fato, parte de uma premissa infantil, mas o resultado final é uma homenagem ao mundo do cinema que só um diretor do calibre do Scorsese poderia fazer, um filme que, ao lado do O Artista, resgata a inocência e a beleza dos primórdios da história do cinema e as apresentam para esta geração.

Hugo Cabret (Asa Butterfield, de O Menino do Pijama Listrado) é um menino que vive em uma estação de trem da Paris da década de 30. Enquanto trabalha escondido consertando os relógios do local e foge do inspetor da estação (Sacha Baron Cohen, o Borat), Hugo junta pequenas peças e engrenagens para realizar seu sonho de reparar o autômato que ele ganhou de presente do pai (Jude Law em curta participação).

Bem, isso é o que vê-se na primeira metade do filme e, de certa forma, é o que o trailer anunciava. Fora as peripécias técnicas do Scorsese, com câmeras movimentando-se de formas inimagináveis e esplendorosas  pelos cenários e um 3D que o James Cameron, a autoridade em pessoa no assunto, teria dito ser o melhor que ele já viu, confesso que a história não me empolgou muito. Eis então que a identidade do dono da loja de brinquedos da estação é revelada e o roteiro apresenta seu verdadeiro potencial. Como não consuguirei prosseguir sem falar sobre essa revelação, fica o aviso sobre SPOILERS, certo?

Se o nome Méliès não é dos mais conhecidos atualmente, creio que a imagem acima de uma lua humanóide atingida no olho por uma bala/espaçonave goze de maior popularidade junto ao público tanto por sua singularidade quanto por aparecer quase que obrigatoriamente em tudo que está relacionado a “clássicos do cinema” (eu tive contato com a mesma pela primeira vez ao folhear as páginas do livro 1001 Filmes Para Ver Antes de Morrer do Steven Jay Schneider). A tal imagem é do Viagem à Lua, filme dirigido no longínquo ano de 1902 pelo francês George Méliès que, por acaso, é o dono da loja de brinquedos interpretado pelo Ben Kingsley em Hugo. Dado como morto durante a I Guerra Mundial, Méliès vive amargurado por suas obras terem caído no esquecimento. Junto do pesquisador Rene Tabard (Michael Stuhlbarg) e da amiga Isabelle (Chloe Grace Moretz), Hugo resolve o mistério do autômato, descobre um dos filmes do diretor e esforça-se para devolver alegria à sua vida.

Kingsley caracterizado como Méliès e Scorsese

A Invenção de Hugo Cabret não é apenas um filme sobre um diretor que outro diretor admira. O novo filme do Scorsese  é um tributo à magia de fazer e assistir filmes, um relato cheio de carinho àqueles primeiro filmes e ao contexto repleto de descobertas, curiosidades e experimentações que os envolveram.  Méliès, que começara a vida como ilusionista, impressiona-se com as primeiras imagens captadas pelos irmãos Lumière e decide montar um estúdio para fazer seus próprios filmes. Considerado o “pai dos efeitos especiais”, o diretor é mostrado enquanto usa todo o seu talento para elaborar cenários, efeitos pirotécnicos e edições que influenciariam toda uma geração de trabalhos posteriores mas, mais do que isso, vemos ele divertindo-se fazendo aquilo que ele amava ao lado de sua fiel esposa.

“Venham sonhar comigo!”, nos diz Scorsese através de Méliès. O convite, que é feito em uma das melhores cenas do ano, me comoveu profundamente. Estando hoje à frente de produções milionárias, não vejo o Scorsese como um porta voz da simplicidade, mas confio na sinceridade de alguém que dedicou uma vida ao cinema e que tenta resgatar o prazer de contar uma boa história através do exemplo de um de seus ídolos de infância.

Volto a citar essa entrevista do diretor, quando ele diz que “se nós atingirmos um em cada cem, ou um em cada mil, nós teremos feito algo importante”, para dizer que concordo com ele e para atestar que, com A Invenção de Hugo Cabret, ele me atingiu: procurarei os trabalhos do diretor George Mélies e será com grande prazer que ajudarei a divulgar os sonhos daquele que contribuiu significativamente para a criação de algo que eu verdadeiramente amo.

Venham sonhar comigo!

Sherlock Holmes: O Jogo de Sombras (2011)

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Uma das coisas que mais chamaram a atenção no primeiro Sherlock Holmes dirigido pelo Guy Ritchie foi o “vigor” apresentado pelo personagem do Robert Downey Jr. e o humor afiado do texto. Eu particularmente nunca li nenhum livro do Arthur Conan Doyle mas nem de longe eu imaginava o detetive inglês daquela forma. Lembro que, curioso para saber o quanto essa versão moderna assemelhava-se ao personagem original, procurei alguns artigos e resenhas feitas por pessoas que diziam conhecer os livros e, de forma geral, elas concordavam que os trejeitos do Downey Jr. representavam uma variação “aceitável” do detetive mas eram taxativas em apontarem o exagero das cenas de luta. Ao que parece, Holmes dominava vários estilos de luta, mas nada comparável as sequências de pancadaria propostas por Guy Ritchie.

Acho que não falo só por mim quando digo que essas semelhanças/diferenças, naquele caso, serviram mais como curiosidade do que como fatores determinantes na hora de apreciar o longa. Guy Ritchie fez um blockbuster respeitável, um filme que conseguiu equilibrar boas cenas de ação com uma narrativa divertida e um final inteligente. Sim, Holmes batia como um campeão, mas os momentos em slow motion onde ele calculava previamente o resultado de cada golpe reservaram alguma “intelectualidade” para o personagem e, por assim dizer, tornaram-se uma marca do filme, um de seus aspectos mais memoráveis. Ciente do material que tinha nas mãos e da lógica do mercado atual, Ritchie plantou elementos que denunciavam que a história ganharia uma continuação e cá estamos nós.

Assassinatos aparentemente desconexos são vistos por Sherlock Holmes (Robert Downey Jr.) como um complexo plano para colocar a Europa do século XIX em guerra. Ao lado do recém casado Dr. Watson (Jude Law), Holmes começa a investigar seu principal suspeito, o inteligente e misterioso Professor James Moriarty (Jared Harris). A empreitada leva-os de encontro a cigana Simza Heron (Noomi Rapace, que debuta em Hollywood após o sucesso da Trilogia Millennium) e revela a existência de um grupo anarquista que também está em interessado em impedir a guerra.

Bem, considerando que aqui não temos mais o fator “novidade” concernente aos personagens e ao estilo do diretor, devo dizer que O Jogo de Sombras é um tanto quanto decepcionante. As cenas de luta em câmera lenta aumentaram, o Downey Jr. parece ter pirado completamente e a trama ainda reserva uma pomposa reviravolta no final, ou seja, é mais do mesmo que já foi visto. Não sei se é o momento de fazer tal comparação mas, enquanto assistia o filme, eu não conseguia deixar de pensar que, aparentemente, está reservado para o futuro do Sherlock Holmes nos cinemas o mesmo caminho trilhado pelo Jack Sparrow no Piratas do Caribe. O que começou como uma franquia atrativa capitaneada pelo talento de um ator extraordinário converteu-se em continuações cada vez mais dependentes das excentricidades desse ator, relegando a história um papel secundário desestimulante. A perseguição ao Professor James Moriarty, alardeada no trailer como uma aventura para salvar toda a Europa, acaba sendo o que menos importa em um filme repleto de boas piadas e situações cômicas. Divertido? Sim, mas é um caminho que não  acrescentou nada ao filme original e que, sinceramente, não me levaria ao cinema novamente a não ser pela vontade de manter-me atualizado.

Tirinha sintomática encontrada na net. Créditos: http://atmosphera2.blogspot.com/

Contágio (2011)

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Quando rolou toda aquela confusão da gripe suína, eu fiquei do lado do grupo que não viu motivo para entrar em pânico, usar máscaras protetoras ou tomar banho em álcool em gel. Lembro perfeitamente de receber emails falando de conspirações do governos para esconder a gravidade do problema (alguns com prints do Google Maps com imagens do que seria uma estoque gigantesco de caixões comprados pelos EUA) e de um cidadão querendo brigar comigo porque eu espirrei em um local público. Eu JURO que não foi por querer.

Em Contágio, fala-se da gripe suína como um problema que já foi superado. A americana interpretada pela Gwyneth Paltrow viaja para o leste asiático e retorna para casa contaminada com um novo tipo de vírus. Tudo aquilo que temeu-se relacionado ao H1N1 então torna-se realidade: o vírus espalha-se com uma taxa de mortalidade altíssima, a população entra em pânico e o governo, incapaz de encontrar a cura, mostra-se inábil para lidar com o caos social que instala-se no mundo.

As referências não poderiam ser mais claras: Contágio é um exercício imaginativo do diretor Steven Soderbergh sobre as consequências da proliferação de um vírus desconhecido no mundo. Pegando carona em nossa experiência recente com a gripe suína, Soderbergh usa de sua tradicional não-linearidade temporal para ir e voltar no tempo intercalando os vários estágios do comportamento humano frente aquilo que é novo. A doença, que inicialmente é tratada com ceticismo até mesmo pelos jornalistas, evolui em uma velocidade impressionante, pega todo mundo de surpresa e provoca reação variadas na população: temos aqueles que procuram encarar tudo da forma mais objetiva possível, temos aqueles que procuram ganhar dinheiro com a situação, pessoas cujo instinto de sobrevivência levam-nas a cometer loucuras e aqueles que tentam fazer algo para resolver o problema.

Acreditem: essa mulher é um dos personagens mais chatos dos últimos anos

Gostei muito da forma como o Soderbergh abordou os vários pontos de vista pertinentes a esse tipo de situação, ele não desconsidera a preocupação e o medo frente ao desconhecido nem deixa de mostrar o quão perigoso o pânico e a histeria coletiva podem ser. O final fatalista e sombrio e a quantidade de atores renomados que o diretor manda para o saco preto também merecem palmas.

Apesar dos bom cast (Matt Damon, Kate Winslet, Marion Cotillard, Laurence Fishburne, Gwyneth Paltrow, Jude Law) e do argumento atual e bem desenvolvido, fiquei com a impressão de que faltou alguma coisa no filme: não sei se a conclusão (não a cena final, esta é genial) da história é pouco ousada ou se é porque os acontecimentos do filme seguem um curso deveras óbvio disfarçado pela quebra da linha temporal, o fato é que eu saí do cinema com a impressão de que Contágio poderia render mais. Vale o ingresso, mas não é o tipo de filme que eu vou lembrar daqui um ano.

O Talentoso Ripley (1999)

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Cold Mountain e O Paciente Inglês são filmes que usam um cenário de guerra para contar uma história de amor. Em comum, eles também tem a narrativa lenta e minimalista do diretor Anthony Minghella, que dá espaço para cenas que contribuam para o desenvolvimento psicológico dos personagens e da trama. Constantemente, essa abordagem torna os filmes do diretor chatos mesmo para quem gosta de dramas (\o), e, infelizmente, O Talentoso Ripley não foge à regra.

Tom Ripley (Matt Damon) é um rapaz com três talentos: falsificar assinaturas, mentir e imitar vozes. Ele é contratado para ir até a Itália e convencer o filho de um ricaço  a retornar para os EUA. O tal filho é  o bon vivant Dickie Greenleaf (Jude Law), do qual Ripley aproxima-se fingindo ser um velho amigo da faculdade. Greenleaf, que está noivo da bela Marge (Gwyneth Paltrow), recusa-se a voltar mas acolhe Tom em sua casa e leva-o para conhecer Viena. Tom é seduzido pelo estilo de vida de Dickie e não se conforma quando o mesmo dá sinais de estar cansado de sua companhia. Um fato inesperado sacode a história e muda o tom do filme, momento onde os “talentos” de Tom serão colocados à prova.

Como já foi comentado, o Minghella é conhecido por desenvolver bem seus personagens e não é aqui que alguém encontrará argumentos para dizer o contrário, mesmo os personagens secundários, como o gordinho irônico vivido pelo Philip Seymour Hoffman e a mulher inocente interpretada pela Cate Blanchett, têm tempo suficiente na tela para que o espectador identifique traços de personalidade e objetivos dos personagens.

O que não deixa O Talentoso Ripley decolar é o roteiro enfadonho, que foca demais nos personagens e não consegue produzir grandes momentos ou cenas memoráveis. A “reviravolta” na história e a personalidade de Ripley, um homem que por não aceitar a si mesmo deseja viver a vida de outra pessoa, não são mostradas de forma atrativa, os personagens não inspiram empatia e o final é uma aposta equivocada no que diz respeito a fazer o espectador pensar sobre o que foi visto, principalmente porque o que foi mostrado não é nem interessante nem novo a ponto de justificar tal análise. O Talentoso Ripley é tecnicamente irrepreensível mas, tal qual como o Cold Mountain e o Paciente Inglês, é longo e chato de ser assistido.