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Lion: Uma Jornada Para Casa (2016)

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lion-uma-jornada-para-casaQuando eu era criança e estava na pré-escola, a professora me esqueceu dentro da sala na hora do recreio. O sinal tocou, ela enfileirou a molecada e saiu. Eu até cheguei a entrar na fila, mas na última hora lembrei que eu havia esquecido a minha caneca no armário (não dá para ir para o recreio sem uma caneca) e fui pegá-la. Quando me virei, a porta estava trancada e eu estava sozinho. Foram os 15 minutos mais longos da minha vida. Chorei, gritei o nome da professora (e o da minha mãe) e, no fim, tentei chamar a atenção de algum coleguinha através do buraco da fechadura, tudo em vão. Quando a professora voltou, ela encontrou uma mistura confusa de remela, catarro e desespero sentada num canto da sala. Poucos minutos depois, ela me pagou um saquinho de pipoca e um copo de refrigerante no barzinho da escola e pediu para que eu não contasse nada para a minha mãe. Eu nunca contei (se você está lendo isso: desculpa, mãe), mas também nunca esqueci.

Revivi essa lembrança horrorosa numa tentativa de estabelecer um paralelo emocional com a história do pequeno Saroo (Sunny Pawar), mas a verdade é que não há comparação justa entre ficar preso no recreio e ser esquecido numa estação ferroviária. Saroo deveria passar o dia todo deitado em um banco até que o irmão voltasse do trabalho. Ele esperou, dormiu, esperou mais um pouco e nada do cara aparecer. Quando finalmente decidiu sair para procura-lo, Saroo viu-se preso num trem em movimento que levou-o para Calcutá, cidade que fica a mais de 2 mil quilômetros de sua residência. Saroo, um menininho de 5 anos de idade que provavelmente também gostaria de ter uma caneca no recreio, viu-se então sozinho numa das maiores cidades da Índia.

Lion: Uma Jornada Para Casa é baseado em fatos reais e mostra como, 25 anos após descer na estação de Calcutá, Saroo (Dev Patel) partiu em busca de sua família. Entre perder-se e encontrar os seus, Saroo viveu nas ruas, passou fome, foi parar em um orfanato e só teve um lar quando foi adotado por um casal australiano (Nicole Kidman e David Wenham). É uma história essencialmente triste que o diretor Garth Davis conta dando um soco no nosso estômago cena após cena. É válido avisar que você tirará um ou dois ciscos dos olhos durante a sessão.

lion-uma-jornada-para-casa-cenaOs conflitos psicológicos do roteiro tornam-se mais pesados à medida que a trama avança (Saroo, já adulto, deseja reencontrar sua família mas teme que isso cause desgosto nos seus pais adotivos), porém é o início que deixa a gente com o coração apertado. O ator Sunny Pawar é muito bonitinho, do tipo que dá vontade de apertar as bochechas, e é muito ruim vê-lo lutando para sobreviver, gritando no meio de uma multidão que não quer ouvi-lo e que não pode entende-lo (Saroo fala hindi; em Calcutá o idioma falado é Bengali). As coisas melhoram um pouco para Saroo após a adoção, mas antes disso tu precisará vê-lo implorando em vão por ajuda enquanto o trem leva-o para longe de casa (foi aí que a lembrança do primeiro parágrafo bateu forte) e, pior, vê-lo dormindo em cima de um papelão no chão sujo da estação de trem. A impotência do personagem para salvar a si mesmo e a tristeza que pode ser lida nos olhos dele fazem o peito doer e colocam em xeque nossa fé na humanidade.

lion-uma-jornada-para-casa-cena-3O diretor Garth Davis mostra uma Índia pobre, suja e cheia de pessoas dispostas a explorar a inocência alheia, mas, no fim, ele também nos oferece um pouco de pipoca e refrigerante para compensar nossa gastura. O roteiro argumenta que, da mesma forma que existem pessoas ruins capazes de aproveitarem-se da fragilidade do próximo para obterem lucro (em um determinado momento, uma mulher tenta sequestrar/vender Saroo), também há quem pratica a austeridade e acredita num mundo melhor. Eu, que não sou lá um grande fã da Nicole Kidman (na maior parte do tempo, tenho a impressão que ela está atuando com ‘má vontade’), acabei rendendo-me à sinceridade do amor maternal que ela imprime à australiana Sue Brierley, a mulher que mudou o destino de Saroo (e de mais uma criança) ao adotá-lo. Sue e o marido são ricos e oferecem todas as condições para que o personagem cresça em um ambiente saudável. O conforto não faz com que Saroo supere seu passado traumático, mas dá-lhe forças (e recursos financeiros) para iniciar a busca por sua verdadeira família.

lion-uma-jornada-para-casa-cena-2Lion: Uma Jornada Para Casa tem uma história forte, envolvente e emocionante. Temas como a pobreza e o abandono infantil apoiam o roteiro mas não ditam o seu rumo, que privilegia a narrativa clássica, com começo, meio e fim bem definidos, sem grandes digressões, flashbacks e ponderações. Fora o final, que mistura doses cavalares de alegria e tristeza (a revelação sobre o motivo do irmão de Saroo ter abandonado-o na estação é devastadora), não importei-me muito com a fase adulta do personagem. Ele envolve-se com uma garota (Rooney Mara) e vive o dilema de não saber o paradeiro de sua família. É isso, nem ruim, nem fantástico. A parte da infância, no entanto, é espetacular. Apoiado no carisma do garotinho e numa fotografia exuberante (observem a beleza dos raios solares naquela cena ‘das borboletas’), o diretor construiu uma história triste, porém irresistível, que faz a gente lembrar do quão bonito e forte é o amor que une mãe e filho. Lion: Uma Jornada Para Casa concorre a 6 Oscars, dentre eles o de Melhor Filme, e, por mais que ele não deva ganhar nenhum (Melhor Fotografia, talvez?) vale a pena vê-lo para apaixonar-se e torcer pelo garotinho que sorri enquanto carrega pedras para fazer a mãe feliz.

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O Mestre dos Gênios (2016)

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o-mestre-dos-geniosO WordPress, plataforma que hospeda o Já viu esse?, me enviou hoje uma notificação genérica de parabéns pelos 6 anos do blog. É muito tempo. É tanto tempo, aliás, que não posso mais negar que me tornei um escritor.

Sei que isso pode soar forçado, mas não é fácil reivindicar tal título. Na cabeça de muita gente, inclusive na minha até há pouco tempo, escritores “de verdade” são aqueles que já publicaram livros que podem ser encontrados nas livrarias. Assim sendo, como um sujeito me disse um dia desses com uma dose cavalar de arrogância, eu não poderia ser considerado um escritor, mas apenas um “blogueiro”, certo?

Sim, eu sou um blogueiro e não há nada de depreciativo nisso. Possuo um blog e procuro mantê-lo atualizado com muito carinho e dedicação. O fato de eu registrar meus pensamentos em uma plataforma virtual e não em um formato físico para comercialização, porém, não diminui o brilho ou a importância do que faço. O ato de escrever, acredito, depende muito mais da habilidade de conseguir comunicar algo a outrem, de ser apaixonado por transformar sentimentos em palavras, do que simplesmente ser publicado por alguma editora. É óbvio que eu gostaria que meus textos tivessem um alcance maior, mas por ora contento-me que eles contenham um pouco do que há dentro do meu coração. Há verdade no que escrevo, e isso e os 6 anos de dedicação são mais do que suficientes para que eu possa me reconhecer como escritor  😀

Não comecei esta resenha com o tema da escrita por acaso. O Mestre dos Gênios, filme que assisti no Cine Cultura de Brasília e que revi ontem com minha esposa, é baseado em fatos reais e conta a história do editor Max Perkins (Colin Firth), um homem que ajudou a dar forma a diversos clássicos da literatura norte americana. Entre outros, Max editou livros como O Grande Gatsby, do F. Scott Fitzgerald (Guy Pearce) e O Sol Também se Levanta, do Ernest Hemingway (Dominic West). A trama conduzida pelo diretor Michael Grandage dá conta do encontro de Max com Thomas Wolfe (Jude Law), um jovem escritor que procurava uma editora que acreditasse no poder de sua prosa musical e poética.

Não sei se vocês repararam, mas eu escrevi ali atrás que assisti O Mestre dos Gênios duas vezes nos últimos dias. Gostei MUITO do filme, daí resolvi vê-lo novamente tanto para compartilha-lo com minha esposa quanto para que eu pudesse escrever um texto mais completo e digno de todas as emoções que senti. Mesmo sem nunca ter lido nada do Thomas Wolfe, identifiquei-me muito com as qualidades e defeitos que o filme atribui ao escritor, de modo que assisti o filme todo como se eu estivesse olhando para um espelho. Encontrei muita coisa boa, mas também tive muitas oportunidades de repensar alguns atos e posturas.

Encantado com o estilo original de Wolfe, Max decide transformar o gigantesco manuscrito que ele recebeu em um livro publicável. O trabalho do editor consiste em lapidar as ideias do escritor de modo que elas tornem-se mais atrativas para o público, e isso as vezes inclui cortar trechos e tornar sucintos parágrafos que estenderam-se além do necessário. O problema é que Wolfe não é nenhum pouco sucinto. A beleza da escrita dele, aliás, está justamente nos muitos floreios descritivos e nas longas digressões de seus personagens. As discussões entre editor e escritor pela versão final do livro, bem como as consequências que o trabalho exaustivo da dupla tem em seus relacionamentos com suas respectivas esposas (Laura Linney e Nicole Kidman), ditam o ritmo do filme, que ainda traz valiosas citações à outras obras, como o Guerra e Paz do Tolstói (fiquei feliz por conhecer o livro e entender as referências rs), e uma boa parte dedicada ao F. Scott Fitzgerald. Resumindo, é um filme que deve agradar em cheio quem gosta de ler e escrever.

o-mestre-dos-genios-cena-2O Mestre dos Gênios é protagonizado pelo Max Perkins, mas fiquei encantado mesmo foi pela paixão e pela força criativa do Thomas Wolfe. Mesmo que alguns trechos dos livros dele que são lidos durante o filme não sejam o tipo de material que eu gosto (a escrita descritiva e minuciosa me lembrou o José de Alencar, cujo Til, de 234 páginas, eu tento terminar sem sucesso há incríveis 5 meses), não pude deixar de admirar o amor do personagem pela escrita e a determinação quase doentia que ele dedica a ela. Tudo que Thomas faz, incluindo seu relacionamento com o pai, as brigas com a mulher e suas noitadas ouvindo jazz e bebendo whiskey, tudo mesmo pode ser sentido na cadência de suas frases e na paixão de suas palavras. Ele escreve textos longos porque há dentro dele todo um universo de percepções gritando para serem colocadas pra fora. A cena em que ele discute com Max para dar forma a um capítulo onde um personagem apaixona-se é verdadeiramente fascinante.

o-mestre-dos-genios-cena-4Por outro lado, Thomas Wolfe também não deixa de ser um exemplo do que não fazer. Ele é divertido e talentoso, mas também mostra-se bastante egoísta e vaidoso quando as críticas positivas de seu livro começam a aparecer. Ao longo do filme, Wolfe acusa Max de deformar sua obra e é extremamente cruel com o Fitzgerald, que ele humilha durante um jantar tenebroso. O que mais chama atenção negativamente, porém, é o relacionamento dele com Aline, personagem da Nicole Kidman. Aline ajudou Wolfe a sair do anonimato, dando-lhe dinheiro e apoiando-lhe emocionalmente, apenas para ser ignorada por ele após o sucesso de seu primeiro livro. A indiferença dele para com o trabalho e os sentimentos dela, reflexo do egoísmo de seu caráter, é algo que faz Max repensar o jeito que ele também estava tratando sua esposa e suas filhas. Eis uma bela oportunidade para fazermos o mesmo: avaliar se não estamos deixando nossa dedicação ao trabalho e/ou projetos pessoais atrapalharem nossas relações familiares e nossas amizades.

Eu ficaria bastante satisfeito se o Jude Law fosse indicado ao Oscar ou ao Globo de Ouro pelo que ele fez aqui, o que tanto coroaria a ótima atuação dele quanto daria mais visibilidade para o filme. Se isso não acontecer, já considero-me realizado por ter assistido O Mestre dos Gênios no Cine Cultura, um local para o qual todos os elogios são insuficientes, e por me identificar tanto com os temas tratados pelo filme, sinal de que o amor pelo cinema e pela literatura continuam vivos dentro da minha alma de cinéfilo e de escritor.

Genius (2016) Jude Law and Colin Firth

Segredos de Sangue (2013)

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kinopoisk.ruA idéia de viver em um mundo onde cada um pudesse fazer exatamente aquilo que desejasse é tão tentadora quando impraticável, amedrontadora. Em uma sociedade sem leis, por exemplo, eu mataria todos os motoqueiros que me ultrapassassem pela direita. Isso, é claro, se algum motorista de carro, dono dessa mesma vontade, não me matasse antes quando eu também o ultrapassasse da mesma forma. Aliás, em um mundo assim, onde cada um fizesse o que quisesse, esse tipo de manobra não seria algo normal, expressão de liberdade e coerência com o ambiente? Bye bye coerência.

Obviamente, não são somente as leis que, diariamente, afastam nosso dedo do gatilho. Leis punem, não impedem. O que me faz respirar fundo e contar até mil quando um sujeito dirigindo uma Honda Biz (sempre elas) me corta pela direita não é o medo de ser preso ou algo do tipo. O receio de matar ou, sendo mais realista, ofender ou machucar alguém devido a um desentendimento corriqueiro, advém muito mais, acredito, da auto-preservação e do condicionamento que recebemos desde pequenos (uns mais, outros menos) para sermos “bons”. Essa herança moral conservadora, por assim dizer, apesar de castradora e anti-natural (como é demonstrado no Laranja Mecânica), cumpre um papel fundamental, juntamente com as leis, para que a roda da sociedade continue girando, torta e capengando mas, ainda assim, girando.

Segredos de Sangue - Cena 2

Isso não quer dizer, no entanto, que não possamos, vez ou outra, ceder ao lado negro da nossa condição humana, mandar o bom senso e o politicamente correto para a casa do caralho, falar um ou outro palavrão e rir da desgraça alheia. Nisso, o problema inverte-se: quando queremos, conseguimos deixar momentaneamente a moral de lado, mas ainda assim permanecemos sujeitos aos rigores da lei. A literatura, os jogos e o cinema surgem, então, como uma excelente e perfeita válvula de escape onde, em realidades paralelas, podemos exercitar e extravasar nossos sentimentos mais ocultos e perversos de violência sem corrermos o risco de sermos mandados para o xilindró. Eu não posso matar um sujeito que me ultrapassa pela direita porque eu serei preso e porque isso não é “certo”? Ok, mas ninguém irá me tirar o prazer de ver alguém fazer isso em um filme. NINGUÉM.

Em Segredos de Sangue, Mia Wasikowska, a delicinha que o Tim Burton escolheu para interpretar a Alice em sua versão recente do Alice no País das Maravilhas, vive a introspectiva India Stoker, uma adolescente de 17 anos cujo pai acabou de falecer em um terrível acidente de carro. No monólogo que abre o filme, India descreve-se como alguém que  vê coisas que outras pessoas não veem e que, assim como uma flor não escolhe a própria cor, ela também não escolheu ser o que ela é. Sua personalidade “diferente”, diz ela, é o resultado da reunião de características e valores que lhe antecederam no mundo. Em outras palavras, ela é apenas um produto do meio. Enquanto India declama esse floreado discurso sobre si mesma, vemos um rastro de sangue no meio de um matagal e somos levados a acreditar que a personagem está fazendo algum tipo de confissão. Mas que raios de crime uma menina como India, tímida e desengonçada, poderia ter cometido? pergunta-se o espectador quando o filme segue o tal monólogo com o funeral do já referido pai.

Segredos de Sangue - Cena 4

Segredos de Sangue é o primeiro trabalho na língua inglesa do excelente diretor sul coreano Chan-wook Park (Sede de Sangue, Trilogia da Vingança) e, acreditem se quiser, o roteiro é do brutamontes Wentworth Miller, que nós conhecemos como o Chris Redfield do péssimo Resident Evil 4: Recomeço. Com base no que vemos aqui, podemos afirmar que Wentworth, tal qual o Ben Affleck, deveria mudar de profissão e que, diferentemente do que já aconteceu com tantos outros diretores, (o Walter Salles é sempre o primeiro exemplo que vem na cabeça), a ida do wook Park para Hollywood foi bem sucedida e não demandou mudanças drásticas em seu estilo. Segredos, comparado a filmes como Oldboy, é uma produção deveras contida, mas nem por isso o diretor abriu mão de suas tradicionais sequências estilosas de violência e do conteúdo sexual para enquadrar seu trabalho dentro de um padrão vendável para o público adolescente americano.

Voltando ao roteiro de Wentworth e a questão da nossa sede de violência, India me lembrou muito a personagem Carrie, aquela mesma do filme do De Palma baseado no romance do Stephen King. Com problemas de relacionamento com a mãe e sofrendo bullying na escola, India fecha-se mais ainda quando o pai morre. Só de olharmos para ela, percebemos que há ali uma quantidade enorme de energia negativa prestes a explodir. Assim como Carrie exorcizou seus demônios pessoais (e evocou outros tantos) após a humilhação sofrida no baile de formatura, India encontra sua válvula de escape após conhecer o tio, Charles Stoker, no dia do funeral do pai. Charles, que é interpretado muitíssimo bem pelo ator Matthew Goode (o Ozymandias, do Watchmen), é um homem bonito e sedutor que, assim como India descobrirá após uma visita mórbida ao sótão da própria casa, não tem o menor problema em eliminar aqueles que colocam-se em seu caminho. Mais do que isso, ele demonstra um certo prazer em realizar atos de crueldade.

Segredos de Sangue - Cena 3

Segredos de Sangue sugere que querer matar aquela pessoa que lhe enchem o saco todo dia no serviço ou na escola não é lá algo tão anormal assim. Em sua cena mais polêmica e significativa, India, que acabara de presenciar Charles cometendo um assassinato, pode ser vista contorcendo-se, nua, encolhida no canto do banheiro. A câmera de wook Park vai descendo, acompanhando o jato de água do chuveiro, e revela que a personagem, na verdade, não estava exatamente chorando, se é que vocês me entendem. Nesse momento, estabelece-se uma relação de cumplicidade entre personagem e espectador, pois vemos que India, assim como nós, sentiu um prazer orgásmico ao ver um daqueles típicos brutamontes retardados do colegial encontrarem aquilo que merecem. O brutamontes, claro, poderia ser qualquer um dos párias que somos obrigados a suportar diariamente, inclusive os já referidos motoqueiros navalhas. India não escolheu odiar esses sujeitos, isso simplesmente foi sendo construído dentro dela, dia após dia, humilhação após humilhação. Obviamente, ela poderia escolher o outro caminho, o da paciência, da aceitação e da benevolência, mas é justamente quando ela opta por fazer aquilo que a maioria de nós tem vontade de fazer e não pode que o filme torna-se uma experiência quase terapêutica. Empatia pouca é bobagem. Completando nossas fantasias anarquistas, Wentworth ainda reserva para o final um acerto de contas entre essa violência pura e a lei, quando a personagem, de volta à cena que abre o filme, tem um papo “carinhoso” com um policial que, algumas cenas antes, havia tratado-a com arrogância.

O único ponto negativo de Segredos de Sangue é a participação pífia da Nikole Kidman que, para variar, não consegue disfarçar a apatia que, aparentemente, ela sente pela profissão. De resto, é um filme digno da ótima filmografia do wook Park, com poucas mas memoráveis cenas de violência que fazem bem para os olhos e para nossa sanidade mental. Convenhamos, se não podemos nos livrar (e nem queremos, diga-se de passagem) desse nosso lado violento, que ele seja extravasado através da arte, certo?

Segredos de Sangue - Cena