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Os Viciados (1971)

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Os ViciadosO Parque das Agulhas, ou Needle Park no original, era o nome que os usuários de heroína davam para a Praça Sherman em Nova York, local onde eles encontravam-se para comprar e usar drogas. Os Viciados, filme do diretor Jerry Schatzberg lançado em 1971 e mais conhecido por ser o primeiro longa de destaque do ator Al Pacino, segue a vida de um casal, Bobby (Pacino) e Helen (Kitty Winn), que tenta sobreviver as dificuldades e desafios diários que o vício lhes impõe. A mensagem anti-drogas é um dos pontos memoráveis da trama já que, compreensivelmente, ela é construída para demonstrar a ascensão e queda daqueles que aventuram-se no mundo da ilegalidade. Devo dizer, porém, que fiquei indiferente aos “conselhos” ofertados pelo roteiro e preferi aproveitar o filme de outra forma.

É difícil falar sobre drogas abertamente sem recorrer a uma infinidade de clichês mal fundamentados ou, pior, sem correr o risco de ser mal interpretado e julgado publicamente. Ainda que atualmente temas como a liberação da maconha sejam pautas de candidatos à presidência da República, não acho que o grosso da população esteja preparado para livrar-se dos estereótipos que lhe foram enfiados garganta à baixo durante anos e discutir o assunto de forma madura, pesando não somente os inegáveis “contras”, mas também os inquestionáveis “a favor”, que a legalização da erva traria. A escandalização com o que o outro faz e a demonização daquilo que lhe é estranho, comportamentos costumeiramente verificado no ser humano, infelizmente, ainda impedem que certas questões de interesse social sejam encaradas tal qual elas deveriam ser, sem pânico e sentimentalismos baratos. Na impossibilidade de mudar esse conservadorismo por vezes retrógrado da natureza humana, resta-me trabalhar o meu próprio olhar para evitar as armadilhas simplificadoras que a sociedade e suas formas de expressão, entre elas o cinema, corriqueiramente nos impõe.

Os Viciados - Cena 3Procurei Os Viciados porque eu queria assistir um filme do Pacino. Sou fã do ator e foi prazeroso ver que, desde seus primeiros trabalhos, ele já demonstrava  toda aquela habilidade de disparar sermões e xingamentos contra os pobres ouvidos de seus colegas de elenco. Seria um erro, porém, dizer que ele é o personagem mais interessante por aqui. Pouco ou nada sabemos do passado e das motivações de Bobby: ao que tudo indica, ele perambula pelo mundo do crime desde a infância, realizando pequenos roubos que lhe permitem comprar drogas e sobreviver sem a necessidade de um trabalho convencional. Pacino até imprime uma personalidade romântica e boêmia ao sujeito mas, no geral, ele é o traficante/marginal tradicional de filmes do estilo, um hedonista irresponsável que “injeta” tudo o que ganha e cuja noção de futuro não vai além do dia seguinte. Bobby não foi feito para inspirar empatia nem para que possamos enxergá-lo além do que é mostrado: a essência do personagem é ser aquilo que deve ser evitado pelo espectador.

Do outro lado, temos Helen, uma jovem que está em Nova York fugida dos pais e que acabou de realizar um aborto. Perdida e sem muitas opções para sustentar-se, ela torna-se “presa” fácil para Bobby e sua promessa de uma vida sem muitas regras e preocupações. Fosse esse apenas mais um entre tantos outros filmes anti-drogas, Helen seria então retratada como a garota inocente do interior que é corrompida pelo malandro da cidade grande, aquela dicotomia entre o tradicional e o progresso que, na maioria das vezes, serve apenas para empobrecer os roteiros. Os Viciados torna-se um filme verdadeiramente interessante quando evita essa abordagem e não preocupa-se em colocar Helen em uma jornada de redenção.

Os Viciados - CenaFalar que as drogas matam e destroem vidas e famílias é tão necessário quanto banal. Muitas coisas, legais ou não, também matam e destroem (sempre penso nos ótimos exemplos do Réquiem Para um Sonho) e nem por isso as pessoas deixam de usá-las. Trata-se de uma questão complexa e eu não tenho a pretensão de dar uma solução pra ela nesse texto/parágrafo, mas penso que, antes de investir em políticas e campanhas que negam informações e promovem o medo, seria mais proveitoso escancarar o assunto e coibir não o uso, mas o exagero, até porque, verdade seja dita, quem quer usar drogas usa e muitas vezes faz isso completamente no escuro, sem saber quais efeitos e consequências esperar, tal qual acontece com Helen. Incapaz de tomar decisões que lhe afastarão de complicações com a polícia e mergulhando cada vez mais em um relacionamento degradante, ela chega ao ponto de prostituir-se para comprar drogas para Bobby. O problema da personagem não são as drogas em si, mas o contexto (problemas familiares, financeiros, educacionais) que a transformou em uma pessoa sem espírito crítico. As origens dos impulsos destrutivos de Helen, eis algo sobre o qual vale a pena pensar e analisar se o intuito for propor um debate sério sobre os motivos que levam as pessoas a arriscarem suas vidas e a dos outros em situações de exageros e falta de bom senso.

Os Viciados - Cena 4Mesmo que a personagem da Kitty Winn receba mais atenção e seja o verdadeiro centro do roteiro, é sempre muito bom ver o Pacino em ação. A cena cômica em que ele conquista Helen (aquela que termina com o furto de uma TV) e a explosão de ódio que ele promove para cima dela no fim são excelentes e certamente influenciaram o Coppola na escolha que, no ano seguinte,garantiria ao ator seu espaço na história do cinema: o diretor declarou que foi a performance em Os Viciados que garantiu para o Al o papel de Michael Corleone no O Poderoso Chefão. Chamo atenção também o realismo obtido nos closes que mostram a injeção da heroína e para a última cena do filme, um desfecho improvável próprio das produções da década de 70 que fecha a trama muitíssimo bem reforçando o argumento de que o problema do vício, ainda que intrinsecamente ligado as drogas, não resume-se a elas e pede, para sua solução, a compreensão da própria condição humana e suas fraquezas.

Os Viciados - Cena 2

Amigos Inseparáveis (2012)

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Amigos InseparáveisBless me father, I have sinned/ I’m not sure where to begin

No link acima, vê-se o clipe da Not Running Anymore, música que concorreu ao Globo de Ouro de Melhor Canção Original. Um Jon Bon Jovi envelhecido caminha através de uma cidade durante a noite pensando e cantando sobre a vida. Nada de Hey God, what the hell is going on?, nem de It’s my life, is now or never, muito menos de  Shot through the heart, you’re to blame. O cantor, que hoje encontra-se com 51 anos, canta sobre uma pessoa que esteve sempre fugindo, alguém que aprendeu a viver com as lembranças e que agora não quer mais correr.

Esse clima de maturidade e introspecção (que, aliás, tem sido uma constante nos trabalhos da banda, principalmente no último, What About Now) é o pano de fundo do nostálgico Amigos Inseparáveis, filme que reúne três monstros sagrados do cinema norte americano em um roteiro do tipo “última missão”. Val (Al Pacino), passou a maior parte da vida preso devido a um assalto malsucedido. Cumprida a sentença, ele é solto e encontra um dos únicos amigos que lhe restou, Doc (Christopher Walken), seu antigo parceiro de crime. O problema aqui é que Doc foi encarregado pelo antigo chege da gangue de matar Val assim que ele saísse da prisão. Mesmo não tendo entregado nenhum de seus antigos companheiros para a polícia, Val fora o responsável direto pela morte do filho do tal chefe.

Amigos Inseparáveis - Cena

Enquanto decide o destino do amigo, Doc leva Val para fazer coisas que ele não fazia há muito tempo, como beber em boates, usar drogas e transar com prostitutas. Naquilo que transforma-se em uma noite épica, os amigos ainda vão a procura de Hirsch (Alan Arkin), o antigo piloto de fuga da gangue, e ajudam uma mulher em apuros antes de resolverem o que farão a respeito do pequeno grande problema de Val.

Conduzido pelo diretor e também ator Fisher Stevens, Amigos Inseparáveis está repleto de boas piadas sobre velhice assim como de momentos emocionantes sobre amor e amizade. Al Pacino, que está mais contido do que de costume, sem seus famosos gritos histéricos, chama a atenção tanto pela barriga saliente quanto pela figura extremamente canastrã e divertida que compôs para o personagem. Val broxa com a prostituta, dá cantadas de pedreiro nas garotas da boate e, na falta de cocaína, cheira os comprimidos de Doc. O personagem, no entanto, é muito mais esperto e experiente do que esse comportamento impulsivo demonstra, já que ele revela-se um ótimo atirador quando a situação exige e age como um verdadeiro cavalheiro com uma moça da boate, recebendo uma dança coladinha em troca.

Amigos Inseparáveis -  2

Alan Arkin praticamente faz uma participação especial no filme, mas é uma P*** de uma participação! Fazendo manobras arriscadas em um carrão para despistar a polícia e exibindo um desempenho sexual épico em uma “casa de massagem”, Arkin revela-se uma figuraça. Já o Christopher Walken, cujo papel na maior parte do filme consiste em ser o “parceiro do Pacino”, surpreende no final em uma cena que talvez seja o momento mais emocionante da trama. Com a música do Bon Jovi tocando no fundo, o personagem demonstra uma sensibilidade enorme ao finalmente decidir o que fará a respeito de Val e de si mesmo.

O roteiro de Amigos Inseparáveis passa longe, muito longe mesmo de fazer justiça a carreira dos atores que ele reúne. Pacino, Walken e Arkin são vencedores do Oscar que possuem clássicos absolutos da história do cinema em suas filmografias e uma história sobre um grupo de amigos que reúne-se para celebrar os velhos tempos em uma noite insana não acrescenta nada para a carreira deles. Nota-se, porém, que o filme é feito com carinho e respeito pelos atores e isso contribui muito para o resultado final ser tão bom quanto é. Os três confundem-se com seus próprios personagens, caras que foram os maiorais em seu tempo e que agora vivem em um ritmo mais tranquilo, sem correr (como a música sugere), mas ainda assim são BEM melhores e mais eficientes do que muita gente que anda por aí. Vale dizer ainda que, apesar da trama utilizar um lugar comum dentro do filme de crime, o final é deveras surpreendente e aberto. Amigos Insperáveis não reinventa a roda, mas traz algumas das pessoas que ajudaram a moldá-la em um filme divertido, nostálgico e tocante sobre amizade. Pra mim, é o suficiente.

Sensacional: Walken atirando nos bandidos com a mesma tranquilidade de alguém que compra um pão rs

Sensacional: Walken atirando nos bandidos com a mesma tranquilidade de alguém que compra um pão rs

O Pagamento Final (1993)

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Carlito “Brigante” (Al Pacino) é  um cara que quer mudar de vida. Após experimentar a sensação de ser um dos mais poderosos traficantes de heroína de Nova York e, devido a isso, passar 5 anos na prisão, o porto riquenho só quer uma oportunidade para ganhar uma grana honesta e mudar-se para um paraíso tropical qualquer onde ele possa viver tranquilamente. Apesar de toda a teatralidade e de todas as ironias usadas no tribunal no dia de seu julgamento, o traficante é sincero quando diz ter mudado. O juiz, obviamente, não acredita nele, mas, devido a brilhante atuação do advogado de defesa, o cabeludo David Kleinfeld (Sean Penn), Carlito é solto e começa a colocar seus planos para uma vida melhor em ação. Convidado por Kleinfeld para gerenciar um clube noturno, Brigante procura manter-se longe de confusão enquanto trilha o caminho para seu sonho. Infelizmente, o personagem não consegue livrar-se completamente do passado e uma ex-namorada e velhas amizades/inimizades começam a arrastá-lo de volta para o inferno de onde ele veio.

São muitas as semelhanças entre O Pagamento Final e Scarface. Dirigidos e protagonizados pela dupla De Palma/Al Pacino, os dois filmes tratam da história de um latino que conquistou poder em território americano graças ao tráfico de drogas. Mudando-se o final do Scarface e fazendo as devidas alterações, poderíamos dizer até que O Pagamento Final funciona perfeitamente como uma continuação da epopéia do cubano Tony Montana. Não que eu acredite que um cara que atira furiosamente com uma metranca em seus inimigos possa reabilitar-se mas, se isso acontecesse, esse cara poderia tranquilamente ser o Carlito Brigante e ter seus objetivos.

Pacino e Sean Penn com seu cabelo imperdoável

E, convenhamos, querer mudar de vida é um objetivo nobre. É claro que não estou me referindo aquela falácia propagada pelos Os Pacificadores naquela música irritante, mas sim a auto-crítica que impulsiona rumo a uma vida mais consciente e satisfatória. Não trata-se de encaixar-se dentro de modelos impostos pela sociedade, mas sim de estar em paz consigo mesmo e com as escolhas que tu fez durante a vida. Eu, por exemplo, detestava ser magrelo, não porque os outros enchiam a minha paciência com isso, mas porque eu mesmo não me sentia bem. Dei os meus pulos e consegui chegar no peso ideal. Por outro lado, durante um certo tempo, eu tentei parar de beber Coca-Cola e não consegui. Por que e, o mais importante, o que isso tem a ver com o filme? Eu não deixei de beber Coca porque eu gostava do refrigerante, e vejo que o personagem do Pacino em O Pagamento Final também não consegue desprender-se de seus fantasmas porque, mais do que querer uma vida calma na praia, ele GOSTAVA e sentia ORGULHO daquilo que ele construiu.

Só eu que lembrei do O Iluminado?

Em um determinado momento, Carlito conhece um traficante (Benny Blanco, interpretado pelo John Leguizamo) que, assim como acontecera com ele outrora, está crescendo dentro do mundo do crime. Nessa cena bastante ilustrativa, fica perceptível que, apesar de todo o desejo do personagem de mudar (desejo esse que é expresso quando ele decide não liquidar o sujeito após uma briga), Carlito sente um pouco de inveja da ascensão do sujeito e um perigoso nostalgismo relacionado ao tempo de seu reinado. Blanco, nas palavras dele, nunca chegará perto daquilo que ele foi, nunca terá os contatos e o poder que ele experimentou. À essa mentalidade soma-se a “chave de cadeia” chamada Kleinfeld, o advogado drogadão que quer aliar o próprio poder e influência com a experiência de Carlito para transformar-se em um chefão do crime. O único motivo que dá forças para o personagem seguir seu caminho (lembrando que a tradução literal do título original seria O Caminho de Carlito) é a “bailarina” Gail (Penelope Ann Miller), uma ex-namorada que seguiu caminhos escusos na vida e que Carlito, apesar de todas promessas, decepcionou antes e decepcionará denovo graças a todas as forças que jogam-no impiedosamente para o mundo do crime.

Carlito e Benny Blanco

Menos violento e menos teatral do que Scarface, O Último Pagamento explora aquele lado sombrio da realidade que começou a ganhar forma no cinema americano no final da década de 60. Sendo um dos protagonistas do movimento que provocou essa mudança, o diretor Brian de Palma fala com propriedade do homem que é consumido pelo sistema e por suas próprias fraquezas. Com cenários que variam desde as festas no clube até assassinatos em alto mar e uma “reedição” do tiroteio do metrô visto no Os Intocáveis, O Último Pagamento ainda nos oferece o belo trabalho de câmeras do diretor aliado aos xingamentos e maldições disparados pelo Pacino. Mais difícil do que mudar de vida é não gostar desse filme. Excelente.

É ou não é a atitude de um sujeito que quer deixar o mundo do crime?

Donnie Brasco (1997)

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Tendo Hollywood como referência, não é um erro dizer que o Johnny Depp é um dos atores mais populares da atualidade. Com a cine-série Piratas do Caribe e seus trabalhos em parceria com o diretor Tim Burton, Depp caiu nas graças do público com seus personagens excêntricos e divertidos e tornou-se um daqueles casos raros onde o ator acumula sucesso de crítica e público. O Al Pacino já é um caso diferente. Apesar de possuir uma das carreiras mais respeitadas da história do cinema e continuar atuando regularmente, o ator já não tem mais o apelo junto ao grande público de outrora (Trilogia O Poderoso Chefão, Serpico e Um Dia de Cão) e é mais reconhecido e valorizado por pessoas mais velhas e/ou interessados em cinema.

Em 1997 a realidade dos dois atores era um pouco diferente. Enquanto Pacino ainda saboreava um Globo de Ouro e um Oscar de Melhor Ator e estreava o sucesso O Advogado do Diabo (minha atuação favorita dele), Depp ainda caminhava para o topo com os cults Edward Mãos-de-Tesoura e Ed Wood e o romance Don Juan de Marco. O veterano e a promessa reuniram-se então para levar às telas a história de Donnie Brasco (Depp), codinome do policial do FBI Joe Pistone que durante a década de 70 infiltrou-se na máfia de Nova York com o intuito de reunir provas contra o crime organizado. Donnie conquista a confiança e a amizade do criminoso “Lefty Ruggiero” (Pacino) e põe seu trabalho em risco quando encontra na máfia valores e laços familiares mais fortes do que aqueles que sua profissão e vida privada lhe ofereceram até então.

Assim como o Tim Burton contribuiu significativamente para que o Depp fosse visto como uma pessoa excêntrica, O Poderoso Chefão e Scarface criaram um vínculo eterno entre o Pacino e a figura do mafioso (esteriótipo muito bem aproveitado, por exemplo, nesse filme aqui). Donnie Brasco subverte um pouco esses esteriótipos e obtém um resultado irregular. Depp é bem sucedido mas não encanta ao interpretar um personagem relativamente “normal” e o Pacino retorna a um papel ao qual ele está acostumado mas abre mão da teatralidade deliciosa de um Tony Montana em nome da humanização e desmistificação dos mafiosos.Essa fuga do lugar comum proposta pelo diretor Mike Newell estende-se também ao Michael Madsen, que de eterno capanga passa ao papel do figurão da máfia Sonny Black.

O raciocínio também é válido para a narrativa do filme: o forte de Donnie Brasco é o desenvolvimento dos personagens, não cenas de tiroteio e violência. O que não foge do lugar comum é a forma de divulgação do longa, não é difícil encontrar um cartaz com “O Melhor Filme de gângsters desde O Poderoso Chefão” escrito, frase chamativa mas que não tem correspondência com uma realidade onde existem Os Bons Companheiros e Os Intocáveis e que compara uma obra inquestionável com um filme que é, no máximo, bom. Eu esperava mais.

O Informante (1999)

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Algumas das maiores frustrações da minha vida foram descobrir que:

  1. Os caras do Aerosmith usavam (?) drogas.
  2. Meninas não dão valor em um save de Final Fantasy X com mais de 180 horas.
  3. A imparcialidade não existe.

Qualquer pessoa que tenha lido um ou dois textos sobre subjetividade e imparcialidade sabe que a simples escolha do tema que será desenvolvido/publicado implica necessariamente adotar uma posição. Colocar o Luciano Huck e a Angélica na capa de uma das revistas de maior circulação nacional enquanto uma revolução ocorria no Egito, por exemplo, foi uma escolha, um posicionamento. Tomamos decisões o tempo todo, escolhemos certas coisas em detrimento de outras, mas existem casos onde essas escolhas podem ser feitas com a intenção clara de manipular a opinião pública, como no famoso caso da edição do debate entre Collor e Lula de 1989 feito pela Rede Globo que influenciou diretamente no resultado da eleição.

O Informante, dirigido pelo Michael Mann, é um filme que toca nessa questão da responsabilidade que a imprensa tem que ter na relação com o público. Jeffrey Wingand (Russell Crowe) começa o filme sendo despedido do cargo  de vice presidente de uma empresa da indústria do tabaco. Ao mesmo tempo, o jornalista Lowell Bergman (Al Pacino) recebe um dossiê contendo informações técnicas que poderiam comprovar que as indústrias estavam manipulando a nicotina nos cigarros para viciar os consumidores. Bergman procura Wingand e pede para que ele o ajude no caso. Quando Wingand revela que conhece segredos que poderiam encriminar e responsabilizar os donos das empresas, Bergman decide gravar uma entrevista com o ex-vice presidente para revelar ao mundo aquilo que ele considera um “caso de saúde pública”. Wingand, que tinha um contrato de confidencialidade com sua ex-empresa, passa a sofrer ameças e é vítima de campanhas de desmoralização pública. Bergman, ao tentar levar a entrevista ao ar, percebe que interesses econômicos interpõe-se entre o público e a “verdade”.

O Informante pode até ter a pegada de filmes de teoria da conspiração mas, salvo as adaptações feitas para valorizar o drama, ele é baseado na história real da luta de Jeffrey Wingand contra a Brown & Williamson, uma das gigantes da indústria do tabaco dos EUA que teriam despedido Wingand por ele discordar do uso nos cigarros de substâncias cancerígenas. O filme de Mann é baseado nas informações do próprio Wingand, as quais também não podem ser aceitas integralmente (tanto que o diretor não aceitou, mudando várias coisas e personagens, o que causou polêmica na época do lançamento) porque ele envolveu-se emocionalmente no processo. Por mais que a dramatização simplifique o problema colocando dois heróis contra um vilão representado pelo “sistema” em uma disputa emocionante repleta de discursos inflamados e pessoas inescrupulosas, o grande mérito do filme é instigar o espectador a analisar as fontes das notícias que chegam até ele e considerar que, muitas vezes, não há apenas o interesse de informar por trás de tais notícias.

Mann conduz bem o espectador ao longo das 2h37min de filme. Tendo estruturado a história em cima dos diálogos e das atuações magníficas de Pacino e Crowe, o diretor não comete os tradicionais usos de câmeras de mão e zooms explícitos, tendência que infelizmente ele não seguiu em seus trabalhos posteriores. Acredito que, mesmo para quem não gosta de História e Jornalismo, O Informante é um filme gostoso de ser assistido, sem dúvida um dos melhores trabalhos do diretor.

OBS: Apesar dos pesares, OBRIGADO a Veja por ESCOLHER esse filme para ser lançado na Coleção Cinemateca Veja e ao amigo Antônio Carlos por me presentear com uma cópia =)

You Don’t Know Jack (2010)

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Até onde vai o poder do Estado e da sociedade sobre a vida dos cidadãos? Uma pessoa psicologicamente sã que sofre de uma doença incurável tem o direito de tirar a própria vida assistida por um médico? A eutanásia é um assunto polêmico por envolver questões sociais, religiosas e culturais e é bem provável que não viveremos para ver o dia onde existirá um consenso sobre o tema. Por mais que essa seja uma questão evitada pela maioria dos políticos por conta dos riscos eleitorais de posicionar-se sobre, não é muito difícil encontrar quem queira nos convencer a tomar partido na questão. Clint Eastwood posicionou-se claramente a favor da eutanásia com o ganhador do Oscar de Melhor Filme Menina de Ouro e todo mundo já ouviu algum religioso dizer que “só Deus pode dar e tirar a vida”.

You Don’t Know Jack (não encontrei título nacional oficial, mas seria algo como Você Não Conhece o Jack) é um filme feito para a televisão pela HBO e dirigido pelo Barry Levinson que traz o Al Pacino no papel de Jack Kevorkian, o Dr. Morte, um médico americano do estado de Michigan que durante a década de 90 ajudou vários pacientes em fase terminal a tirarem suas vidas com a ajuda de um gás mortal. Kevorkian não estava interessado apenas em acabar com o sofrimento de pessoas que declaravam conscientemente o desejo de morrer, ele queria enfrentar a sociedade e promover o debate sobre a eutanásia.

Por mais que o filme tenha o cuidado de apresentar argumentos contra e a favor do assunto e mostre Kevorkian como um homem intransigível, insensível para com os amigos e com tendências a vangloriar-se de sua luta contra aquilo que ele chama de “mentalidade medieval”, You Don’t Know Jack posiciona-se favoravelmente a eutanásia. Aproximando-se de um tom quase documental, o filme opta por apresentar sua mensagem buscando um tom mais realista, fugindo das tradicionais cenas emotivas presentes em produções que tentam provar algum ponto.

A favor ou contra a eutanásia, todo mundo reconhecerá o trabalho espetacular do Al Pacino na caracterização do médico, atuação que rendeu ao ator o Globo de Ouro de Melhor Ator. Pacino foge de seus costumeiros gritos e acesso psicóticos para apresentar um homem amargurado que transformou sua luta a favor da eutanásia em uma possibilidade de dar sentido a uma vida repleta de amarguras. You Don’t Know Jack tem cerca de 2h30min e é uma boa dica para quem gosta de assuntos polêmicos.

BONUS ROUND:

Em um determinado momento, uma juíza pergunta para Jack se ele não tem medo de ser preso, se ele sabe como são as prisões. Deixando a legenda de lado e prestando atenção no áudio, percebemos que ela pergunta se ele já assistiu Um Sonho de Liberdade. Frank Darabont wins!

Um Dia de Cão (1975)

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Sidney Lumet, o diretor que com 12 atores e uma mesa fez um dos filmes mais interessantes de todos os tempos, adaptou para o cinema a história de um assalto que, como o cartaz já adianta, transformou-se em um verdadeiro espetáculo.

Michael e Fredo Corleone Sonny (Al Pacino), Sal (John Cazale) e um “amigo” invadem um banco e anunciam o assalto. Coloquei amigo entre aspas porque o sujeito não aguenta a pressão e foge. Enquanto descobrem que praticamente não há dinheiro no local, Sonny e Sal percebem que a polícia foi avisada do roubo e cercou o lugar. Sonny é um cara legal e conquista a simpatia dos funcionários do banco Síndrome de Estocolmo e da população que aglomera-se do lado de fora para acompanhar a ação policial. O assalto transforma-se em sequestro e as negociações são conduzidas diante das câmeras de TV, nada que o Rio de Janeiro não tenha feito mais e melhor.

A história é boa e as reações imprevisíveis dos personagens são legais e prendem a atenção, mas Um Dia de Cão é o que é pela atuação do Pacino. Mesmo economizando seus tradicionais berros e xingamentos, Pacino planta dúvidas na cabeça dos outros personagens, usa de seu controle sobre o destino dos sequestrados para brincar com a polícia em cenas engraçadíssimas e ainda sim demonstra através de pequenos detalhes o desespero de alguém que está vendo a jogada mais arriscada de sua vida sair COMPLETAMENTE errada. A interpretação rendeu ao Pacino uma indicação ao Oscar de Melhor Ator em 1976, uma das disputas mais inglórias de todos os tempos se considerarmos que do outro lado estava o Jack Nicholson com o Um Estranho No Ninho.

Dick Tracy (1990)

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Vamos começar colocando as cartas na mesa: Warren Beatty (Bonnie e Clyde), James Caan (o Sonny Corleone de O Poderoso Chefão), Al Pacino e Dustin Hoffman (esses não precisam de apresentação, certo?) todos em um único filme sobre gângsters filmado com elementos de histórias em quadrinhos (cores, caracterização dos personagens).

A reunião desse “elenco dos sonhos” pode ser associada a dois pontos bem específicos: o diretor e o apelo da história. Warren Beatty, que interpreta o personagem principal e dirige o filme, é um daqueles “queridinhos” de Hollywood, ator que, assim como o Jack Nicholson, conhece e já trabalhou com praticamente todo mundo do meio. O personagem e suas histórias de combate ao crime fazem parte da cultura popular americana desde 1931 e já renderam vários filme e seriados de TV.

Em Dick Tracy, Warren Beatty usa todos esses trunfos para fazer um daqueles filmes que ficam muito mais divertidos se você tiver um pouco de conhecimento sobre o que está sendo falado. Fora a homenagem aos filmes noir da década de 40, Beatty ainda coloca os atores em papéis que lembram alguns de seus grandes sucessos, como o Dustin Hoffman e seu atrapalhado Mumbles que lembra o Raymond Babbitt do Rain Man, o James Caan e seu Spaldoni que parece ser uma mistura de Sonny e Don Corleone, o próprio Warren e sua Tommy Gun que remetem ao seu papel em Bonnie e Clyde e, finalmente, o Al Pacino e seus gritos histéricos que evocam personagens como Tony Montana do Scarface e o próprio Michael Corleone. Dick Tracy tem um ritmo mais lento do que a maioria dos filmes de crime/policiais, não há grandes cenas de ação. A aposta do diretor (bem sucedida, na opinião desse que vos fala) é nos detalhes, cuidado que rendeu ao filme 7 indicações para o Oscar de 1991, das quais ele levou 3, entre elas a de Melhor Canção Original para Sooner or Later cantada pela Madonna.

Serpico (1973)

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O Al Pacino receberia seu primeiro (e único) Oscar só em 1993 por sua atuação em Perfume de Mulher, mas certamente o período mais fértil da carreira do ator foi cerca de 20 anos antes. Entre 73 e 76, Pacino recebeu  4 indicações para o prêmio de Melhor Ator/Melhor Ator Coadjuvante por sua participação naqueles que seriam alguns de seus melhores filmes: Poderoso Chefão Pt. 1 e Pt.2, Um Dia de Cão e esse Serpico.

Baseado em fatos reais, o filme conta a história de Frank Serpico (Pacino), um policial que, devido a sua honestidade, comprou briga com grande parte da Polícia de Nova York ao recusar aderir ao esquema de propina e corrupção organizado e mantido pelos policiais da cidade.

Dirigido pelo Sidney Lumet (Um Dia de Cão, Antes Que o Diabo Saiba Que Você Está Morto), Serpico não é um filme policial daqueles onde há vários tiroteios e cenas de perseguição. Com seu visual de hippie, Frank Serpico trabalhava disfarçado realizando trabalhos de inteligência para a polícia e isso, juntamente com a luta que ele trava para acabar com a corrupção policial, dão ao filme um ritmo mais lento, próximo daquele visto na maioria dos dramas. Mesmo que a história exemplar do policial seja um atrativo, é inegável que Serpico é um filme que a gente assiste mais para ver o Pacino atuar: com aquela conhecida voz anasalada, Pacino grita, xinga e amaldiçoa a corrupção a sua volta para em seguida sentar em uma cadeira, brincar com um cachorro e ouvir música clássica. É por essas e outras que eu o considero um dos melhores atores de todos os tempos.