Arquivo da tag: Cine Cultura

O Mestre dos Gênios (2016)

Padrão

o-mestre-dos-geniosO WordPress, plataforma que hospeda o Já viu esse?, me enviou hoje uma notificação genérica de parabéns pelos 6 anos do blog. É muito tempo. É tanto tempo, aliás, que não posso mais negar que me tornei um escritor.

Sei que isso pode soar forçado, mas não é fácil reivindicar tal título. Na cabeça de muita gente, inclusive na minha até há pouco tempo, escritores “de verdade” são aqueles que já publicaram livros que podem ser encontrados nas livrarias. Assim sendo, como um sujeito me disse um dia desses com uma dose cavalar de arrogância, eu não poderia ser considerado um escritor, mas apenas um “blogueiro”, certo?

Sim, eu sou um blogueiro e não há nada de depreciativo nisso. Possuo um blog e procuro mantê-lo atualizado com muito carinho e dedicação. O fato de eu registrar meus pensamentos em uma plataforma virtual e não em um formato físico para comercialização, porém, não diminui o brilho ou a importância do que faço. O ato de escrever, acredito, depende muito mais da habilidade de conseguir comunicar algo a outrem, de ser apaixonado por transformar sentimentos em palavras, do que simplesmente ser publicado por alguma editora. É óbvio que eu gostaria que meus textos tivessem um alcance maior, mas por ora contento-me que eles contenham um pouco do que há dentro do meu coração. Há verdade no que escrevo, e isso e os 6 anos de dedicação são mais do que suficientes para que eu possa me reconhecer como escritor  😀

Não comecei esta resenha com o tema da escrita por acaso. O Mestre dos Gênios, filme que assisti no Cine Cultura de Brasília e que revi ontem com minha esposa, é baseado em fatos reais e conta a história do editor Max Perkins (Colin Firth), um homem que ajudou a dar forma a diversos clássicos da literatura norte americana. Entre outros, Max editou livros como O Grande Gatsby, do F. Scott Fitzgerald (Guy Pearce) e O Sol Também se Levanta, do Ernest Hemingway (Dominic West). A trama conduzida pelo diretor Michael Grandage dá conta do encontro de Max com Thomas Wolfe (Jude Law), um jovem escritor que procurava uma editora que acreditasse no poder de sua prosa musical e poética.

Não sei se vocês repararam, mas eu escrevi ali atrás que assisti O Mestre dos Gênios duas vezes nos últimos dias. Gostei MUITO do filme, daí resolvi vê-lo novamente tanto para compartilha-lo com minha esposa quanto para que eu pudesse escrever um texto mais completo e digno de todas as emoções que senti. Mesmo sem nunca ter lido nada do Thomas Wolfe, identifiquei-me muito com as qualidades e defeitos que o filme atribui ao escritor, de modo que assisti o filme todo como se eu estivesse olhando para um espelho. Encontrei muita coisa boa, mas também tive muitas oportunidades de repensar alguns atos e posturas.

Encantado com o estilo original de Wolfe, Max decide transformar o gigantesco manuscrito que ele recebeu em um livro publicável. O trabalho do editor consiste em lapidar as ideias do escritor de modo que elas tornem-se mais atrativas para o público, e isso as vezes inclui cortar trechos e tornar sucintos parágrafos que estenderam-se além do necessário. O problema é que Wolfe não é nenhum pouco sucinto. A beleza da escrita dele, aliás, está justamente nos muitos floreios descritivos e nas longas digressões de seus personagens. As discussões entre editor e escritor pela versão final do livro, bem como as consequências que o trabalho exaustivo da dupla tem em seus relacionamentos com suas respectivas esposas (Laura Linney e Nicole Kidman), ditam o ritmo do filme, que ainda traz valiosas citações à outras obras, como o Guerra e Paz do Tolstói (fiquei feliz por conhecer o livro e entender as referências rs), e uma boa parte dedicada ao F. Scott Fitzgerald. Resumindo, é um filme que deve agradar em cheio quem gosta de ler e escrever.

o-mestre-dos-genios-cena-2O Mestre dos Gênios é protagonizado pelo Max Perkins, mas fiquei encantado mesmo foi pela paixão e pela força criativa do Thomas Wolfe. Mesmo que alguns trechos dos livros dele que são lidos durante o filme não sejam o tipo de material que eu gosto (a escrita descritiva e minuciosa me lembrou o José de Alencar, cujo Til, de 234 páginas, eu tento terminar sem sucesso há incríveis 5 meses), não pude deixar de admirar o amor do personagem pela escrita e a determinação quase doentia que ele dedica a ela. Tudo que Thomas faz, incluindo seu relacionamento com o pai, as brigas com a mulher e suas noitadas ouvindo jazz e bebendo whiskey, tudo mesmo pode ser sentido na cadência de suas frases e na paixão de suas palavras. Ele escreve textos longos porque há dentro dele todo um universo de percepções gritando para serem colocadas pra fora. A cena em que ele discute com Max para dar forma a um capítulo onde um personagem apaixona-se é verdadeiramente fascinante.

o-mestre-dos-genios-cena-4Por outro lado, Thomas Wolfe também não deixa de ser um exemplo do que não fazer. Ele é divertido e talentoso, mas também mostra-se bastante egoísta e vaidoso quando as críticas positivas de seu livro começam a aparecer. Ao longo do filme, Wolfe acusa Max de deformar sua obra e é extremamente cruel com o Fitzgerald, que ele humilha durante um jantar tenebroso. O que mais chama atenção negativamente, porém, é o relacionamento dele com Aline, personagem da Nicole Kidman. Aline ajudou Wolfe a sair do anonimato, dando-lhe dinheiro e apoiando-lhe emocionalmente, apenas para ser ignorada por ele após o sucesso de seu primeiro livro. A indiferença dele para com o trabalho e os sentimentos dela, reflexo do egoísmo de seu caráter, é algo que faz Max repensar o jeito que ele também estava tratando sua esposa e suas filhas. Eis uma bela oportunidade para fazermos o mesmo: avaliar se não estamos deixando nossa dedicação ao trabalho e/ou projetos pessoais atrapalharem nossas relações familiares e nossas amizades.

Eu ficaria bastante satisfeito se o Jude Law fosse indicado ao Oscar ou ao Globo de Ouro pelo que ele fez aqui, o que tanto coroaria a ótima atuação dele quanto daria mais visibilidade para o filme. Se isso não acontecer, já considero-me realizado por ter assistido O Mestre dos Gênios no Cine Cultura, um local para o qual todos os elogios são insuficientes, e por me identificar tanto com os temas tratados pelo filme, sinal de que o amor pelo cinema e pela literatura continuam vivos dentro da minha alma de cinéfilo e de escritor.

Genius (2016) Jude Law and Colin Firth

13 Minutos (2015)

Padrão

13-minutosPassaram-se quase 3 anos desde que vi os bons Tanta Água e Os Bastardos no Cine Cultura de Brasília. Depois disso, até estive na capital outras vezes, mas sempre a trabalho e numa correria do cão, de modo que não consegui tempo para retornar ao cinema. Esse ano, felizmente, a empresa alterou o horário dos meus voos e eu acabei tendo uma tarde inteira livre para fazer o que eu bem entendesse. Não tive dúvidas: fui do aeroporto direto para o shopping Liberty Mall, almocei e depois dirigi-me para a bilheteria do Cine Cultura.

Nunca deixarei de admirar aquele lugar: a decoração é muito convidativa (há imagens de clássicos do cinema espalhadas por todo lado), os funcionários são educados, as salas de projeção são pequenas e intimistas e a programação sempre preza por títulos fora do circuito comercial. Desta vez, para tornar a experiência ainda mais completa e satisfatória, tive o prazer de visitar o cinema bem no meio de um festival, o 5º BIFF, Brasília International Film Festival ou Festival Internacional de Cinema de Brasília. Dentre outras coisas, o festival está promovendo competições de documentários e longas de ficção, exibindo animações, homenageando o diretor italiano Sergio Leone e lançando vários títulos, dos quais consegui ver dois: este 13 Minutos e o Mestre dos Gênios. Parabenizo aqui os responsáveis pelo Cine Cultura e pelo BIFF pelo excelente trabalho e, sem mais delongas, inicio esta resenha.

Dos muitos longas que eu poderia ter assistido, escolhi esse 13 Minutos tanto porque o horário favoreceu quanto porque o tema dele (nazismo e Segunda Guerra Mundial) é algo que está diretamente ligado com o conteúdo que estou lecionando para as minhas turmas do colegial, ou seja, mais uma oportunidade de aprender e enriquecer as minhas aulas. Eu até já tinha ouvido falar da audaciosa história do alemão Georg Elser, mas o filme, que é do diretor Oliver Hirschbiegel (o mesmo do A Queda! As Últimas Horas de Hitler), me ajudou a compreender melhor as motivações do homem que tentou assassinar o Führer alemão.

13 Minutes MovieSim, “tentou”, porque não é exatamente um SPOILER dizer que o cara não conseguiu, visto que é de conhecimento geral (ou pelo menos é a teoria mais aceita) que Hitler não foi assassinado, mas sim cometeu suicídio no final da guerra, em abril de 1945, para não cair nas mãos do exército soviético. Ciente, portanto, que não contava com uma novidade para o clímax de sua trama, Hierschbiegel já começa o filme mostrando a tentativa de assassinato, que deu-se em 8 de novembro de 1939 durante um discurso de Hitler em Munique. Georg Elser (Christian Friedel) construiu e escondeu uma bomba no palanque onde o Führer iria discursar. Conforme programado, o dispositivo foi acionado as 21h20 daquele dia, matando 8 pessoas e deixando dezenas de feridos. Hitler, que havia deixado o local 13 minutos antes devido a uma alteração climatológica no aeroporto, saiu ileso.

Georg Elser foi preso poucos minutos após a explosão e levado para ser interrogado pela Gestapo. Cercado pelos impiedosos Arthur Nebe (Burghart Klaubner) e Heinrich Müller (Johann von Bülow), Elser tenta convencer seus algozes de que agiu sozinho e sem orientação de nenhuma organização, mas eles não acreditam e torturam-no de todas as formas possíveis para conseguir uma confissão. Enquanto mostra-nos o personagem sofrendo uma série de abusos físicos e psicológicos, o diretor vale-se de digressões e flashbacks para contar o que levou Elser a atentar contra a vida de Hitler.

13-minutos-cenaCarpinteiro, boêmio e cheio de problemas familiares para resolver, o Georg Elser visto no filme não era exatamente uma pessoa engajada na luta contra o nazismo (o verbete dele no Wikipédia mostra algo um pouco diferente). Elser certamente percebia as mazelas provocadas pelo nacional socialismo alemão, como os salários baixos e a violência praticada pelo estado contra seus opositores, mas seus esforços estavam todos concentrados em seu trabalho, no alcoolismo do pai e nas mulheres, como a provocativa Elsa (Katharina Shüttler). Esta indiferença política começa a acabar quando um dos amigos do personagem, que era filiado ao Partido Comunista, é preso e enviado para um campo de concentração.

13 Minutos traz pelo menos 2 considerações importantes sobre os fatos que aborda. Primeiro, há a tradicional porém indispensável crítica ao regime totalitário alemão, responsável direto pela eclosão da Segunda Guerra Mundial e pela morte de milhares de pessoas. O diretor mostra a escalada da intolerância e da violência travestidas de nacionalismo na Alemanha em cenas variadas, como quando uma mulher é humilhada em praça pública por relacionar-se com um judeu. Esse tipo de sequência, bem como aquelas dedicadas a retratar o cerceamento da diversidade política (a briga no bar, por exemplo), incomoda bastante porque é perfeitamente possível estabelecer paralelos entre o nazismo e coisas que estamos vendo atualmente no nosso no dia a dia. Lixamento público, principalmente na internet, tornou-se algo comum para demonstrar insatisfação com alguém. A tentativa de criminalização das políticas de esquerda (levianamente definidas por muitos como ‘comunismo’), por outro lado, é uma realidade incômoda nesse momento de recessão econômica. Por mais clichê que isso possa soar, é fundamental aprendermos com os erros da história para que eles não sejam repetidos.

13-minutos-cena-3O outro ponto interessante no roteiro é a forma como o diretor constrói o protagonista. Georg Elser pode até ter tido uma iniciativa nobre (ainda que questionável), mas em momento algum Hierschbiegel tenta vendê-lo como um herói. Além de só ter prestado atenção na desgraceira que estava ao seu redor após ter sentido na própria carne as garras do nazismo, Elser foi um sujeito capaz de abandonar uma mulher e um filho e de seduzir a esposa de outro homem. Sem absolutamente nenhum tipo de moralismo, o diretor ainda nos faz pensar uma outra questão: e as 8 pessoas inocentes que foram mortas pelas explosão que deveria ceifar a vida do Hitler? Esse tipo de raciocínio calculista (matar um/poucos para salvar milhões) não é exatamente o mesmo tipo de pensamento encontrado por trás de várias atrocidades nazistas?

Vi 13 Minutos logo após almoçar e não aconselho que vocês façam o mesmo. Além de não ser fácil digerir todas as provocações do roteiro, é preciso ter estômago para acompanhar as cenas de tortura do longa. Imagine tu com a barriga cheia vendo uma agulha quente sendo introduzida debaixo da unha do personagem. Agora imagine vê-lo vomitando de dor. Melhor não, né? Todo caso, reserve um tempo para assistir 13 Minutos (de preferência no Cine Cultura, se o leitor for de Brasília): trata-se de um filme bastante informativo sobre eventos do passado que tem mostrado-se assustadoramente atuais.

13-minutos-cena-4