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A Invenção de Hugo Cabret (2011)

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“Scorsese dirigirá um filme em 3D sobre um garoto que vive em uma estação de trem”, eis a primeira descrição que eu li do filme A Invenção de Hugo Cabret, produção que no próximo domingo (25/02) concorrerá em 11 categorias do Oscar de 2012 com chances reais de vencer como Melhor Filme e Melhor Diretor. A fé no Scorsese é grande, mas a minha primeira reação não foi das melhores possíveis visto o supra sumo do trabalho dele estar concentrado em temas mais “adultos”, coisas sutis como taxistas surtando, boxeadores viciados em cocaína e homens sendo baleados no rosto após saírem de um elevador. Se você também estava desconfiado, regozije-se: A Invenção de Hugo Cabret, de fato, parte de uma premissa infantil, mas o resultado final é uma homenagem ao mundo do cinema que só um diretor do calibre do Scorsese poderia fazer, um filme que, ao lado do O Artista, resgata a inocência e a beleza dos primórdios da história do cinema e as apresentam para esta geração.

Hugo Cabret (Asa Butterfield, de O Menino do Pijama Listrado) é um menino que vive em uma estação de trem da Paris da década de 30. Enquanto trabalha escondido consertando os relógios do local e foge do inspetor da estação (Sacha Baron Cohen, o Borat), Hugo junta pequenas peças e engrenagens para realizar seu sonho de reparar o autômato que ele ganhou de presente do pai (Jude Law em curta participação).

Bem, isso é o que vê-se na primeira metade do filme e, de certa forma, é o que o trailer anunciava. Fora as peripécias técnicas do Scorsese, com câmeras movimentando-se de formas inimagináveis e esplendorosas  pelos cenários e um 3D que o James Cameron, a autoridade em pessoa no assunto, teria dito ser o melhor que ele já viu, confesso que a história não me empolgou muito. Eis então que a identidade do dono da loja de brinquedos da estação é revelada e o roteiro apresenta seu verdadeiro potencial. Como não consuguirei prosseguir sem falar sobre essa revelação, fica o aviso sobre SPOILERS, certo?

Se o nome Méliès não é dos mais conhecidos atualmente, creio que a imagem acima de uma lua humanóide atingida no olho por uma bala/espaçonave goze de maior popularidade junto ao público tanto por sua singularidade quanto por aparecer quase que obrigatoriamente em tudo que está relacionado a “clássicos do cinema” (eu tive contato com a mesma pela primeira vez ao folhear as páginas do livro 1001 Filmes Para Ver Antes de Morrer do Steven Jay Schneider). A tal imagem é do Viagem à Lua, filme dirigido no longínquo ano de 1902 pelo francês George Méliès que, por acaso, é o dono da loja de brinquedos interpretado pelo Ben Kingsley em Hugo. Dado como morto durante a I Guerra Mundial, Méliès vive amargurado por suas obras terem caído no esquecimento. Junto do pesquisador Rene Tabard (Michael Stuhlbarg) e da amiga Isabelle (Chloe Grace Moretz), Hugo resolve o mistério do autômato, descobre um dos filmes do diretor e esforça-se para devolver alegria à sua vida.

Kingsley caracterizado como Méliès e Scorsese

A Invenção de Hugo Cabret não é apenas um filme sobre um diretor que outro diretor admira. O novo filme do Scorsese  é um tributo à magia de fazer e assistir filmes, um relato cheio de carinho àqueles primeiro filmes e ao contexto repleto de descobertas, curiosidades e experimentações que os envolveram.  Méliès, que começara a vida como ilusionista, impressiona-se com as primeiras imagens captadas pelos irmãos Lumière e decide montar um estúdio para fazer seus próprios filmes. Considerado o “pai dos efeitos especiais”, o diretor é mostrado enquanto usa todo o seu talento para elaborar cenários, efeitos pirotécnicos e edições que influenciariam toda uma geração de trabalhos posteriores mas, mais do que isso, vemos ele divertindo-se fazendo aquilo que ele amava ao lado de sua fiel esposa.

“Venham sonhar comigo!”, nos diz Scorsese através de Méliès. O convite, que é feito em uma das melhores cenas do ano, me comoveu profundamente. Estando hoje à frente de produções milionárias, não vejo o Scorsese como um porta voz da simplicidade, mas confio na sinceridade de alguém que dedicou uma vida ao cinema e que tenta resgatar o prazer de contar uma boa história através do exemplo de um de seus ídolos de infância.

Volto a citar essa entrevista do diretor, quando ele diz que “se nós atingirmos um em cada cem, ou um em cada mil, nós teremos feito algo importante”, para dizer que concordo com ele e para atestar que, com A Invenção de Hugo Cabret, ele me atingiu: procurarei os trabalhos do diretor George Mélies e será com grande prazer que ajudarei a divulgar os sonhos daquele que contribuiu significativamente para a criação de algo que eu verdadeiramente amo.

Venham sonhar comigo!