O Legado Bourne, tentativa de revitalizar a série Bourne no cinema após suas principais estrelas (o ator Matt Damon e o diretor Paul Greengrass) recusarem-se a realizar um quarto filme da franquia, não foi exatamente um longa ruim, mas é notório que houve pouca coisa na aventura do Aaron Cross (Jeremy Renner) capaz de empolgar os fãs antigos da série. Mesmo com uma recepção morna, porém, Cross deve ganhar uma segunda chance de cair nas graças do público em alguma data entre 2018 e 2020, mas é seguro dizer que o que todo mundo queria ver mesmo era a continuação direta dos eventos do já longínquo O Ultima Bourne (2007), que terminava com o Jason (M. Damon) escapando vivo após revelar para o mundo os detalhes obscuros das operações Treadstone e Blackbriar.
Cientes desse anseio dos espectadores, a Universal Pictures conseguiu trazer a dupla Greengrass/Damon de volta à franquia para expandir aquele mundo de espionagem e conspirações governamentais criado pelo escritor Robert Ludlum. O roteiro de Jason Bourne (que, ao contrário daqueles vistos na trilogia original, foi escrito exclusivamente para o cinema e não possui correspondente literário) é relativamente simples quando comparado com tudo o que foi feito anteriormente, mas ainda assim o talento do Greengrass para conduzir cenas de ação tensas e empolgantes garante um boa sessão e faz deste filme uma continuação para a série melhor e mais interessante do que aquela vista no Legado.
O tempo passou e o cabelo do Bourne começou a ficar grisalho, mas, felizmente, não vemos aqui uma história de decadência física tal qual aquela bobagem que fizeram no Skyfall. A cena que abre o filme, aliás, serve justamente para mostrar que o personagem continua tão forte e letal quanto antes: numa rebimboca qualquer do mundo, vemos ele apagar um grandalhão com apenas um soco numa briga de rua. Depois de expor o governo americano, Jason queria passar o restante de seus dias no anonimato, mas informações obtidas por sua antiga parceira Nicky Parsons (Julia Stiles) revelam não somente que a Treadstone era apenas uma dentre tantas outras operações ilegais do governo quanto apontam novos detalhes sobre o passado do personagem.
Jason Bourne é isso, um filme repleto de novas cenas de pancadaria e perseguições de carro no qual nos contam um pouco mais sobre a vida do herói enquanto ele ainda chamava-se David Webb. Até então, imaginávamos que o personagem havia voluntariado-se para o projeto Treadstone (revelação que é feita no final do O Ultimato Bourne), mas não foi exatamente isso que aconteceu. Os dados descoberto por Nicky ajudam Jason a lembrar-se do pai em um triste episódio que foi fundamental para que ele aceitasse transformar-se em uma máquina de matar. O problema é que esses dados também sugerem que esse episódio foi armado por agentes da CIA para enganá-lo. É claro que o cara não deixará pedra sobre pedra até encontrar e punir os responsáveis pelo embuste.
O diretor Paul Greengrass, que também escreveu o roteiro, até tenta trazer alguns elementos contemporâneos para enriquecer a história e torná-la atual (a questão da privacidade dos dados de usuários de internet, por exemplo, é uma clara referência a megacorporações como a Apple), mas a grande verdade é que Jason Bourne apenas requenta tudo aquilo que já havíamos visto e aprovado anteriormente ao longo da série. Um personagem importante é alvejado e morto por um tiro de sniper (A Supremacia Bourne), há uma perseguição fantástica/impossível de moto (O Legado Bourne), a figura do homem mauzão chefe da CIA (Tommy Lee Jones) contrapondo uma personagem feminina idealista (Alicia Vikander) na caça ao personagem (A Supremacia/ O Ultimato Bourne) e, claro, um assassino (Vincent Cassel) tão bom quanto o protagonista perseguindo-o durante toda a trama (A Identidade Bourne/A Supremacia). Essas semelhanças associadas a flashbacks e ao resgate de cenários reconhecíveis pelo público, como a tomada aérea da base da CIA em Langley, provocam no espectador aquele sentimento nostálgico de quem retorna para casa, mas não dá para deixar de lado o fato de que, na verdade, não é a primeira vez que estamos vendo aquele material.
As cenas de ação são muito legais, daquelas que tu nem pisca para não perder o frenesi de destruição provocado pelos personagens, mas, apesar de funcionais, elas não tem o mesmo brilho daquelas vistas principalmente no A Supremacia Bourne. Lembram do Matt Damon usando uma revista (!!!) para detonar um vilão em uma luta espetacular e com pouquíssimos cortes da câmera dentro de uma casa? Não tem nada parecido com aquilo aqui. O Greengrass, que virou referência no gênero ação justamente pelo seu trabalho minucioso na série, parece ter rendido-se aos cortes vertiginosos e agora mostra tudo em ritmo acelerado e pouco compreensível. A imaginação do cara continua boa (precisa de muita criatividade para fazer uma perseguição de carro terminar dentro de um cassino rs) mas a técnica já foi bem melhor.
Jason Bourne é uma colcha de retalhos nostálgica de tudo o que a série fez até aqui. Poderia ter sido melhor executado? Sim. O roteiro poderia ser melhor elaborado? Sim, também poderia, mas, por ora, permitirei-me ficar feliz com o retorno do Matt Damon para o seu papel mais icônico e com o aparente reinício da franquia. Para um próximo filme, porém, espero algo que faça jus ao título de “inovadora” que a série sempre evocou.