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Contágio (2011)

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Quando rolou toda aquela confusão da gripe suína, eu fiquei do lado do grupo que não viu motivo para entrar em pânico, usar máscaras protetoras ou tomar banho em álcool em gel. Lembro perfeitamente de receber emails falando de conspirações do governos para esconder a gravidade do problema (alguns com prints do Google Maps com imagens do que seria uma estoque gigantesco de caixões comprados pelos EUA) e de um cidadão querendo brigar comigo porque eu espirrei em um local público. Eu JURO que não foi por querer.

Em Contágio, fala-se da gripe suína como um problema que já foi superado. A americana interpretada pela Gwyneth Paltrow viaja para o leste asiático e retorna para casa contaminada com um novo tipo de vírus. Tudo aquilo que temeu-se relacionado ao H1N1 então torna-se realidade: o vírus espalha-se com uma taxa de mortalidade altíssima, a população entra em pânico e o governo, incapaz de encontrar a cura, mostra-se inábil para lidar com o caos social que instala-se no mundo.

As referências não poderiam ser mais claras: Contágio é um exercício imaginativo do diretor Steven Soderbergh sobre as consequências da proliferação de um vírus desconhecido no mundo. Pegando carona em nossa experiência recente com a gripe suína, Soderbergh usa de sua tradicional não-linearidade temporal para ir e voltar no tempo intercalando os vários estágios do comportamento humano frente aquilo que é novo. A doença, que inicialmente é tratada com ceticismo até mesmo pelos jornalistas, evolui em uma velocidade impressionante, pega todo mundo de surpresa e provoca reação variadas na população: temos aqueles que procuram encarar tudo da forma mais objetiva possível, temos aqueles que procuram ganhar dinheiro com a situação, pessoas cujo instinto de sobrevivência levam-nas a cometer loucuras e aqueles que tentam fazer algo para resolver o problema.

Acreditem: essa mulher é um dos personagens mais chatos dos últimos anos

Gostei muito da forma como o Soderbergh abordou os vários pontos de vista pertinentes a esse tipo de situação, ele não desconsidera a preocupação e o medo frente ao desconhecido nem deixa de mostrar o quão perigoso o pânico e a histeria coletiva podem ser. O final fatalista e sombrio e a quantidade de atores renomados que o diretor manda para o saco preto também merecem palmas.

Apesar dos bom cast (Matt Damon, Kate Winslet, Marion Cotillard, Laurence Fishburne, Gwyneth Paltrow, Jude Law) e do argumento atual e bem desenvolvido, fiquei com a impressão de que faltou alguma coisa no filme: não sei se a conclusão (não a cena final, esta é genial) da história é pouco ousada ou se é porque os acontecimentos do filme seguem um curso deveras óbvio disfarçado pela quebra da linha temporal, o fato é que eu saí do cinema com a impressão de que Contágio poderia render mais. Vale o ingresso, mas não é o tipo de filme que eu vou lembrar daqui um ano.

Sexo, Mentiras e Videotape (1989)

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É mais fácil chover sapos do que alguém chegar e pedir indicação de um filme do Steven Soderbergh, aliás, qualquer uma dessas situações seria deveras bizarra. Mas se um dia isso acontecer (o pedido, não a chuva), a minha indicação será o Sexo, Mentiras e Videotape. Esqueça aquelas não-linearidades temporais chatas de filmes como Chê e Confissões de Uma Garota de Programa ou superproduções como Traffic e a trilogia iniciada com o 11 Homens e Um Segredo. Sexo, Mentiras e Videotape é um filme feito por um diretor em início de carreira, com um orçamento baixo e sem excessos narrativos. É uma boa história, com bons personagens e bons diálogos, o feijão com arroz que está cada vez mais difícil de ser encontrado na prateleira hollywoodiana.

O ponto de partida é um casal que tinha tudo para ser feliz. Ele é um advogado cuja carreira está em ascensão, o que permite que a esposa fique em casa sem trabalhar, dedicando todo o tempo para si mesma. O problema é que, além de ser frígida, ela tem uma irmã com um cabelo ridículo que não perde uma oportunidade de ir para a cama com alguém. Some 1 + 1 e acrescente à história um amigo do advogado que chega na cidade trazendo pouco mais do que a roupa do corpo e um fetiche por gravar mulheres relatando experiências sexuais e temos o roteiro de Sexo, Mentiras e Videotape.

Primeiro ponto positivo: os diálogos. Os personagens falam como pessoas que você e eu conhecemos, é tudo muito natural. Temos um advogado que diz que a segunda pior espécie de pessoas são os mentirosos e a primeira são… os advogados, uma mulher que ri ao falar de masturbação e que considera sexo algo superestimado, um marido que sente-se ofendido quando é acusado de traição e um bêbado que canta toda e qualquer mulher que entra no bar. Sério, é genial.

Segundo ponto positivo: a direção. Simples, direta e eficaz. Há um ou outro movimento de câmera audacioso e algumas metáforas, mas nada que tire sua atenção da história que está sendo contada. A “visão” do diretor e os recursos narrativos usados nunca sobrepõe a própria história.

Sexo, Mentiras e Videotape é mais sobre sexo e mentiras do que sobre videotape, é um filme com personagens que tem problemas e inquietações bastante reais (excluindo, logicamente, a da lata de lixo), que não preocupa-se em dar lição de moral e que por isso abre espaço para que você ria de si mesmo e divirta-se no processo.