O Parque das Agulhas, ou Needle Park no original, era o nome que os usuários de heroína davam para a Praça Sherman em Nova York, local onde eles encontravam-se para comprar e usar drogas. Os Viciados, filme do diretor Jerry Schatzberg lançado em 1971 e mais conhecido por ser o primeiro longa de destaque do ator Al Pacino, segue a vida de um casal, Bobby (Pacino) e Helen (Kitty Winn), que tenta sobreviver as dificuldades e desafios diários que o vício lhes impõe. A mensagem anti-drogas é um dos pontos memoráveis da trama já que, compreensivelmente, ela é construída para demonstrar a ascensão e queda daqueles que aventuram-se no mundo da ilegalidade. Devo dizer, porém, que fiquei indiferente aos “conselhos” ofertados pelo roteiro e preferi aproveitar o filme de outra forma.
É difícil falar sobre drogas abertamente sem recorrer a uma infinidade de clichês mal fundamentados ou, pior, sem correr o risco de ser mal interpretado e julgado publicamente. Ainda que atualmente temas como a liberação da maconha sejam pautas de candidatos à presidência da República, não acho que o grosso da população esteja preparado para livrar-se dos estereótipos que lhe foram enfiados garganta à baixo durante anos e discutir o assunto de forma madura, pesando não somente os inegáveis “contras”, mas também os inquestionáveis “a favor”, que a legalização da erva traria. A escandalização com o que o outro faz e a demonização daquilo que lhe é estranho, comportamentos costumeiramente verificado no ser humano, infelizmente, ainda impedem que certas questões de interesse social sejam encaradas tal qual elas deveriam ser, sem pânico e sentimentalismos baratos. Na impossibilidade de mudar esse conservadorismo por vezes retrógrado da natureza humana, resta-me trabalhar o meu próprio olhar para evitar as armadilhas simplificadoras que a sociedade e suas formas de expressão, entre elas o cinema, corriqueiramente nos impõe.
Procurei Os Viciados porque eu queria assistir um filme do Pacino. Sou fã do ator e foi prazeroso ver que, desde seus primeiros trabalhos, ele já demonstrava toda aquela habilidade de disparar sermões e xingamentos contra os pobres ouvidos de seus colegas de elenco. Seria um erro, porém, dizer que ele é o personagem mais interessante por aqui. Pouco ou nada sabemos do passado e das motivações de Bobby: ao que tudo indica, ele perambula pelo mundo do crime desde a infância, realizando pequenos roubos que lhe permitem comprar drogas e sobreviver sem a necessidade de um trabalho convencional. Pacino até imprime uma personalidade romântica e boêmia ao sujeito mas, no geral, ele é o traficante/marginal tradicional de filmes do estilo, um hedonista irresponsável que “injeta” tudo o que ganha e cuja noção de futuro não vai além do dia seguinte. Bobby não foi feito para inspirar empatia nem para que possamos enxergá-lo além do que é mostrado: a essência do personagem é ser aquilo que deve ser evitado pelo espectador.
Do outro lado, temos Helen, uma jovem que está em Nova York fugida dos pais e que acabou de realizar um aborto. Perdida e sem muitas opções para sustentar-se, ela torna-se “presa” fácil para Bobby e sua promessa de uma vida sem muitas regras e preocupações. Fosse esse apenas mais um entre tantos outros filmes anti-drogas, Helen seria então retratada como a garota inocente do interior que é corrompida pelo malandro da cidade grande, aquela dicotomia entre o tradicional e o progresso que, na maioria das vezes, serve apenas para empobrecer os roteiros. Os Viciados torna-se um filme verdadeiramente interessante quando evita essa abordagem e não preocupa-se em colocar Helen em uma jornada de redenção.
Falar que as drogas matam e destroem vidas e famílias é tão necessário quanto banal. Muitas coisas, legais ou não, também matam e destroem (sempre penso nos ótimos exemplos do Réquiem Para um Sonho) e nem por isso as pessoas deixam de usá-las. Trata-se de uma questão complexa e eu não tenho a pretensão de dar uma solução pra ela nesse texto/parágrafo, mas penso que, antes de investir em políticas e campanhas que negam informações e promovem o medo, seria mais proveitoso escancarar o assunto e coibir não o uso, mas o exagero, até porque, verdade seja dita, quem quer usar drogas usa e muitas vezes faz isso completamente no escuro, sem saber quais efeitos e consequências esperar, tal qual acontece com Helen. Incapaz de tomar decisões que lhe afastarão de complicações com a polícia e mergulhando cada vez mais em um relacionamento degradante, ela chega ao ponto de prostituir-se para comprar drogas para Bobby. O problema da personagem não são as drogas em si, mas o contexto (problemas familiares, financeiros, educacionais) que a transformou em uma pessoa sem espírito crítico. As origens dos impulsos destrutivos de Helen, eis algo sobre o qual vale a pena pensar e analisar se o intuito for propor um debate sério sobre os motivos que levam as pessoas a arriscarem suas vidas e a dos outros em situações de exageros e falta de bom senso.
Mesmo que a personagem da Kitty Winn receba mais atenção e seja o verdadeiro centro do roteiro, é sempre muito bom ver o Pacino em ação. A cena cômica em que ele conquista Helen (aquela que termina com o furto de uma TV) e a explosão de ódio que ele promove para cima dela no fim são excelentes e certamente influenciaram o Coppola na escolha que, no ano seguinte,garantiria ao ator seu espaço na história do cinema: o diretor declarou que foi a performance em Os Viciados que garantiu para o Al o papel de Michael Corleone no O Poderoso Chefão. Chamo atenção também o realismo obtido nos closes que mostram a injeção da heroína e para a última cena do filme, um desfecho improvável próprio das produções da década de 70 que fecha a trama muitíssimo bem reforçando o argumento de que o problema do vício, ainda que intrinsecamente ligado as drogas, não resume-se a elas e pede, para sua solução, a compreensão da própria condição humana e suas fraquezas.