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Skinheads – A Força Branca (1992)

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Skinheads - A Força BrancaAssim que terminei a polêmica resenha do filme anterior (a quantidade de pessoas que comentaram sobre ela comigo em particular, alguns inclusive querendo link para o o material, foi impressionante 😆 ), folheei o “1001 Filmes Para Ver Antes de Morrer” e procurei por algo mais “sério” para assistir. Foi lá que encontrei esse Skinheads – A Força Branca, obra prima do cinema australiano da qual eu nunca havia nem ouvido falar e que me sinto feliz tanto por ter assistido somente agora (visto que as questões que ele aborda são pontuais para tudo que está acontecendo atualmente no mundo) quanto por poder ajudar a divulgar.

A história segue as ações de um grupo neonazista comandado por Hando (Russell Crowe). Adorador de Hitler e defensor da ideia de que “os amarelos” (asiáticos, principalmente vietnamitas) estão destruindo a cultura de seus país e ameaçando sua existência, Hando e seus seguidores realizam ataques diários àqueles que eles elegeram como inimigos. Na cena que abre o filme, o diretor Geoffrey Wright nos dá uma boa amostra do que o grupo é capaz. “O que você está fazendo aqui? Este não é o seu país”, diz Hando antes de espancar um adolescente até a morte.

Se essa cena choca, o que vem na sequência (apesar de menos gráfico) não é menos ultrajante. Hando conhece e envolve-se com Gabe (Jacqueline Mckenzie), uma adolescente que está vagando pela noite sem muitas perspectivas depois de abandonar um namorado viciado em drogas. Após transarem em um quarto repleto de objetos nazistas (a parede do fundo, por exemplo, é coberta com uma bandeira do Terceiro Reich), Hando explica para Gabe as origens de seu ódio racial. Segundo ele, as pessoas ricas da Austrália encheram o país com “lixo humano”, asiáticos que são usados como mão de obra barata. Ele não quer ser um “escravo branco” em seu próprio país, ele quer que as pessoas saibam que ele orgulha-se de sua “história e de seu sangue de branco”. Na sequência, fechando a verborragia, ele saca um exemplar do Mein Kampf, um dos pilares da ideologia nazista, e lê um trecho que relaciona a decadência das “culturas nobres do passado” com a contaminação provocada pela “semente das raças inferiores”. “O sangue da raça deve ser preservado na sua pureza, a qualquer custo”. Gabe, que revela-se uma garota impulsiva, fútil e sem nenhum tipo de cultura, ouve isso tudo e sorri, impressionada. Quem tem um mínimo de bom senso/conhecimento, porém, é avisado pela contração involuntária do estômago que esse pensamento nacionalista/supremacista, além de repugnante, fatalmente levará à violência e destruição, e é exatamente isso que vemos em seguida.

Skinheads - A Força Branca - Cena 1

Depois de ser avisado que “um bando de amarelos” comprou o seu bar favorito da cidade, Hando reúne seus comparsas e parte o local para expulsá-los. Acontece, porém, que os asiáticos haviam organizado-se após a morte do garoto (aquela que abre a trama) e, dessa vez, eles estavam prontos para revidar. Hando e os demais skinheads, entre eles Davey (Daniel Pollock), um brutamontes descerebrado, até levam vantagem no início, surrando sem dó dois funcionários do tal bar, mas aí começa a surgir vietnamita de tudo que é canto e os neonazistas sentem na pele a violência que eles estavam acostumados a praticar. Aqui, a mágica do cinema acontece, nos permitindo vivenciar no ambiente relativamente seguro da arte sentimentos e sensações que não podemos praticar na vida real, seja por questões morais ou legais. Como é bom ver aquele discurso supremacista sendo enfrentado à altura! O grupo de Hando toma uma surra épica (alguns deles inclusive morrem), com direito a tijolada na cara e tudo mais, e só lhes resta fugir com o rabinho no meio das pernas. A partir daí, o grupo esfacela-se e o filme assume um tom menos de ação, mais dramático, para expor a hipocrisia e a podreira moral de Hando.

Russell Crowe, que sem dúvidas é um dos grandes atores de sua geração, dá vida a um protagonista intragável. Todos os símbolos da barbárie estão lá, desde o copo de leite que é bebido religiosamente ao acordar até as tatuagens com símbolos nazistas, mas o que mais me chamou atenção foi um diálogo em que ele dá bronca em um membro da gangue porque o cara demonstrou interesse em trabalhar servido ao exército. Hando acusa os asiáticos de invadirem seu país, contaminarem sua cultura e roubarem empregos dos nativos, mas ele mesmo não quer trabalhar. Durante a relativa 1h32min de duração do filme, aliás, o personagem não faz nada além de praticar furtos, embebedar-se, ser machista e brigar. É isso que define uma “raça pura”, uma “cultura nobre”?

Skinheads - A Força Branca - Cena 2

Claro que não. A ideia de nacionalismo e de raça enquanto fatores segregadores de povos nasce no século XIX na esteira da formação dos estados nacionais europeus modernos e na divulgação de teorias científicas, como o evolucionismo de Charles Darwin. A necessidade de definir uma identidade nacional baseada em fatores como língua, religião, símbolos (hino, bandeira) e ancestrais e acontecimentos históricos em comum levou à formulação de uma série de teorias que não só identificavam esses povos, mas que os comparavam entre si, como se uns fossem mais “evoluídos” do que os outros (o que recebe o nome de darwinismo social) e, portanto, estivessem mais aptos para conduzir o processo civilizatório do mundo. Nisso, temos caras como o inglês William Graham Sumner dizendo que o estado que promove igualdade favorece a sobrevivência do mais fraco, o que “leva a sociedade para baixo e favorece todos os seus piores membros” e o relativamente conhecido Francis Galton (também inglês) criando a chamada “eugenia”, umas espécie de limpeza racial que o estado deveria promover canalizando recursos públicos somente para os considerados “racialmente valorosos” e proibindo o casamento/esterilizando os “socialmente inúteis”, tudo isso visando evitar a miscigenação racial dos brancos com as “raças inferiores”, o que levaria ao seu enfraquecimento. É esse tipo de baboseira que atravessou o século e serviu de base para o surgimento do nazismo, é esse tipo de babaquice que fez ninho na cabeça oca de Hando.

Skinheads – A Força Branca, na sua metade final, explora as fraquezas teóricas do supremacismo através das contradições e da baixeza moral de seu protagonista, e revela o caminho robespierriano que aguarda os propagadores de ideias extremas. Apesar de seus quase 30 anos, é um filme bastante atual (não é bizarro que, no Brasil, um país que carrega a marca da miscigenação desde a sua origem, haja grupos neonazistas?) e merecedor da sua atenção, tanto pelas discussão que suscita quanto pelo fator entretenimento, que é dos maiores caso tu goste de ver a idiotice humana engolindo a si mesmo (e tomando tijolada na cara).

Skinheads - A Força Branca - Cena 3

Mad Max (1979)

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Mad MaxOutro dia eu estava no cinema e exibiram o trailer bacanudo do remake do Mad Max. Terminado o mesmo, alguém que estava sentado nos proximidades disse algo do tipo “De onde tiraram essa droga?”, o que me muito me espantou. Além das divergências de opinião sobre a qualidade do que fora mostrado, estranhei o fato da pessoa não conhecer a série, “arroz de festa” da programação dominical da Rede Globo durante a década de 90. Logo, porém, esse estranhamento cedeu lugar para lembranças nostálgicas das lutas na Cúpula do Trovão e, enquanto eu arrepiava recordando o refrão do clássico da Tina Turner, acabei percebendo algo deveras chato: sim, eu sei “de onde tiraram essa droga”, mas eu não conheço a “droga” toda. Vi Mad Max 2: A Caçada Continua e Mad Max – Além da Cúpula do Trovão várias vezes, mas até então eu nunca havia assistido o filme que originou a série. Nada melhor, portanto, do que aproveitar a proximidade da estreia do remake para reparar essa “falha”.

Produção australiana (!!!) de 1979, Mad Max vai no embalo de outros filmes de vigilantismo da década de 70, como Desejo de Matar e os Dirty Harry do Clint Eastwood, e apresenta um personagem cujos valores morais são confrontados pela violência urbana. Max (Mel Gibson) é um policial que luta contra o crime em um futuro distópico dominado por tipos marginais. Na cena que abre o longa, Max, auxiliado pelo “cabeça quente” Jim Goose (Steve Bisley), persegue um arruaceiro conhecido como Cavaleiro da Noite até o mesmo encontrar a morte em um brutal acidente de carro. Esse episódio dá início a uma guerra entre a polícia e o grupo de motoqueiros criminosos do qual o bandido fazia parte.

O primeiro (e mais óbvio) comentário sobre o que vi é que, aparentemente, o remake baseará-se mais nos dois últimos longas da franquia do que nessa primeira investida de Max. Rodado com um orçamento baixíssimo (cerca de 650.00 dólares), Mad Max não contou nem com aqueles carros cheios de metrancas nem com os personagens usando maquiagens estilosas vistos em A Caçada Continua e Além da Cúpula do Trovão (linha que o trailer linkado parece seguir). O que segura a bronca aqui é o roteiro sólido e a força das atuações do novato Mel Gibson, que estava apenas em seu segundo trabalho, e de seu antagonista, o ator Hugh Keays-Byrne e seu insano Toecutter.

Mad Max - CenaO diretor e roteirista George Miller (que também comandará o remake) parte do princípio que a burocracia estatal e os direitos humanos constituem entraves na luta contra a criminalidade. Nesse futuro imaginado por ele, provável extensão e materialização dos problemas sociais observados em seu tempo, os bandidos percorrem as estradas do país com seus veículos envenenados e visual punk aterrorizando os comerciantes e as “pessoas de bem” enquanto os policiais, engessados por uma infinidade de leis que são repetidas exaustivamente nos rádios de suas viaturas, pouco ou nada podem fazer. Miller tenta evitar o maniqueísmo simplório, mostrando bandidos que são o que são devido a problemas psicológicos e policiais que exageram no cumprimento do dever, mas o cerne de seu roteiro é a tradicional luta entre o bem e o mal em que os lados são definidos por valores claramente conservadores.

Mad Max - Cena 2No centro das questões propostas pelo diretor está Max, policial honesto e pai de família dedicado que, inicialmente, tenta enfrentar seus rivais agindo dentro dos limites da lei. A luta prova-se inglória e Max, após ver um de seus amigos ir parar no hospital vítima de uma emboscada, decide abandonar a profissão e refugiar-se no campo para proteger sua família. Essa fuga, como era de se esperar, apenas atrasa o conflito inevitável entre os personagens e, após a hesitação cobrar o mais alto dos preços, Max faz jus ao adjetivo que o título do filme lhe atribui (Mad = louco), chuta o pau da barraca e parte pra cima de seus algozes com sangue nos olhos. Quando a lei falha, resta apenas a luta primordial pela sobrevivência e aí não há regra, burocracia ou questões morais que impedirão um sujeito de atirar o outro pra baixo de um caminhão.

Mad Max - Cena 3Mad Max tem perseguições de carro divertidonas (a sequência que abre o filme não deve nada para produções recentes), um vilão memorável (o tal Toecutter é um daqueles caras insanos que provocam medo só de falar) e um final absurdamente bom onde um homem comum assume as rédeas do próprio destino e explode, mata e subjuga tudo e todos que ousaram entrar em seu caminho. Há um ou outro problema de edição (personagens fazendo uma coisa em uma cena e outra totalmente diferente na cena seguinte, como quando Toecutter sai correndo atrás de um casal sem maiores explicações), estereótipos que soam forçados demais (os advogados dos bandidos) e a mulher de Max é uma pessoa cujos vacilos são tão ou mais difíceis de aguentar do que os da Kate do Lost ou a Skyler White do Breaking Bad, mas o saldo do filme, tu concordando ou não com a abordagem do vigilantismo proposta pelo diretor, é bastante positivo. Se o remake conseguir atualizar essas questões sociais e cumprir metade do que o trailer promete em termos de cenas de ação absurdas, teremos um filme divertidão. Eis as minhas expectativas, eis o que espero após ver o primeiro Mad Max: por favor, não estrague a memória de seu legado, Miller rs

Mad Max - Cena 4