Liguei a TV no canal TNT no último dia 14, as 11:30hrs, para acompanhar o anúncio dos indicados ao Oscar de 2016 e, de certa forma, posso dizer que não houveram muitas surpresas. O Regresso repetiu o bom desempenho no Globo de Ouro e despontou como o grande favorito do ano, o esquisito O Bom Dinossauro ficou de fora e O Despertar da Força, a despeito de ter tornado-se a maior bilheteria de todos os tempos, foi indicado apenas a prêmios considerados secundários, como Melhor Trilha Sonora e Melhores Efeitos Especiais.
A novidade ficou por conta da escolha do Brooklyn como a produção “feminina”, por assim dizer, dentre as concorrentes à estatueta de Melhor Filme. No Globo de Ouro, o filme do diretor John Crowley foi indicado apenas na categoria Melhor Atriz – Drama, enquanto o Carol e o Joy: O Nome do Sucesso concorreram a Melhor Filme. Essa inversão, ao meu ver, foi positiva: além de garantir visibilidade para mais títulos, achei Brooklyn bem melhor do que o Carol (ainda não vi o Joy). Mesmo sem grandes polêmicas e com uma narrativa simples, este filme de época é certeiro em retratar o eterno conflito entre nosso desejo de mudança e nossa inclinação às permanências e tem um ou dois diálogos bons o suficiente para que tu guarde-os na memória durante muito tempo.
Na Irlanda pós-guerra de 1952, a tímida e sonhadora Eilis (Saoirse Ronan) resolve mudar-se para os EUA em busca de uma vida melhor. Os motivos dessa decisão, mais do que explicados, são mostrados por Crowley de forma que a gente consiga sentir toda a agonia da personagem: Eilis trabalha para uma megera em uma mercearia e sente-se entediada com a rotina da cidade, que consiste em frequentar a igreja e comparecer em bailes nos quais todos os rapazes vestem-se do mesmo jeito e todas as garotas vão para arrumar um casamento. Auxiliada por um padre, ela embarca então em um navio com destino à América com a esperança conseguir algo melhor para si.
Brooklyn divide-se em três momentos distintos em que os diferentes estados de espírito de Eilis são traduzidos na tela por técnicas de fotografia variadas. No início, quando ela ainda está na Irlanda, predominam cores mais escuras e sombrias. Já a chegada nos EUA é acompanhada por um “alegramento” do visual, que torna-se mais vivo e colorido. Finalmente, quando a personagem precisa retornar à Irlanda, a escuridão inicial é substituída por uma claridade quase etérea, sinal de que a percepção dela sobre sua terra natal mudou completamente. As transformações de Eilis ao longo da trama são bem evidentes, mas esse recurso de refleti-las na fotografia é aquele tipo de cuidado que, quando percebido, merece ser comentando e elogiado: Brooklyn é um filme bonito de ser visto, com cenários espetaculares e closes no rosto da Saoirse que fazem com que os olhos dela pareçam duas piscinas de água límpida.
Precisei de duas sessões para terminar o filme: vi a primeira hora, saí para trabalhar e depois assisti os últimos 50min quando voltei para casa. Não foi algo planejado, mas acabou tornando-se um jeito interessante de acompanhar a história porque ela meio que toma um rumo inesperado depois da primeira hora devido a um acontecimento trágico. Eilis enfrenta dificuldades tanto na viagem (quem já teve dor de barriga sem poder ir ao banheiro sofrerá junto com a personagem na cena do balde rs) quanto em sua chegada nos EUA, onde ela tem que lidar com a saudade de casa, mas é seguro dizer que a primeira metade de Brooklyn é composta majoritariamente por bons sentimentos. Passado esse início turbulento, mais especificamente após ela conhecer o simpático Tony (Emory Cohen), o filme traz uma sucessão de cenas divertidas do cotidiano que servem para mostrar que a decisão da personagem de mudar-se foi bem sucedida. A cena do jantar na casa dos italianos é uma das coisas mais engraçadas que eu lembro de ter visto recentemente em um filme e é deveras tocante a forma como o relacionamento entre os dois personagens desenvolve-se, com Tony vencendo a desconfiança de Eilis com determinação e romantismo.
Parei o filme aí, quando tudo estava dando certo, e retomei-o para ver o mundo de Eilis balançar. Um telefone toca e então todos os planejamentos que a personagem estava fazendo precisam ser postos de lado para que ela regresse às pressas para a Irlanda. Essa segunda metade do filme me fez lembrar daquela famosa citação do poeta inglês John Milton, que diz que “é melhor reinar no inferno do que servir no céu”. Quando Eilis deixou sua cidade para mudar-se para os EUA, ela era apenas mais uma moça comum cheia de sonhos. Quando retorna, ela transformou-se em uma mulher independente, com formação em contabilidade, noções de moda e valores muito diferentes daqueles praticados pelos cidadãos do local. O status que ela ganha na cidade por esse período vivido em outro país faz com que ela considere a possibilidade de ficar e deixar tudo para trás, inclusive Tony. É preciso que ela volte a experimentar o lado sombrio de sua terra natal para que ela lembre-se dos motivos que levaram-na a querer mudar-se de lá.
Brooklyn, que é baseado em um livro do escritor Colm Tóibín, é bastante didático em retratar o nosso medo daquilo que é novo e sutil para demonstrar que só é possível crescer quando deixamos o passado para trás de vez e nos entregamos de coração à novas experiências e emoções. Ele é contado do ponto de vista feminino, com o tal Tony encantando todo mundo com sua sinceridade (olhem a espontaneidade que ele solta um palavrão quando Eilis diz que gosta dele, olhem ele assobiando ao vê-la de bikini rs), mas sua mensagem contra o conformismo, mensagem que é sintetizada no último e emocionante diálogo do filme, transcende qualquer questão de gênero. Não deve levar nenhum dos Oscars que está concorrendo (Melhor Filme, Melhor Atriz, Melhor Roteiro Adaptado), mas é um dos indicados que tive mais prazer em assistir até agora.