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365 Dias (2020)

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365 DiasAqui está o filme sensação do momento. Perdi as contas de quantas menções sobre o mesmo vi em redes sociais e, em ao menos duas oportunidades, vi ele sendo debatido em grupos de whatsapp que participo. Até onde percebi, não há meio termo: tem uma galera que amou e uma que odiou. Como gosto de cinema e me interesso em saber o que está sendo produzido em todos os gêneros, optei por assistir para formar opinião. Desconfiei, pelo que li de antemão, que eu integraria o grupo dos que odiaram, o que de fato aconteceu, mas há uma ou outra qualidade aqui que precisamos reconhecer.

Saca só: Massimo (Michele Morrone) é um mafioso italiano do tipo macho alfa que, desde sempre, tem visões com uma musa misteriosa. Um dia, após usar seu poder e truculência para cobrar dinheiro de alguns empresários, ele conhece a polonesa Laura (Anna Maria Sieklucka), mulher que é exatamente igual àquela com a qual ele sonhava. Acostumado a pegar o que quer à força, Massimo sequestra Laura e a leva para sua mansão, dando a ela 365 dias para apaixone-se por ele.

É isso gente. Dá pra resumir o roteiro em uma frase: um brucutu sequestra uma mulher e dá um ano para que ela cai na lábia dele. Quando trata-se de crítica de cinema, principalmente aquela feita de forma rasteira em conversas informais, é bastante comum tu ver as pessoas dizendo que “o filme tal não tem roteiro” como argumento para detoná-lo. Na maioria das vezes, isso não é lá muito verdade (há quem diga isso, por exemplo, do Star Wars IX, que não é lá uma obra prima, mas que tem ‘roteiro’ sim), mas aqui estamos mesmo diante de um célebre caso em que a trama simplória é apenas um “mal necessário” para o objetivo da produção, que é conseguir um lugar ao sol explorando a luxúria que habita dentro de cada um de nós.

365 Dias - Cena 2

Sabe aqueles clipes (principalmente dessa recente onda de hip-hop norte-americano) em que o artista realiza sua performance num ambiente paradisíaco, repleto de corpos sarados, enquanto todos bebem bebidas caras e posam com roupas de marca e carrões turbinados? Nada daquilo está ali por acaso, tudo é milimetricamente pensado para que nós, gente comum, sintamos desejo, seja de consumir, de sermos fisicamente atraentes ou de termos alguma coisa daquela vida aparentemente perfeita. 365 Dias, que é uma produção polonesa e que também pode ser encontrado com o título de 365 DNI (no Netflix está assim), é isso, um longo videoclipe pensado para mexer com a nossa libido, e nisso ele é bastante competente. Ao longo de 1h54min, os diretores Barbara Bialowas e Tomasz Mandes exploram o poder de compra aparentemente infinito de Massimo (joias, roupas e sapatos caros, viagens) e sua invejável forma física para construir uma incrível tensão sexual entre ele e Laura. Ela, que inicialmente resiste às investidas de seu captor, acaba entrando no jogo da sedução proposto por ele e também eleva a temperatura exibindo o corpo escultural em lingeries e vestidos que deixam pouco para a imaginação. Entre uma e outra cena, baladas açucaradas cantadas por vozes sussurrantes completam o clima de romance e sexo da trama.

O ápice do filme, lógico, é o momento em que o casal cede ao desejo e testa metade das posições do Kama Sutra num barco luxuoso em alto mar. É PÁ, é POW, é PLIC, é PLOC, parece que a energia deles nunca acaba. Tudo muito bonito, tudo muito legal, mas, consumado o ato pelo qual a gente espera quase uma hora e meia pra ver, vem a costumeira reflexão pós-coito e percebemos o óbvio: o filme é ruim demais. O roteiro, além de simplório, caminha sem nenhum tipo de reflexão para uma perigosa Síndrome de Estocolmo e nada, nada mesmo fora a tensão sexual entre os protagonistas recebe a devida atenção. Questões como o relacionamento anterior de Laura, a morte do pai de Massimo, seus inimigos e sua estranha obsessão por uma musa idealizada são apenas jogadas na tela entre uma e outra cena de vuc-vuc.

365 Dias - Cena

A parte técnica, aliás, não é das melhores também. Bem no início do filme, quando Massimo decide aliviar a tensão de uma viagem de jatinho com a comissária de bordo, tem um detalhe bizarro. Enquanto alterna a câmera entre o rosto do personagem e o da moça (que está de joelhos lhe fazendo sexo oral), os diretores mostram o que parece ser a visão parcial de um pênis. Notei, porém, que algo estava estranho. Voltei a cena, pausei “no momento exato” e foi aí que tive um susto: a mulher estava chupando uma prótese! (Clique aqui, por sua conta e risco, caso tu queira comprovar o que estou dizendo). É muito amadorismo, caras.

365 Dias pode até te inspirar a comprar umas roupas legais (gostei do estilo do cara se vestir), querer ter um corpo legal e/ou aquecer uma noite de segunda feira daquele casal que já está mais pra lá do que pra cá. Ele pode te fazer sonhar com uma vida de viagens e ostentação que, provavelmente, tu nunca terá. Ele pode ser utilizado como uma válvula de escape num momento em que todo mundo tá meio que surtando em meio a uma pandemia mundial. Ele também pode e deve ser visto como o que ele é: um filme sem pé nem cabeça, sem eira nem beira, que abre mão de contar uma história minimamente coerente em troca de manipular os hormônios do público. A Polônia, que na Segunda Guerra Mundial enfrentou bravamente a moderna Wermacht nazista utilizando quase que exclusivamente sua cavalaria montada, não merecia essa vergonha.

365 Dias - Cena 3

Ida (2013)

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IdaEsse é o primeiro e provavelmente será o único concorrente ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro que conseguirei resenhar antes da cerimônia do próximo dia 22. A intenção era ver o Leviatã, vencedor do Globo de Ouro e favorito a levar a estatueta, mas não encontrei legenda para ele. Assim sendo, escolhi esse Ida meio que aleatoriamente dentre os outros indicados e estou bem feliz por tê-lo feito. O filme polonês do diretor Pawel Pawlikowski é um road movie esquisitão rodado em preto e branco, o tipo de material provocante e alternativo que eu busco quando opto por uma produção feita fora de Hollywood.

Anna (Agata Trzebuchowska) vive em um convento na Polônia da década de 60. Ela é uma noviça e está próxima de fazer os votos para tornar-se freira quando a madre superior do local convoca-a para relatar a existência de uma parente distante. Trata-se de Wanda (Agata Kulesza), uma tia que até então nunca demonstrara interesse em conhecê-la. Anna arruma as malas e vai de encontro àquela mulher misteriosa, a qual faz-lhe revelações familiares que obrigarão a personagem a adiar os votos de castidade e iniciar uma jornada para revirar o passado em busca de respostas.

Polônia, década de 60, passado… Ganhou um ponto em conhecimentos históricos quem desconfiou que a trama caminha rumo as catacumbas já bastante exploradas do nazismo. Felizmente, dessa vez, o foco não é mostrar os judeus sendo mortos ou maltratados, mas sim a extensão de toda aquela barbárie através dos anos que se seguiram. Anna, cujo nome verdadeiro revela-se Ida, tomou um rumo na vida bem diferente daquele que ela provavelmente teria tomado em decorrência do que aconteceu com seus pais, judeus, durante a guerra. Wanda, que ingressou no serviço público para vingar-se dos nazistas, também ficou presa em uma existência amargurada fortemente influenciada pela política de extermínio de Hitler. Pawlikowski nos dá alguns bons conflitos psicológicos e morais para analisar e, mesmo sem mostrar campos de concentração, consegue nos fornecer algumas imagens extremamente perturbadoras ligadas ao holocausto (a cena da floresta é o tipo de material que acaba com o dia de qualquer um), mas não foi isso que mais me chamou atenção por aqui. Gostei mesmo foi do desenvolvimento pouco convencional da personagem principal.

Ida - CenaVia de regra, os road movies mostram personagens realizando viagens que mudarão a forma como eles veem o mundo. Na estrada, eles encontram outras pessoas, realidades e problemáticas que os fazem questionar valores e rever prioridades, de modo que há progresso espiritual e amadurecimento através da quebra de paradigmas. Quando a jornada do filme começa, Anna não parece disposta a mudar de vida. Tendo crescido e sido educada em um ambiente religioso, ela vê com maus olhos os excessos de Wanda, que bebe, fuma e envolve-se com vários homens. Ana segue na viagem apenas para descobrir informações sobre os pais e em momento algum demonstra interesse em abandonar sua crença para experimentar o estilo de vida libertino da tia. Surge um rapaz, ela olha-o com curiosidade e só, lá vai a personagem de volta para o convento após o término da investigação. Eis que ocorre uma tragédia inesperada e os votos são quebrados, há transgressão e experimentação e o roteiro do road movie parece completo, certo?

Ida - Cena 2Ida é um filme deveras curto (1h20min) e muitos de seus elementos já foram experimentados em outras produções. Fala-se sobre nazismo e holocausto, há duas personagens aparentemente diferentes que, na essência, dividem os mesmos problemas e os cenários são típicos de produções do estilo, como bares, hotéis baratos e festinhas mequetrefes (que parecem incrivelmente divertidas). Um peitinho aqui, uma morte acolá e pronto, o roteiro de mais um filme bom, mas perfeitamente esquecível, está completo. Além da bela fotografia preto e branco, um diferencial nos dias de hoje, Pawlikowski dá personalidade para seu trabalho quando decide encerrar o filme não compactuando necessariamente com a ideia de mudança muitas vezes radical dos road movies. Anna pende rumo ao diferente, mas a experiência empírica, no caso dela, parece apenas confirmar aquilo no que ela já acreditava desde o princípio. A última imagem que vemos na tela (a personagem no meio de um caminho), é sintomática nesse sentido, representação, acredito, do movimento dialético da vida, que nos faz mudar constantemente mas que nem sempre é feito as custas de um sacrifício total de crenças e valores.

Ida - Cena 3