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O Grande Hotel Budapeste (2014)

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O Grande Hotel BudapesteDesde a criação desse blog, realizei a cobertura de 4 Oscars, e TODO ano é exatamente a mesma coisa: no final de dezembro/começo de janeiro saem os indicados ao Globo de Ouro (conhecidamente uma prévia da festa realizada pela Academia) e o desespero para ver e resenhar todos os títulos antes da premiação começa. Esse ano, aliás, foi um dos mais sofridos nesse sentido pois, além de ter acabado de casar, eu estava completamente sem tempo conduzindo algumas obras em casa. No final, tudo deu certo e eu acabei realizando um dos meus melhores trabalhos até então (consegui ver até um documentário), mas definitivamente não quero passar por essa canseira de novo. Pensando nisso, decidi começar a procurar por concorrentes em potencial desde já, o que me levou até esta página. A maioria dos títulos aí listados ainda não está disponível e, claro, até o momento, tudo não passa de especulações, porém, mesmo assim, decidi confiar e explorar a lista desejando profundamente que o esforço me ajude a evitar a habitual fadiga do começo do ano. Dito isso, declaro aberta a cobertura do Oscar 2015 (UHULLL!!!! rs) e lhes apresento o O Grande Hotel Budapeste.

O Wes Anderson é conhecido por criar personagens caricaturais e por apoiar sua narrativa em recursos visuais, tais como caixas de texto, cores fortes e edição marcante, que dão a seus filmes um divertido tom de fábula. Mais do que isso, Anderson também costuma apresentar pontos de vista incomuns sobre os temas que ele escolhe para trabalhar, e um bom exemplo disso é a inversão de maturidade entre adultos e crianças que ele promove no Moonrise Kingdom. O ponto aqui é que, indiscutivelmente, estamos falando de um diretor criativo, daqueles de quem sempre podemos esperar algo no mínimo “diferente” quando vamos assistir um de seus filmes, e é exatamente isso que O Grande Hotel Budapeste oferece desde a sua primeira cena.

O Grande Hotel Budapeste - Cena 3Sentado em uma biblioteca, um escritor divaga sobre o processo de criação literária. Segundo ele, ao contrário do que a maioria das pessoas acredita, os escritores não são fontes inesgotáveis de criatividade, sendo que grande parte do material que eles produzem é apenas o relato de alguma história que eles ouviram algures. Tendo acabado de publicar um livro chamado O Grande Hotel Budapeste, ele passa então a contar como tomou ciência daquilo que escreveu.

Quando esse escritor fala sobre o ato de escrever, temos um daqueles momentos que agradam imediatamente quem gosta de metalinguagem. Nota-se depois, no entanto, que não é exatamente isso que está acontecendo ali. O homem, que fala com propriedade para uma câmera como se estivesse gravando um documentário ou algo que o valha, tem o seu discurso interrompido o tempo todo por um de seus netos que está brincando no local. A inocência e a alegria do menino contrastam significativamente com o tom quase enfadonho do velho. Na hora que isso acontece, achei engraçado e só, mas depois (principalmente após um diálogo sobre motivações que acontece próximo ao final da trama) fui ficando cada vez mais convencido de que, por trás de todos aqueles gracejos, está um posicionamento do diretor contra a pomposidade metafórica e a retidão narrativa.

O Grande Hotel Budapeste - Cena 4Essa reflexão sobre o longa nasceu principalmente da vontade de compreender os motivos que levaram “especialistas” a colocarem-no entre os prováveis indicados ao Oscar. Digo isso porque, verdade seja dita, o fato de O Grande Hotel Budapeste criticar indiretamente um padrão de narrativa e/ou tentar reformulá-la é o menor de seus “atrativos”. O que é bom aqui, bom mesmo, são os tais personagens caricatos típicos do diretor e as situações absurdas em que ele coloca-os. A tal história que o escritor conta no início diz respeito aos dias gloriosos do Grande Budapeste Hotel, uma construção luxuosa comandada pelo excêntrico M. Gustave (Ralph Fiennes) localizada na fictícia República de Zubrowka. Gustave é um amante da literatura e das mulheres idosas que vê-se envolvido em uma conspiração após uma uma de suas muitas “namoradas” falecer e deixar-lhe uma fortuna. Auxiliado pelo garoto de recados do hotel, Zero (Tony Revolori), ele passa por um bocado de situações absurdas e perigosas enquanto tenta provar sua inocência e salvar a própria vida.

O Grande Hotel Budapeste - Cena 2Um amigo até havia me indicado esse filme no começo do ano mas, como eu estava um tanto quanto atarefado na época, acabei ignorando a dica, ainda mais por ele ter fundamentado-a em cima de elogios ao Ralph Fiennes, de quem nunca fui fã. Não que eu não goste dele, mas até hoje eu não havia visto nada de excepcional nele ao ponto de assistir um filme apenas porque ele está no elenco. De agora em diante, consigo me ver tranquilamente pesquisando a filmografia do cara e escolhendo algo para ver ou, no mínimo, ficando empolgado por ver o nome dele relacionado a alguma produção que eu for assistir. O Grande Hotel Budapeste também é um daqueles longas que contam com a participação de vários atores conhecidos (para citar apenas alguns, dão as caras por aqui F. Murray Abraham, Adrien Brody, Edward Norton, Willem Dafoe, Jude Law, Bill Murray, Saoirse Ronan, Harvey Keitel e Tilda Swinton), mas vê-lo é, sobretudo, ver o show que o Fiennes dá com suas caretas, gritos e citações literárias que ele dispara nos ouvidos do pobre Zero. Li que o personagem foi escrito para o Johnny Depp, e não há dúvidas que o ator faria um ótimo trabalho com sua conhecida excentricidade, porém é notório que o Fiennes aproveitou a chance para entregar uma das melhores interpretações de sua carreira. Obviamente, preciso ver o trabalho dos outros concorrentes ao Oscar de Melhor Ator antes de falar qualquer coisa mas, com base no que vi aqui, é possível dizer que ele concorreria com chances reais de vencer.

O Grande Hotel Budapeste - Cena 5À direção e roteiro inovadores do Wes Anderson e à interpretação genial do Fiennes, somam-se como atrativos ao filme as já comentadas participações de vários atores (é sempre prazeroso ver o F. Murray Abraham falando com aquele jeito cavalheiresco e o Bill Murray com sua eterna cara de tédio) e as piadas de humor nonsense que o diretor produz das situações mais inesperadas. Em um determinado momento, por exemplo, o personagem do Willem Dafoe (quase uma reedição do que ele fez no A Sombra do Vampiro) foge de Gustave e Zero em uma pista de esquiar. A movimentação dos personagens nessa cena é feita de uma forma tosca, meio lenta e anti natural, de modo que eles ficam parecendo brinquedinhos. Quando tu pega-se rindo da forma como as coisas/personagens movimentam-se em um filme, tu precisa reconhecer que algo deu certo. Levando isso tudo em consideração, torço para que O Grande Hotel Budapeste figure entre os indicados ao Oscar e ganhe o devido reconhecimento mas, caso isso não aconteça, já fico feliz por ter assistido um filme tão completo e divertido.

O Grande Hotel Budapeste - Cena

Vício Frenético (1992)

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Há poucos dias eu comentei aqui sobre o Vício Frenético do Werner Herzog, uma das poucas oportunidades de ver o Nicolas Cage fazendo algo decente. Por mais que Herzog aparentemente não reconheça, trata-se de um remake do polêmico filme do diretor Abel Ferrara lançado em 1992, uma história repleta de violência, sexo e profanação sobre um policial corrupto e decadente (Harvey Keitel) que percorre as ruas de Nova York abusando dos poderes do cargo para conseguir drogas, favores sexuais e dinheiro sujo.

Enquanto Herzog levou o filme em cima da uma investigação conduzida pelo policial (Cage), Ferrara coloca H. Keitel nas ruas confiscando dinheiro e drogas das cenas de crime, abusando sexualmente de adolescentes  e ouvindo pelo rádio o resultado de jogos de baseball onde ele apostou dinheiro que ele não tinha. Keitel conduz sua viatura através de um inferninho que ele contribui significativamente para existir e parece não ter nenhuma outra preocupação a não ser satisfazer os próprios vícios e desejos.

Se o filme de Herzog é polêmico, o original de Ferrara é uma ode a depravação: há cenas de nú frontal, uma freira é estuprada em cima do altar da igreja e drogas são consumidas de forma quase didática. Se o bom senso recomenda que esse tipo de filme só deve ser assistido por pessoas que possuam “estômago forte”, também é necessário perceber que o filme usa todos esses elementos com um propósito, que no caso é mostrar as consequências diretas de uma vida de crimes e excessos. Um aviso: nada de final Deus Ex Machina aqui.

A adaptação de Herzog tem um roteiro bem consistente e é muito envolvente mas, em termos de polêmica e de “soco no estômago”, o filme de Ferrara está bem na frente. Por via das dúvidas, assistam os dois, o espetáculo da perversão humana espera por vocês.