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Destacamento Blood (2020)

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Destacamento BloodDestacamento Blood pode ser encontrado na sessão “Aclamados pela Crítica” do Netflix. Não entendo muito os critérios da plataforma para relacionar filmes (não sei com vocês, mas os ‘Feitos para Você’ que aparecem por aqui são bizarros 😆 ), mas desconfio que, nesse caso, a indicação deva-se ao pai da criança. Apesar de ter vencido apenas um Oscar (em 2019 de Melhor Roteiro Adaptado por Infiltrado na Klan), o diretor Spike Lee já foi homenageado pela Academia com um Oscar Honorário em 2016 pelo conjunto de sua obra e possui uma filmografia repleta de clássicos “aclamados pela crítica”, como Faça a Coisa Certa e Febre da Selva. O nome dele, resumindo, evoca trabalhos grandiosos e respeitados, seja pela execução, seja pela força da crítica social que realiza. Essa expectativa, no caso de Destacamento Blood, é bastante contraproducente: o que poderia ser apenas um filme de guerra “ok” torna-se uma decepção por levar o “pedigree Spike Lee”.

A história fala de um grupo de soldados negros veteranos que decide retornar ao Vietnã para cumprir duas missões: encontrar e sepultar os restos mortais de um antigo amigo (Norman, vivido em cenas de flashback por Chadwick Boseman) e desenterrar uma mala repleta de ouro que eles esconderam durante a guerra. É assim que Paul (Delroy Lindo), Otis (Clarke Peters), Melvin (Isiah Whitlock Jr.) e Eddie (Norm Lewis) reencontram-se no sudeste asiático, num clima inicial de nostalgia e camaradagem, e contratam um guia para leva-los novamente até o coração da selva. Antes de partir, o grupo é reforçado pela chegada do filho de Paul, David (Jonathan Majors), e negocia a venda do ouro com um comprador misterioso (Jean Reno).

Destacamento Blood - Cena 3

Pelo que pode ser lido aqui, Destacamento Blood foi pensado inicialmente para contar a história de cinco soldados brancos. Como o diretor Oliver Stone desistiu de dirigir o projeto, ele foi oferecido ao Spike Lee, que reescreveu o roteiro de modo a abordar as questões raciais que lhe são caras, como a luta pela igualdade social entre negros e brancos e o racismo estrutural dos Estados Unidos. Em linhas gerais, a mão  de Lee no roteiro pode ser percebida em dois pontos:

  1. Na ótima introdução, uma espécie de “mini documentário” com edição frenética (um dos seus traços mais característicos enquanto cineasta) que usa imagens reais para relacionar Guerra do Vietnã e o Movimento dos Direitos Civis. No ponto alto desse início, Lee resgata a entrevista memorável do Muhammad Ali para argumentar sobre a discrepância entre a convocação de negros e brancos naquele momento. “Por que eles deveriam me pedir para colocar um uniforme, ir a dez mil milhas de casa e atirar bombas e balas nas pessoas marrons no Vietnã enquanto as pessoas chamadas de ‘nigger’ em Louisville são tratadas como cachorros e negadas de direitos humanos básicos”. Boa, Ali.
  2. Na ressignificação que é dada à “caça ao tesouro”, visto que, apesar de alguns personagens quererem o dinheiro para fins pessoais, há uma discussão entre eles sobre o propósito social da missão, que deveria ser garantir recursos para que a luta dos negros por direitos, igualdade e dignidade continuasse.

Essas questões, somadas ao estresse pós-traumático de Paul, dão profundidade à trama e impedem que ela seja “apenas mais um filme de guerra”. Ponto para o diretor, que também precisa ser parabenizado pela edição caprichada (adoro quando ele introduz fotos para ilustrar personalidades que são citadas pelos personagens), pelas referências cinematográficas (o óbvio Apocalypse Now! aparece no nome de uma boate e na execução da Cavalgada das Valquírias do Wagner) e pela crueza e brutalidade de suas cenas de ação (acho que nem o Tarantino explodiu alguém com tanto sangue e estilo quanto o Spike Lee explode com uma mina terrestre nesse filme). Os elogios, porém, acabam aqui.

Destacamento Blood - Cena 1

Se a edição é bacana pelos malabarismo técnicos e pelo tom documental, ela também é falha por permitir que a versão final do material ultrapasse 2h30min. Destacamento Blood é muito longo e não justifica essa duração pois, além de sua história ser relativamente simples, o filme não usa desse tempo extra para desenvolver satisfatoriamente as subtramas de seus muitos personagens (o foco, claramente, está no estressadão Paul).

Outro ponto que não me agradou foi a forma simplória como algumas questões são solucionadas pelo roteiro, e aqui cito dois exemplos para me fazer entender:

  1. A cena em que a tal “mala de ouro” é encontrada. Os personagens estão andando, no meio do nada, já desanimados com a procura, daí um deles afasta-se para fazer “o número 2” e…. “Achei, pessoal!”. Assim, simples assim.
  2. O encontro deles, extremamente providencial, com um grupo de especialistas em desarmar minas terrestres bem no momento em que eles precisavam…. desarmar uma mina terrestre.

Entenderam? Filmes como o clássico Vício Frenético são lembrados (e tornam-se legais) por seus finais estilo deus ex machina (um recurso teatral que consiste em dar uma resolução inverossímil para algum problema), mas não parece ser essa a intenção aqui. Devido a seriedade do longa e sua pegada mais documental, fiquei com a impressão que os pontos levantados são meros descuidos do roteiro.

Esses tipos de problema (sentir tédio com a trama arrastada, questionar as soluções fáceis da trama) poderiam passar batidas numa produção de um diretor qualquer, mas não em um “filme do Spike Lee”. A sensação que tive (e que foi ‘confirmada’ pela informação que linkei acima) é que o diretor tentou dar forma para um material que não era dele, e o resultado foi um filme mediano que, por tudo que esperamos de um cara como ele (um sujeito ‘aclamado pela crítica’ 😆 ), deixa a gente meio desapontado. É uma pena.

Destacamento Blood - Cena 2